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COMENTÁRIO
Os números enganam
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Foi só um susto o que ocorreu
na cena política da França recentemente? Eis a pergunta que assombra os franceses após as duas
semanas mais controversas da
Quinta República -exceto o turbilhão político-social de maio de
1968. A julgar pela esmagadora vitória de Jacques Chirac, sim. Mas
os números podem ser ilusórios.
Afinal, os cerca de 82% que garantiram a reeleição de Chirac
contrastam com os meros 19,88%
obtidos por ele no primeiro turno. E, ainda mais relevante, sua
votação em 21 de abril último não
representa mais do que 13,75% do
total de eleitores inscritos.
Assim, os 82% de ontem são
mais um voto anti-Le Pen do que
um triunfo incontestável do presidente. "A extraordinária vantagem de Chirac significa que os
franceses estavam mais preocupados em evitar o crescimento da
extrema direita do que em reeleger o presidente", explicou à Folha Dominique Reynié, do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Essa constatação torna a cena
política francesa ainda mais imprevisível a pouco mais de um
mês da eleição legislativa, que poderá colocar o país em outro período de coabitação -situação
em que o presidente é de um partido e o premiê, de outro.
Raposa velha da política francesa, Chirac, logo após o anúncio do
resultado do pleito, já buscou
atrair seu eleitorado com um tom
que, em muito, lembrou o empregado por seu "mestre", Charles
De Gaulle, após os levantes populares de maio de 1968.
Ao afirmar que havia "entendido a mensagem" popular, De
Gaulle assegurou o apoio de que,
à época, tanto precisava. Chirac
usou o mesmo tom ao comentar o
que havia ocorrido nas duas semanas que precederam o segundo turno. Contudo isso não será
suficiente para garantir-lhe maioria na Assembléia Legislativa.
Para tanto, será crucial o nome
do premiê que ele apontará. Boa
parte do eleitorado de direita já
indicou ser favorável a Nicolas
Sarkozy. Mas, como o resultado
de ontem mostrou que a direita
radical talvez não seja tão preocupante eleitoralmente, Chirac pode
optar por alguém mais de centro.
Nesse caso, François Fillon e
Jean-Pierre Raffarin, líderes regionais de peso, teriam mais
chances. E, se quiser ser o "presidente de todos os franceses", como prometeu, Chirac terá de escolher alguém de centro. Essa é a
decisão mais importante agora,
pois o novo premiê liderará a
campanha da "direita republicana" para o pleito legislativo.
O espectro da coabitação paira
mais uma vez sobre a cena política francesa, já que, após a maciça
mobilização popular recente, a esquerda poderá chegar a 9 de junho, data do primeiro turno da
eleição legislativa, em condições
de obter a maioria e, assim, ficar
com o posto de premiê.
Todavia, se isso ocorrer, a essência da Quinta República deverá ser posta em xeque. Afinal, Chirac, que teve de atravessar cinco
anos de coabitação (na prática,
sem verdadeiro poder), não aceitaria essa situação novamente.
Resta saber, portanto, se, em pouco mais de um mês, Chirac conseguirá convencer os eleitores de
que conseguiu transformar-se de
político controverso em estadista.
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