São Paulo, sábado, 06 de março de 2010

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Saqueadores de Concepción se defendem

JOÃO WAINER
SILVANA ARANTES
ENVIADOS ESPECIAIS A CONCEPCIÓN

Eles já estavam habituados ao estigma de "pobres". Agora, andam tristes e indignados com o rótulo de ladrões. Recaiu sobre os moradores do bairro Pedro de Valdivia Bajo, na periferia de Concepción, a culpa pela onda de saques desencadeada na cidade após o terremoto que provocou uma catástrofe no Chile.
Até a prefeita Jacqueline van Rysselberghe os apontou como responsáveis pelos tumultos, em entrevista a uma rádio local. "E pensar que, quando ela quis se eleger, veio aqui de casa em casa, pedindo voto", diz um morador da área, visitada pela Folha.
A declaração da prefeita reforçou a voz corrente em Concepción, que identifica os autores dos saques como aproveitadores que se valeram das circunstâncias para levar itens caros e supérfluos para casa.
"A primeira coisa que você pensa durante um terremoto é nos filhos", afirma Ismael, pai de três, que ganha a vida como porteiro.
"Tínhamos de garantir comida para as crianças. Até agora, não chegou nenhuma ajuda nem veio ninguém do governo. Se não tivéssemos feito isso, as crianças estariam passando fome", diz Verónica, que trabalha como faxineira de supermercado.
Ela foi saquear não o supermercado onde trabalha -que ficou destruído por outros saqueadores-, mas sim o que fica mais próximo de sua casa.
Os moradores de Pedro de Valdivia Bajo se locomoveram juntos até lá, levando carrinhos de mão e sacolas vazias. Dizem que tinham como prioridades conseguir leite, óleo, fermento para fazer pão e fraldas. "Mas estava um breu. Tentávamos iluminar as gôndolas com os celulares. Cada vez que um localizava algo, gritava para os outros virem ajudar."
O estoque acumulado pelos moradores da baixada do rio Bio Bio deve durar "mais 15 ou 20 dias". Depois, eles não sabem como farão. Assim como a faxineira do supermercado, os demais estão com os trabalhos suspensos pela destruição que o terremoto causou. E como a ajuda governamental ainda não chegou, aumenta a incerteza e a revolta dos habitantes com os políticos, que acrescentaram a palavra "mentiroso" aos outdoors do vereador eleito prometendo ajudá-los.
"Dói muito que nos chamem de ladrões. Não somos delinquentes. Tomamos uma decisão para não passar fome. E estamos assumindo isso, porque a verdade liberta", afirma Verónica .
Embora ofendidos pelos que os tratam como ladrões, os moradores de Pedro de Valdivia Bajo se sentem, de certa maneira, iguais ao restante da população da cidade, submetida à mesma precariedade no fornecimento de luz, água e à falta de alimentos. "Quando acontecem essas catástrofes, não há (divisão de) classes sociais", conclui Ismael.


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