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Tortura abala ainda mais imagem dos EUA entre árabes
NEIL MacFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES"
Em todo o mundo árabe e fora
dele, a tortura de prisioneiros iraquianos por seus guardas americanos prejudicou ainda mais o
apoio já escasso com que contava
a invasão americana do Iraque e
sua promessa de semear no país
os valores democráticos e o respeito pelos direitos humanos.
O ultraje provocado pelos abusos mostrados em fotos espalhadas pelas primeiras páginas de
jornais e por telas de televisão suscitou comparações emotivas,
com pessoas se perguntando em
quê a ocupação americana do
país se diferencia da maneira como o governo de Saddam Hussein oprimia os iraquianos.
Alguns comentaristas no Oriente Médio criticaram o que qualificaram como um elemento de hipocrisia na reação, já que virtualmente nenhuma voz se ergueu
em indignação durante décadas
de torturas em prisões no Iraque e
outros lugares. Mas a reação mais
comum parece ter sido a de as
imagens alimentarem uma revolta profunda já existente contra os
EUA, por ter prometido que as
coisas iriam melhorar.
"Os EUA já tinham muito pouca credibilidade no Oriente Médio. Agora essa credibilidade caiu
para quase zero", disse Abdelmonem Said, diretor do Centro Al
Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, no Cairo (Egito).
"O que restou da lógica americana para explicar sua presença
no Iraque?", ele perguntou. "Se
começarmos com a questão das
armas de destruição em massa,
elas não existem. Depois falou-se
em combater o terrorismo, e eles
trouxeram o terrorismo consigo.
Finalmente há a questão da democracia e do respeito aos direitos humanos: Saddam foi um
açougueiro que torturava -agora são os EUA que torturam."
Mesmo os porta-vozes do governo egípcio, normalmente bastante circunspectos nas críticas à
administração americana, com a
exceção da questão de seu apoio a
Israel, disseram que a tortura confirma que Washington estava
mentindo quando disse que derrubar Saddam atendia aos interesses da população iraquiana.
"O fato é que o comportamento
desses soldados corresponde plenamente à missão para a qual eles
vieram ao Iraque", disse em editorial o jornal semi-oficial ""Al Ahram", afirmando que os objetivos
reais de Washington eram "invadir esse importante país árabe,
destruir sua capacidade econômica e militar, dilacerar seu Estado,
atendendo aos interesses de Israel, controlar sua enorme riqueza petrolífera e eliminar qualquer
obstáculo à realização desses objetivos, quer venha do Exército,
da população ou da resistência armada nacional".
No Iraque, o Conselho de Governo (empossado pelos EUA)
exigiu que a administração das
prisões passe para o controle iraquiano e que juízes iraquianos
participem da apuração dos abusos. "Eles devem permitir que os
ministérios aqui tenham livre
acesso a essas prisões, e também
as organizações de direitos humanos", disse um membro do conselho, Mahmoud Othman.
Alguns comentaristas observaram que criticar exclusivamente
os EUA é hipocrisia pura, quando
se leva em conta o histórico de
tortura nas prisões árabes. Escrevendo no diário "Al Bayan", dos
Emirados Árabes Unidos, Ahmad
Amorabi disse que os EUA provavelmente imaginaram que sairiam ilesos depois de cometer
abusos tão hediondos porque há
muito tempo os árabes reagem
passivamente a casos de tortura.
"Quem vai fotografar as práticas ainda mais hediondas comuns nas prisões do mundo árabe, onde milhares e milhares de
prisioneiros de consciência são
torturados há muitos anos, enquanto nós, os milhões de árabes
que estamos fora das prisões, fazemos de conta que nada vemos
nem ouvimos?", ele escreveu.
A maioria dos analistas acha
que as conseqüências das fotos
vão não apenas abalar a credibilidade dos EUA, mas também a de
grupos e indivíduos locais que defendem os direitos humanos e os
sistemas democráticos ocidentais. "Com o tempo as imagens
vão perder força, mas será muito
difícil para os EUA pregarem democracia, liberdade e respeito pelos direitos humanos", disse Mohamed Kamal, professor de ciência política na Universidade do
Cairo e formado nos EUA.
As reações desse tipo não se limitaram ao mundo árabe. De maneira geral, a tortura foi vista como exemplo vívido do caos que
envolve todo o empreendimento
americano no Iraque.
Tradução de Clara Allain
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