São Paulo, quarta-feira, 06 de junho de 2001

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CONFISSÃO

Admissão de Lionel Jospin, que mentiu para a mídia sobre o assunto, pode prejudicar sua candidatura em 2002

Premiê francês admite ter sido trotskista

DO THE INDEPENDENT, EM PARIS

O primeiro-ministro francês, o socialista Lionel Jospin, 63, admitiu ontem pela primeira vez diante da Assembléia Nacional ter sido militante trotskista (esquerda radical) durante os anos 60, contrariando suas afirmações anteriores, nas quais negava ter participado desse movimento.
A confissão do premiê socialista, a menos de um ano da eleição presidencial na França, pode prejudicá-lo não só pelo fato de ele ter se envolvido com o radicalismo de esquerda mas por ter mentido publicamente.
As revelações foram feitas pela revista "Le Nouvel Observateur" e pelo jornal "Le Monde" (ambos de centro-esquerda). O jornal publicou ontem um dossiê apresentando evidências de que o premiê francês pertenceu aos quadros de uma seção do movimento trotskista -que pregava a idéia do revolucionário russo Leon Trótski (1879-1940) de revolução permanente. A participação de Jospin no "grupo lambertista", fundado por Pierre Lambert, 81, teria ido do começo dos anos 60 a meados da década de 70, ou até 1987. Jospin teria até um pseudônimo: "camarada Michel".
Interrogado pelo "Le Monde" em abril de 1995, antes da eleição presidencial disputada com o atual presidente, Jacques Chirac, Jospin declarou ao jornal "nunca ter sido trotskista".
O premiê dizia que os rumores haviam surgido a partir de uma "confusão com o irmão (de Jospin) Olivier", declaradamente militante trotskista até os anos 80. Dois anos mais tarde, Jospin voltou a negar ao jornal ter se relacionado com a esquerda radical.
Segundo o "Le Monde", vários trotskistas da época -entre eles pesquisadores, jornalistas, professores e acadêmicos- confirmaram, com a condição de permanecerem anônimos, que Jospin fazia parte da célula.
Testemunha de "credibilidade inegável" citada pelo "Le Monde", o ex-líder do movimento lambertista na década de 60, o alemão Boris Fraenkel, 80, disse ao jornal ter "treinado" pessoalmente Jospin. "Eu era o seu guia."
Em entrevista para um documentário produzido por historiadores no ano passado, Fraenkel confirmou ter se relacionado com Jospin dentro da Organização Comunista Internacionalista (OCI), hoje o Partido Comunista Internacionalista, entre 1958 e 1966.
Fraenkel também disse ter sugerido a Lambert que fosse concedido um status especial a Jospin dentro do grupo. Como aluno da Escola Nacional de Administração (ENA), estabelecimento de ensino de prestígio na França, de onde sai a elite da burocracia do Estado, era evidente que Jospin ocuparia cargos importantes dentro do governo. "Tendo alguém da ENA pela primeira vez, nós realmente tínhamos de nos comportar com seriedade", disse.
Nos anos 70, a militância de Jospin passou a ser mais discreta. Em 1971, ele teria ingressado no Partido Socialista para ser um "espião" da OCI. Segundo o "Le Monde", Jospin foi apenas um das dezenas de trotskistas lambertistas que entraram no partido socialista nessa década. O objetivo era "prepará-los" para ocupar postos de chefia, forjar relacionamentos e montar redes a fim de preparar o "grande dia" da revolução.
Jospin começou a se afastar do movimento e dos "camaradas extremistas" nos anos 80, quando, em 1981, tornou-se secretário-geral do Partido Socialista. Mas, segundo o jornal, o rompimento definitivo só aconteceu seis anos mais tarde, em 1987.

Itinerário pessoal
Ao ser questionado ontem pelo deputado de direita François Goulard , Jospin disse: "É verdade que durante os anos 60 eu mostrei interesse pelas idéias trotskistas e que tive relações com uma das formações desse movimento".
O premiê, porém, defendeu-se dizendo que "era parte de um itinerário pessoal, intelectual e político", do qual não tinha por que se "envergonhar".
Ainda não estão claros os motivos pelos quais Jospin, que tem uma reputação de honestidade e franqueza, mentiu. Na França, a ligação de um político com movimentos de esquerda não é considerada prejudicial.
O atual presidente francês, Jacques Chirac, do partido de direita Reunião pela República (RPR) e principal adversário de Jospin na eleição presidencial do ano que vem, foi revolucionário de esquerda durante um breve período de sua juventude .


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