São Paulo, segunda-feira, 06 de maio de 2002

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"Rive gauche", da boemia intelectual, vota em concordância com a "aristocrática" margem direita

Voto anti-Le Pen unifica as margens do Sena

France Presse
Eleitora, simbolicamente, se desinfeta depois de votar em Chirac, em Villemagne, no sul da França


DE PARIS

O voto "útil" em Jacques Chirac reuniu as duas margens do rio Sena, a "rive gauche" (margem esquerda) e a "rive droite" (direita), muito diferentes entre si na história e no estilo de vida.
Em Saint-Germain-des-Près, bairro imortalizado pela boemia artística e intelectual, na "rive gauche", todas as pessoas ouvidas pela Folha votaram contra Jean-Marie Le Pen. A tendência foi a mesma perto do Louvre e do Palais Royal, região da "rive droite", que conheceu o passado aristocrático de Paris. Nos dois lados da capital, os eleitores também manifestaram igual apreensão com o futuro político da França.
"Não importa em que margem, se esquerda ou direita, os franceses estão se preparando para o momento mais idiota de sua história. Eles fizeram a Resistência aos nazistas para nada, fizeram Maio de 68 para nada. Não aprendemos coisa nenhuma", diz o consultor de empresas Jacques Valognes, 65, na zona eleitoral instalada na Prefeitura do 6º "arrondissement" (bairro), onde fica Saint-Germain-des-Près.
O artista Boris (não quis dar o sobrenome), 53, que trabalha com marionetes, diz que só continua otimista com o futuro por causa de seus filhos. "Este é um momento muito grave da democracia. A luta contra Le Pen ainda não acabou."
Segurando a cédula que não usou com o nome de Le Pen, o funcionário público Edouard, 42, diz: "Não sei se guardo de lembrança ou se jogo no lixo. Seria um suvenir desses dias tensos. Espero que as pessoas guardem na memória o que aconteceu".
Ao chegar para votar, o eleitor francês encontra numa mesa duas cédulas brancas -uma com o nome de Chirac, outra com o de Le Pen. Apanha uma delas ou as duas, entra na cabine cercada por uma cortina, coloca a cédula com o nome de seu candidato dentro de um envelope azulado e depois o deposita na urna. É um processo antiquado. Os franceses ainda estão discutindo o uso da informática nas eleições. As zonas eleitorais abrem às 8h e fecham entre 18h e 20h, dependendo da região. A apuração acaba até terça-feira.
Na última semana, grupos esquerdistas, indignados por ter que eleger Chirac, de centro-direita e suspeito de corrupção, para conter a extrema direita de Le Pen, sugeriram aos eleitores que votassem com luvas ("para manter as mãos limpas") ou com um pregador no nariz ("para não sentir a podridão"). A atitude foi julgada ilegal pelo Conselho Constitucional francês.
"Se alguém fizer algum protesto desse tipo, pedimos para ele parar. Se ele insistir, temos que chamar o presidente da zona eleitoral, que pode anular o voto", explicou um dos mesários da Bolsa do Comércio, que não quis se identificar. Até as 16h, nenhum protesto havia sido realizado ali.
"É uma contestação inconsequente. Essas pessoas menosprezam a gravidade da situação. É um momento muito delicado para a democracia", diz a administradora de marketing Marylène Perron, 36, que votou na Bolsa do Comércio.
A brasileira Elisabeth Vial, bibliotecária, casada com um francês e há 30 anos no país, também votou no local. "Os franceses estão muito apreensivos. Há uma grande tensão no ar. Só vamos respirar aliviados depois que saírem os resultados e que ganhar o "supermentiroso" [apelido de Chirac dado por um programa de TV"", afirma.
Seu marido, o arquiteto francês Daniel Vial, 58, pensa que a apreensão continua depois do segundo turno. "É preciso ficar atento às eleições legislativas [em junho". Existe o risco de Le Pen ter uma boa representação", completa. Para ele, a crise que tomou conta da França nos últimos dias teve ao menos uma vantagem: "As pessoas ficaram mais sensíveis à vida social e política, o que não acontecia antes".
(ALCINO LEITE NETO)


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