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ARTIGO
O que a crise ensina ao Brasil
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O declínio aparentemente
incontrolável de Gordon
Brown é fácil de explicar pelos
fatores internos, mas, externamente, traz algumas informações interessantes para o debate no Brasil sobre reforma política, em particular a questão do
voto em lista fechada e a birra
do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva com o fato de que chefes de governo europeus podem ficar no cargo 16 ou 18
anos, sem serem alvos das críticas que se dirigem a presidentes latino-americanos que querem perpetuar-se no cargo.
Por partes:
1 - O voto no partido, mesmo
no sistema distrital e, portanto,
nominal, é o principal motivo
pelo qual um grupo de parlamentares do próprio Partido
Trabalhista, de Brown, se rebelou e ameaça destroná-lo da liderança partidária, o que lhe
custaria o cargo de premiê.
Motivo explicitamente assumido por James Purnell, que
renunciou ao cargo de ministro
do Trabalho: Brown tem de sair
"para dar aos trabalhistas alguma chance de vitória na próxima eleição" [este ano ainda ou
no máximo em 2010].
Posto de outra forma: ao contrário do que ocorre com o sistema nominal vigente no Brasil, no voto no partido todos os
seus parlamentares se sentem
responsáveis pelo governo e
tratam de evitar que o líder em
desprestígio os arraste ladeira
abaixo.
2 - Ao contrário do que parece supor o presidente Lula, premiês, no parlamentarismo, não
são eternos. Tanto não são que
Tony Blair, o antecessor de
Brown, foi re-reeleito em 2005
para um mandato de no máximo cinco anos, mas foi forçado,
também pelo Partido Trabalhista, a sair na metade do prazo, em 2007, cedendo o lugar a
Brown.
E o próprio Brown corre o
risco de sair antes das eleições
sem nem sequer passar pelo
constrangimento de um voto
de desconfiança no pleno do
Parlamento, composto por 646
MPs. Basta que 72 parlamentares trabalhistas (em um total de
356) decidam propor a troca de
líder para que Brown perca o
direito de morar e trabalhar em
Downing Street 10, a lendária
sede do governo britânico.
O que chama a atenção no caso Brown é menos a sua impopularidade e mais a montanha
russa em que se meteu, com
momentos de alto prestígio logo seguidos de declínio ainda
mais acentuado.
Brown assumiu, faz apenas
dois anos, como uma espécie de
regenerador do prestígio dos
trabalhistas, violentamente
abalado pelo apoio incondicional que Tony Blair deu a George Walker Bush na invasão do
Iraque, impopular no Reino
Unido.
Chegou a ficar tão confortável nas pesquisas da época que
insinuou antecipar as eleições
para aproveitar o momento.
Em seguida, veio a crise financeira e inevitavelmente arrastou Brown, que havia sido
por dez anos o responsável pela
economia britânica -de resto
uma das mais afetadas pela retração, por ter desenvolvido,
como Espanha e EUA, uma bela bolha imobiliária.
Mas a reação de Brown ao pânico que se seguiu ao colapso
do Lehman Brothers foi suficientemente forte para ser tido
como modelo para o resto do
mundo, ao fazer o governo
atuar fortemente em socorro
ao sistema financeiro.
Acontece que o modelo não
funcionou, a crise se agravou e,
ainda por cima, veio o escândalo dos gastos abusivos de parlamentares, cobertos pelo Tesouro. Até Brown cobrou o reembolso de gastos com limpeza da
casa que dividia com o irmão. O
escândalo não poupou partido
algum, mas é inevitável que
quem governa pague um preço
mais alto nessas circunstâncias, ainda mais no pico de uma
crise econômica.
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