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Saqueadores de Concepción
se defendem
JOÃO WAINER
SILVANA ARANTES
ENVIADOS ESPECIAIS A
CONCEPCIÓN
Eles já estavam habituados ao estigma de "pobres". Agora, andam tristes e indignados com o rótulo de ladrões. Recaiu sobre os moradores do bairro Pedro de Valdivia Bajo,
na periferia de Concepción, a culpa pela onda de
saques desencadeada na
cidade após o terremoto
que provocou uma catástrofe no Chile.
Até a prefeita Jacqueline van Rysselberghe os
apontou como responsáveis pelos tumultos, em
entrevista a uma rádio local. "E pensar que, quando
ela quis se eleger, veio aqui
de casa em casa, pedindo
voto", diz um morador da
área, visitada pela Folha.
A declaração da prefeita
reforçou a voz corrente
em Concepción, que identifica os autores dos saques como aproveitadores
que se valeram das circunstâncias para levar
itens caros e supérfluos
para casa.
"A primeira coisa que
você pensa durante um
terremoto é nos filhos",
afirma Ismael, pai de três,
que ganha a vida como
porteiro.
"Tínhamos de garantir
comida para as crianças.
Até agora, não chegou nenhuma ajuda nem veio
ninguém do governo. Se
não tivéssemos feito isso,
as crianças estariam passando fome", diz Verónica, que trabalha como faxineira de supermercado.
Ela foi saquear não o supermercado onde trabalha -que ficou destruído
por outros saqueadores-,
mas sim o que fica mais
próximo de sua casa.
Os moradores de Pedro
de Valdivia Bajo se locomoveram juntos até lá, levando carrinhos de mão e
sacolas vazias. Dizem que
tinham como prioridades
conseguir leite, óleo, fermento para fazer pão e
fraldas. "Mas estava um
breu. Tentávamos iluminar as gôndolas com os celulares. Cada vez que um
localizava algo, gritava para os outros virem ajudar."
O estoque acumulado
pelos moradores da baixada do rio Bio Bio deve durar "mais 15 ou 20 dias".
Depois, eles não sabem
como farão. Assim como a
faxineira do supermercado, os demais estão com os
trabalhos suspensos pela
destruição que o terremoto causou. E como a ajuda
governamental ainda não
chegou, aumenta a incerteza e a revolta dos habitantes com os políticos,
que acrescentaram a palavra "mentiroso" aos outdoors do vereador eleito
prometendo ajudá-los.
"Dói muito que nos chamem de ladrões. Não somos delinquentes. Tomamos uma decisão para não
passar fome. E estamos
assumindo isso, porque a
verdade liberta", afirma
Verónica .
Embora ofendidos pelos
que os tratam como ladrões, os moradores de
Pedro de Valdivia Bajo se
sentem, de certa maneira,
iguais ao restante da população da cidade, submetida à mesma precariedade no fornecimento de luz,
água e à falta de alimentos.
"Quando acontecem essas
catástrofes, não há (divisão de) classes sociais",
conclui Ismael.
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