São Paulo, sexta-feira, 06 de julho de 2001

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ABERTURA

Maior parte da população se diz adepta de "religiosidade popular" caracterizada por sincretismo, segundo pesquisa

Cresce a religiosidade entre os cubanos

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

O fervor religioso aumentou em Cuba durante os anos 1990 devido sobretudo à crise econômica enfrentada pelo país após a dissolução da União Soviética (1991) e à nova política do governo em relação à religião, segundo teólogos e religiosos que se reúnem em Havana desde a última terça-feira.
A maior parte da população cubana "intensificou sua adesão a manifestações de fé e ampliou seu conceito religioso", de acordo com Jorge Ramírez Calzadilla, diretor do Departamento de Estudos Sociorreligiosos de Cuba.
Ramírez Calzadilla é um dos especialistas que participam do 3º Encontro Internacional de Estudos Sociorreligiosos, que se encerra hoje. Mais de 200 acadêmicos, especialistas e religiosos de 16 países, incluindo EUA, México e Brasil, debatem os processos religiosos e sociais que caracterizaram os últimos dez anos e devem se desenvolver nesta década.
Entre os presentes, Caridad Diego, chefe do Escritório de Assuntos Religiosos do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba (PCC, governista), que abordou as relações entre Igreja e Estado.
Para Ramírez Calzadilla, que integrou uma mesa redonda sobre "Cuba, Reanimação Religiosa nos anos 90", esse crescimento se registrou em todas as manifestações religiosas verificadas na ilha, onde prevalece uma "religiosidade popular" caracterizada pelo sincretismo -mescla de cristianismo, religiões de origem africana e espiritismo- e "bastante vinculada à vida diária".
Uma pesquisa do Departamento de Estudos Sociorreligiosos de Cuba indica que cerca de 85% dos mais de 11 milhões de cubanos têm "algum tipo de sentimento religioso". Os 15% restantes se declararam ateus. Dos entrevistados, 70% assinalaram a opção "religiosidade popular" e 15% disseram ser adeptos de uma religião institucionalizada.
A santeria tem origem africana e se assemelha ao candomblé. Está muito presente em Cuba, sobretudo entre a população negra (majoritária). Perseguida pelos espanhóis, foi também reprimida após a revolução de 1959 e era praticada clandestinamente.
Nos últimos dez anos, a santeria foi revalorizada e terreiros da capital e das praias do balneário de Varadero passaram a funcionar como uma espécie de apêndice do Ministério do Turismo. As religiões afro-cubanas teriam sido estimuladas pelo Estado como forma de conter a Igreja Católica e levar turistas e divisas ao país.
O Partido Comunista de Cuba (PCC, governista), que até o início dos anos 1990 fazia prevalecer o "ateísmo científico" na sociedade, abriu as portas aos religiosos. A Constituição cubana foi alterada, em 1992, para abolir qualquer tipo de discriminação por motivos de crença e converter o Estado de ateu em laico. Essa abertura minimizou as contradições dos anos 1960 entre o Estado e religiosos, que palestrantes descreveram como uma "discriminação acentuada" e uma "forte pressão social".
Houve uma ampla divulgação de obras literárias sobre as religiões afro-cubanas nos últimos anos, segundo a professora Lázara Menéndez, da Universidade de Havana, assim como uma exaltação do sincretismo.
Para o pastor Reynerio Arce, o renascimento religioso é resultado "do testemunho e da ação dos cristãos que deixaram a ilha" e que ajudaram a retomar e reestruturar as atividades das igrejas.
O estudioso judeu Arturo López Levy disse que a década passada "renovou a vitalidade dos fiéis" da comunidade judaica de Cuba, que passou por uma reestruturação de sua liderança e intensificou o contato com o exterior.
Sobre o islamismo, o pesquisador Mario González disse que a religião se expande na ilha e conta com adeptos entre membros do PCC e da União de Jovens Comunistas de Cuba.
Para o monsenhor Carlos Manuel de Céspedes, a partir de 1978, abriu-se o caminho para a conversão ou o retorno de cubanos ao catolicismo. Ele destaca o diálogo com a comunidade cubana no exterior iniciado no final dos anos 1970, o livro "Fidel e a Religião", publicado em 1985, a reunião de bispos católicos com o governo, em 1985, e a visita do papa João Paulo 2º, em 1998, a primeira de um líder católico ao pais.
O papa reuniu 500 mil pessoas em uma missa campal em Havana. "Para muitos dos sistemas, o maior desafio continua a ser o de associar liberdade e justiça social" disse, ao lado de Fidel Castro.
O Estado "deve permitir que cada pessoa e cada religião vivam livremente sua fé", afirmou o papa.
Sua agenda não inclui representantes de religiões afro-cubanas. O papa criticou, sem mencioná-las pelo nome, manifestações ligadas à santeria. Qualificou-as de "manifestações culturais de religiosidade", que devem ser respeitadas, mas não são "uma religião propriamente dita, mas um conjunto de tradições e crenças".
À época, Jaime Ortega, cardeal-arcebispo de Havana, negou que houvesse discriminação contra a santeria. Ele disse que os adeptos da santeria, vários batizados como católicos, fazem parte da mesma igreja que o papa chefia. Por isso, não faria sentido considerá-los como uma "seita separada".



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