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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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HOMEM-BOMBA

Peter Eass, 28, que vive na Jordânia, promete se explodir e matar invasores em Bagdá

Iraquiano volta em "missão suicida"

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A AMÃ

O iraquiano Peter Eabeae Eass, 28 anos, é um homem com uma missão. Desde que ouviu na TV jordaniana na semana passada o apelo do presidente iraquiano Saddam Hussein conclamando mártires do mundo inteiro a irem para Bagdá atacar os invasores da coalizão, ele só pensa em uma coisa: se explodir perto do Exército norte-americano, se matando e matando com ele o maior número de soldados que conseguir.
"É minha missão como muçulmano", disse ele à Folha ontem à tarde na periferia de Amã, na Jordânia, momentos antes de embarcar no ônibus que o deixaria hoje cedo na capital iraquiana. Eass quer se juntar aos mais de 4.000 soldados suicidas que já estariam em Bagdá, segundo números fornecidos pelo vice-presidente do Iraque, Ezzart Ibrahim, só esperando o melhor momento para agir.
Desde sábado retrasado, quando um soldado iraquiano disfarçado de taxista explodiu a si mesmo e matou quatro americanos em Najaf, pelo menos outros três ataques suicidas atingiram postos da coalizão anglo-americana. Anteontem, o ministro da Informação iraquiano deu a entender que o país usaria tais homens-bomba para retomar o controle do aeroporto internacional de Bagdá.
Mecânico de formação, mas especializado em explosivos leves e praticante de caratê há quatro anos, o iraquiano Eass não tem problemas de consciência em relação a seu plano: "Nós muçulmanos não encaramos a morte como vocês [ocidentais"", disse ele.
Eass, que antes havia dito se chamar Ahmed Hussein, diz que mora em Amã há sete meses e que vinha ganhando um bom dinheiro na cidade como reparador de motores, "uns US$ 1 mil, US$ 2 mil por mês", mas que não se importa de largar tudo e voltar para um país invadido, no meio de uma guerra, cujo salário médio atualmente é de US$ 50.
De olhos vidrados, barba longa, camisa xadrez, calça jeans e sapatos pretos, conta detalhes de seu plano para o taxista contratado pelo repórter, que traduz para o inglês a conversa, enquanto um pequeno grupo de motoristas de ônibus e caminhonetes que fazem o trajeto Amã-Bagdá-Amã vai se juntando a seu redor, impressionado com a conversa.
Eass afirma que vai largar a mala (verde-oliva, com os dizeres "Big John" bordados nos bolsos) num canto da sala assim que chegar à casa de seus pais e, então, vai executar seu plano.
Leia trechos da entrevista:

Folha - Você não tem medo de ir a Bagdá neste momento?
Peter Eabeae Eass -
Medo de quê? De morrer? Mas se é para isso mesmo que eu estou indo lá.

Folha - Você está indo a Bagdá para morrer? Por quê?
Eass -
Estou indo para me matar e, junto, matar os soldados americanos e britânicos.

Folha - Por quê?
Eass -
É minha missão como muçulmano. Esse é um jihad. O Alcorão [livro sagrado dos muçulmanos" nos diz que temos de matar os invasores infiéis de terras muçulmanas, sejam eles americanos, britânicos ou australianos, não importa. Estes soldados são invasores e merecem morrer.

Folha - Mas se você fizer isso pode matar civis e pessoas inocentes junto. Você não pensa na implicação moral de seu ato?
Eass -
Nós muçulmanos não encaramos a morte como vocês.

Folha - Você está fazendo isso por Saddam Hussein?
Eass -
Atendendo a um pedido dele, sim, mas estou fazendo isso por minha religião e pelo Iraque. Não me importa quem é o presidente do país, o importante é que minha terra foi invadida.
Eu não morava mais lá, mas minha família ainda mora. Meus pais, meus quatro irmãos, que lutaram na Guerra do Golfo, em 1991, e estão lutando de novo, e minha irmã. Nem sei se eles estão vivos ou não, pois os telefones de Bagdá não estão funcionando faz tempo, mas não importa. Mesmo se eles não quiserem que eu faça este sacrifício, eu vou fazer.

Folha - O que você pretende fazer exatamente?
Eass -
Minha vontade era pegar [o presidente norte-americano George W." Bush pessoalmente e cortar seu pescoço. Cortar seu pescoço, não, morder seu pescoço e chupar seu sangue. Antes, daria uma sequência de golpes de caratê [mostra a sequência para o repórter". Faria isso mesmo se fosse morto no caminho. Como não posso, me matarei, matando junto comigo seus soldados.

Folha - Você tem namorada?
Eass -
(rindo) Não, o verdadeiro muçulmano não namora, apenas se casa.

Folha - Você é casado?
Eass -
(sério) Não.


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