São Paulo, segunda-feira, 06 de maio de 2002

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COMENTÁRIO

Os números enganam

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Foi só um susto o que ocorreu na cena política da França recentemente? Eis a pergunta que assombra os franceses após as duas semanas mais controversas da Quinta República -exceto o turbilhão político-social de maio de 1968. A julgar pela esmagadora vitória de Jacques Chirac, sim. Mas os números podem ser ilusórios.
Afinal, os cerca de 82% que garantiram a reeleição de Chirac contrastam com os meros 19,88% obtidos por ele no primeiro turno. E, ainda mais relevante, sua votação em 21 de abril último não representa mais do que 13,75% do total de eleitores inscritos.
Assim, os 82% de ontem são mais um voto anti-Le Pen do que um triunfo incontestável do presidente. "A extraordinária vantagem de Chirac significa que os franceses estavam mais preocupados em evitar o crescimento da extrema direita do que em reeleger o presidente", explicou à Folha Dominique Reynié, do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Essa constatação torna a cena política francesa ainda mais imprevisível a pouco mais de um mês da eleição legislativa, que poderá colocar o país em outro período de coabitação -situação em que o presidente é de um partido e o premiê, de outro.
Raposa velha da política francesa, Chirac, logo após o anúncio do resultado do pleito, já buscou atrair seu eleitorado com um tom que, em muito, lembrou o empregado por seu "mestre", Charles De Gaulle, após os levantes populares de maio de 1968.
Ao afirmar que havia "entendido a mensagem" popular, De Gaulle assegurou o apoio de que, à época, tanto precisava. Chirac usou o mesmo tom ao comentar o que havia ocorrido nas duas semanas que precederam o segundo turno. Contudo isso não será suficiente para garantir-lhe maioria na Assembléia Legislativa.
Para tanto, será crucial o nome do premiê que ele apontará. Boa parte do eleitorado de direita já indicou ser favorável a Nicolas Sarkozy. Mas, como o resultado de ontem mostrou que a direita radical talvez não seja tão preocupante eleitoralmente, Chirac pode optar por alguém mais de centro.
Nesse caso, François Fillon e Jean-Pierre Raffarin, líderes regionais de peso, teriam mais chances. E, se quiser ser o "presidente de todos os franceses", como prometeu, Chirac terá de escolher alguém de centro. Essa é a decisão mais importante agora, pois o novo premiê liderará a campanha da "direita republicana" para o pleito legislativo.
O espectro da coabitação paira mais uma vez sobre a cena política francesa, já que, após a maciça mobilização popular recente, a esquerda poderá chegar a 9 de junho, data do primeiro turno da eleição legislativa, em condições de obter a maioria e, assim, ficar com o posto de premiê.
Todavia, se isso ocorrer, a essência da Quinta República deverá ser posta em xeque. Afinal, Chirac, que teve de atravessar cinco anos de coabitação (na prática, sem verdadeiro poder), não aceitaria essa situação novamente. Resta saber, portanto, se, em pouco mais de um mês, Chirac conseguirá convencer os eleitores de que conseguiu transformar-se de político controverso em estadista.


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