São Paulo, segunda-feira, 06 de setembro de 2004

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ANÁLISE

As respostas de Putin à crise escurecem o cenário político

STEVEN LEE MYERS
DO "NEW YORK TIMES"

O presidente Vladimir Putin quebrou seu silêncio de dois dias sobre os acontecimentos na escola em Beslan, uma pequena cidade no sul da Rússia, quando voou para lá, anteontem. Suas primeiras observações públicas -"Hoje toda a Rússia sofre por vocês"- feitas de forma breve, antes do anoitecer, foram dirigidas para o presidente da região e para os líderes das agências de segurança locais, não para aqueles que sofriam mais que todos.
Suas observações e as ordens que deu-fechar as fronteiras da região, achar os terroristas envolvidos, organizar ajuda para as vítimas- tinham a intenção de projetar novamente a imagem de Putin, cuidadosamente cultivada, como a de um líder de aço, decidido, à frente de um país em necessidade. Ele falou outra vez mais tarde, do Kremlin, dirigindo-se, como faz raramente, em cadeia nacional à população, e admitiu, numa afirmação ainda mais rara, a fragilidade da Rússia em combater o terror -mesmo tendo depois prometido firmeza em enfrentar o que ele chamou de "um ataque a todos nós".
Sob o despertar de mais uma crise que parece não ter fim, a imagem de Putin parece cada vez menos persuasiva para aqueles que esperam resposta. "Onde ele estava antes?", perguntou um homem em Beslan, Valery Dzatiyev, enquanto continuava sua busca, cada vez mais desesperada, por seu irmão de 8 anos, que estava entre os seqüestrados ainda não contabilizados após o final caótico do evento.
O seqüestro, parte de uma série de ataques que deixou quase 500 mortos em pouco mais de dez dias, tornou-se a evidência de uma verdade feia, que atravessou o controle do Kremlin sobre o noticiário da TV estatal e sobre o resto da mídia oficial, que vinham mostrando que a vida na Tchetchênia era uma marcha diária em direção à paz e à prosperidade.
Do que se sabe até agora, os ataques foram perpetrados por terroristas ligados ao movimento separatista tchetcheno, e grande parte da raiva da população dirige-se a eles. Mas a maneira como o governo lidou com os ataques e a resposta que Putin deu à população também provocaram uma fumaça de descontentamento rara. Pela primeira vez, surgem fissuras no antes sólido poder político de Putin e em sua alta popularidade.
"Este é o pico da crise de Putin", disse Aleksei Malashenko, um analista do Carnegie Moscow Center, numa entrevista realizada na sexta-feira, antes do início das explosões que deram fim ao seqüestro na escola e causaram a morte de centenas de pessoas. "Ele está perdendo o controle da situação, não sabe o que fazer."
Mesmo assim, a evidente situação de desconforto político não impõe ameaça real ao cargo presidencial. Putin apenas iniciou seu segundo ano de mandato, e, mais ainda, há poucas figuras políticas proeminentes que poderiam reunir descontentes ao seu redor. "Nós não temos outros líderes", disse Liliya Shcevtsova, também analista no Carnegie Moscow.
Mas os recentes eventos que aconteceram nas últimas semanas expuseram Putin de uma forma inédita. "O grande mito foi quebrado", afirmou Schcevtsova.


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