São Paulo, quarta-feira, 06 de junho de 2001

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Cineasta aponta "vácuo" na esquerda britânica

DE LONDRES

"Não há mais esquerda entre os principais partidos políticos britânicos." A avaliação é do cineasta inglês Ken Loach, 64, que, nesta eleição no Reino Unido, dirigiu o programa de TV da Aliança Socialista, união de partidos de esquerda que concorre a 100 das 659 cadeiras do Parlamento.
Na propaganda de TV, Loach centra foco nos eleitores trabalhistas que se decepcionaram com o premiê Tony Blair. "Há muitos britânicos que esperavam mais dos trabalhistas, especialmente na recuperação do setor de saúde, que se esfacelou", afirma.
Loach faz parte dessa parcela de insatisfeitos e defende que, hoje, trabalhistas, conservadores e liberal-democratas têm praticamente o mesmo discurso, voltado para os interesses do empresariado.
Como cineasta, Loach também está fortemente ligado às questões sociais. Seu mais recente filme, "Pão e Rosas" (2000), mostra a situação de imigrantes mexicanos ilegais que vão aos EUA em busca de emprego. Em 1998, ele concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França, por seu trabalho em "Meu Nome É Joe", sobre a vida de um ex-alcóolatra escocês na região mais pobre de Glasgow.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Ken Loach à Folha. (LC)

Folha - Por que o sr. decidiu dirigir a propaganda de TV da Aliança Socialista? Ken Loach - Sempre apoiei os socialistas e creio que esse apoio seja importante para articular uma oposição de esquerda ao governo Blair. Hoje, a política britânica tem dois grandes partidos que governam para os empresários e para as grandes multinacionais. Há um vácuo na esquerda britânica.

Folha - Mas os trabalhistas sempre estiveram mais vinculados à esquerda do que os conservadores. Loach - O Partido Trabalhista teve, no passado, um perfil mais progressista. É inegável que, após a Segunda Guerra Mundial, eles montaram uma eficiente rede de serviços sociais, que hoje se deteriora. Mas agora, com Blair, o partido assumiu uma posição de direita. Tudo o que o atual governo faz está vinculado aos interesses do setor privado. Trabalhistas e conservadores têm hoje o mesmo perfil, são muito semelhantes.

Folha - Em sua opinião, quais as chances reais da Aliança Socialista nesta eleição? Loach - Não acredito que venhamos a ganhar cadeiras no Parlamento, porque sei de muitas pessoas simpatizantes às nossas idéias que votarão nos trabalhistas por medo dos conservadores. O objetivo dos socialistas é mostrar que não faz muita diferença votar em Blair ou em Hague. Mas acho que, se o partido tiver uma votação razoável, com cerca de 100 mil votos, teremos uma base para trabalhar. Será o nosso primeiro passo.

Folha - Qual a sua avaliação de Tony Blair e de William Hague? Loach - Acho que hoje todos vemos os políticos com reservas. Eles só sabem reproduzir eufemismos, não há sinceridade nem simplicidade no que falam. E o eleitorado não aguenta mais esse discurso. Por isso, há um desânimo tão grande na eleição britânica, uma sensação de apatia.

Folha - Essa é a única razão para essa apatia? Loach - Com certeza não. Com o mundo sendo controlado pelos interesses de multinacionais, as pessoas se sentem impotentes, sem capacidade para interagir. Aqui no Reino Unido, a situação é um pouco pior, porque nenhum partido grande representa uma alternativa a essa estrutura. Isso só fortalece essa apatia.

Folha - E o que pode ser feito para combater essa apatia? Loach - Creio que a única forma seja tentar reestruturar uma força política que represente os empregados, não os empregadores. Os socialistas têm uma proposta nessa linha. As ONGs que têm realizado protestos contra o capitalismo e suas consequências também começam a exercer um papel importante como representantes de uma oposição real. Mas essa oposição tem de ser mundial, não pode ficar restrita ao Reino Unido.

Folha - O sr. tem planos de fazer algum filme sobre o processo eleitoral britânico? Loach - Não. Seria muito chato.



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