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ABERTURA
Maior parte da população se diz adepta de "religiosidade popular" caracterizada por sincretismo, segundo pesquisa
Cresce a religiosidade entre os cubanos
PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO
O fervor religioso aumentou em
Cuba durante os anos 1990 devido
sobretudo à crise econômica enfrentada pelo país após a dissolução da União Soviética (1991) e à
nova política do governo em relação à religião, segundo teólogos e
religiosos que se reúnem em Havana desde a última terça-feira.
A maior parte da população cubana "intensificou sua adesão a
manifestações de fé e ampliou seu
conceito religioso", de acordo
com Jorge Ramírez Calzadilla, diretor do Departamento de Estudos Sociorreligiosos de Cuba.
Ramírez Calzadilla é um dos especialistas que participam do 3º
Encontro Internacional de Estudos Sociorreligiosos, que se encerra hoje. Mais de 200 acadêmicos, especialistas e religiosos de 16
países, incluindo EUA, México e
Brasil, debatem os processos religiosos e sociais que caracterizaram os últimos dez anos e devem
se desenvolver nesta década.
Entre os presentes, Caridad Diego, chefe do Escritório de Assuntos Religiosos do Comitê Central
do Partido Comunista de Cuba
(PCC, governista), que abordou
as relações entre Igreja e Estado.
Para Ramírez Calzadilla, que integrou uma mesa redonda sobre
"Cuba, Reanimação Religiosa nos
anos 90", esse crescimento se registrou em todas as manifestações
religiosas verificadas na ilha, onde
prevalece uma "religiosidade popular" caracterizada pelo sincretismo -mescla de cristianismo,
religiões de origem africana e espiritismo- e "bastante vinculada
à vida diária".
Uma pesquisa do Departamento de Estudos Sociorreligiosos de
Cuba indica que cerca de 85% dos
mais de 11 milhões de cubanos
têm "algum tipo de sentimento
religioso". Os 15% restantes se declararam ateus. Dos entrevistados, 70% assinalaram a opção
"religiosidade popular" e 15% disseram ser adeptos de uma religião
institucionalizada.
A santeria tem origem africana
e se assemelha ao candomblé. Está muito presente em Cuba, sobretudo entre a população negra
(majoritária). Perseguida pelos
espanhóis, foi também reprimida
após a revolução de 1959 e era
praticada clandestinamente.
Nos últimos dez anos, a santeria
foi revalorizada e terreiros da capital e das praias do balneário de
Varadero passaram a funcionar
como uma espécie de apêndice do
Ministério do Turismo. As religiões afro-cubanas teriam sido estimuladas pelo Estado como forma de conter a Igreja Católica e levar turistas e divisas ao país.
O Partido Comunista de Cuba
(PCC, governista), que até o início
dos anos 1990 fazia prevalecer o
"ateísmo científico" na sociedade,
abriu as portas aos religiosos. A
Constituição cubana foi alterada,
em 1992, para abolir qualquer tipo
de discriminação por motivos de
crença e converter o Estado de
ateu em laico. Essa abertura minimizou as contradições dos anos
1960 entre o Estado e religiosos,
que palestrantes descreveram como uma "discriminação acentuada" e uma "forte pressão social".
Houve uma ampla divulgação
de obras literárias sobre as religiões afro-cubanas nos últimos
anos, segundo a professora Lázara Menéndez, da Universidade de
Havana, assim como uma exaltação do sincretismo.
Para o pastor Reynerio Arce, o
renascimento religioso é resultado "do testemunho e da ação dos
cristãos que deixaram a ilha" e
que ajudaram a retomar e reestruturar as atividades das igrejas.
O estudioso judeu Arturo López
Levy disse que a década passada
"renovou a vitalidade dos fiéis" da
comunidade judaica de Cuba, que
passou por uma reestruturação
de sua liderança e intensificou o
contato com o exterior.
Sobre o islamismo, o pesquisador Mario González disse que a
religião se expande na ilha e conta
com adeptos entre membros do
PCC e da União de Jovens Comunistas de Cuba.
Para o monsenhor Carlos Manuel de Céspedes, a partir de 1978,
abriu-se o caminho para a conversão ou o retorno de cubanos ao
catolicismo. Ele destaca o diálogo
com a comunidade cubana no exterior iniciado no final dos anos
1970, o livro "Fidel e a Religião",
publicado em 1985, a reunião de
bispos católicos com o governo,
em 1985, e a visita do papa João
Paulo 2º, em 1998, a primeira de
um líder católico ao pais.
O papa reuniu 500 mil pessoas
em uma missa campal em Havana. "Para muitos dos sistemas, o
maior desafio continua a ser o de
associar liberdade e justiça social"
disse, ao lado de Fidel Castro.
O Estado "deve permitir que cada pessoa e cada religião vivam livremente sua fé", afirmou o papa.
Sua agenda não inclui representantes de religiões afro-cubanas.
O papa criticou, sem mencioná-las pelo nome, manifestações ligadas à santeria. Qualificou-as de
"manifestações culturais de religiosidade", que devem ser respeitadas, mas não são "uma religião
propriamente dita, mas um conjunto de tradições e crenças".
À época, Jaime Ortega, cardeal-arcebispo de Havana, negou que
houvesse discriminação contra a
santeria. Ele disse que os adeptos
da santeria, vários batizados como católicos, fazem parte da mesma igreja que o papa chefia. Por
isso, não faria sentido considerá-los como uma "seita separada".
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