São Paulo, sábado, 06 de junho de 2009

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ARTIGO

O que a crise ensina ao Brasil

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O declínio aparentemente incontrolável de Gordon Brown é fácil de explicar pelos fatores internos, mas, externamente, traz algumas informações interessantes para o debate no Brasil sobre reforma política, em particular a questão do voto em lista fechada e a birra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o fato de que chefes de governo europeus podem ficar no cargo 16 ou 18 anos, sem serem alvos das críticas que se dirigem a presidentes latino-americanos que querem perpetuar-se no cargo.
Por partes:
1 - O voto no partido, mesmo no sistema distrital e, portanto, nominal, é o principal motivo pelo qual um grupo de parlamentares do próprio Partido Trabalhista, de Brown, se rebelou e ameaça destroná-lo da liderança partidária, o que lhe custaria o cargo de premiê.
Motivo explicitamente assumido por James Purnell, que renunciou ao cargo de ministro do Trabalho: Brown tem de sair "para dar aos trabalhistas alguma chance de vitória na próxima eleição" [este ano ainda ou no máximo em 2010].
Posto de outra forma: ao contrário do que ocorre com o sistema nominal vigente no Brasil, no voto no partido todos os seus parlamentares se sentem responsáveis pelo governo e tratam de evitar que o líder em desprestígio os arraste ladeira abaixo.
2 - Ao contrário do que parece supor o presidente Lula, premiês, no parlamentarismo, não são eternos. Tanto não são que Tony Blair, o antecessor de Brown, foi re-reeleito em 2005 para um mandato de no máximo cinco anos, mas foi forçado, também pelo Partido Trabalhista, a sair na metade do prazo, em 2007, cedendo o lugar a Brown.
E o próprio Brown corre o risco de sair antes das eleições sem nem sequer passar pelo constrangimento de um voto de desconfiança no pleno do Parlamento, composto por 646 MPs. Basta que 72 parlamentares trabalhistas (em um total de 356) decidam propor a troca de líder para que Brown perca o direito de morar e trabalhar em Downing Street 10, a lendária sede do governo britânico.
O que chama a atenção no caso Brown é menos a sua impopularidade e mais a montanha russa em que se meteu, com momentos de alto prestígio logo seguidos de declínio ainda mais acentuado.
Brown assumiu, faz apenas dois anos, como uma espécie de regenerador do prestígio dos trabalhistas, violentamente abalado pelo apoio incondicional que Tony Blair deu a George Walker Bush na invasão do Iraque, impopular no Reino Unido.
Chegou a ficar tão confortável nas pesquisas da época que insinuou antecipar as eleições para aproveitar o momento.
Em seguida, veio a crise financeira e inevitavelmente arrastou Brown, que havia sido por dez anos o responsável pela economia britânica -de resto uma das mais afetadas pela retração, por ter desenvolvido, como Espanha e EUA, uma bela bolha imobiliária.
Mas a reação de Brown ao pânico que se seguiu ao colapso do Lehman Brothers foi suficientemente forte para ser tido como modelo para o resto do mundo, ao fazer o governo atuar fortemente em socorro ao sistema financeiro.
Acontece que o modelo não funcionou, a crise se agravou e, ainda por cima, veio o escândalo dos gastos abusivos de parlamentares, cobertos pelo Tesouro. Até Brown cobrou o reembolso de gastos com limpeza da casa que dividia com o irmão. O escândalo não poupou partido algum, mas é inevitável que quem governa pague um preço mais alto nessas circunstâncias, ainda mais no pico de uma crise econômica.


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