São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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Grupo civil pró-Chávez promete impedir novo golpe

DA REDAÇÃO

Acusados pela oposição venezuelana de terem se transformado em grupos paramilitares armados, os Círculos Bolivarianos, grupos civis de apoio ao governo, serão o principal sustentáculo do presidente Hugo Chávez para repelir um eventual novo golpe de Estado, segundo Freddy Bernal, prefeito do Município Libertador [distrito central de Caracas" e um dos principais coordenadores desses grupos.
Bernal, considerado um dos líderes políticos venezuelanos mais próximos a Chávez, nega que tenha ajudado a armar os Círculos Bolivarianos. Segundo ele, membros desses grupos eventualmente envolvidos com armas durante os distúrbios de 11 de abril, que antecederam o golpe que tirou Chávez do cargo por dois dias, estavam agindo por conta própria.
"Quem deve ter armas são as Forças Armadas nacionais, as forças policiais e os cidadãos que hoje legalmente já as tenham. Nem os Círculos Bolivarianos nem a oposição devem ter armas", disse ele em entrevista por telefone à Folha, de Caracas.
(ROGERIO WASSERMANN)

Folha - Passados mais de cinco meses do golpe de Estado que tirou o presidente Hugo Chávez do poder por dois dias, a situação política no país continua tensa. O sr. vê riscos de um novo golpe?
Freddy Bernal -
Os mesmos fatores que levaram ao golpe seguem existindo no país, e isso não é segredo para ninguém. Os mesmos militares que deram o golpe no dia 11 de abril seguem se reunindo para tentar outro golpe. E os mesmos fatores civis, como membros da CTV (Confederação dos Trabalhadores Venezuelanos), da Fedecámaras (principal associação empresarial da Venezuela) e donos dos grandes meios de comunicação, estão buscando uma saída não-institucional.

Folha - O governo tem algum plano de contenção de um eventual novo golpe?
Bernal -
Definitivamente, o que aconteceu em 11 de abril não voltará a acontecer. Por ingenuidade política e por uma extremada nobreza, não queríamos acreditar que houvesse um golpe de Estado. Atuamos talvez com muita lentidão. Mas, depois disso, trabalhamos fortemente com o povo, que está preparado para rechaçar qualquer golpe de Estado. Estamos preparados militarmente e politicamente.

Folha - Essa organização do povo que o sr. menciona significa a organização dos Círculos Bolivarianos?
Bernal -
Sem dúvida alguma. Os Círculos Bolivarianos são um modelo de organização social básico de nosso processo revolucionário. Ali está desde gente muito humilde até profissionais, evangélicos, sacerdotes católicos, todos fazendo trabalhos nas comunidades.

Folha - A oposição diz que o sr. armou os Círculos Bolivarianos e os transformou em grupos paramilitares de apoio ao governo.
Bernal -
Efetivamente, os Círculos Bolivarianos começaram a se formar há mais de um ano e meio e são uma força muito importante no país para o trabalho social. Os Círculos Bolivarianos estão permanentemente, no setor camponês, reparando escolas, ambulatórios, recolhendo lixo, fazendo campanhas de educação, combatendo a pobreza. A oposição vê os Círculos Bolivarianos como forma de organização que segue crescendo e trata de depreciá-los, acusando-os de serem grupos armados, associados com os cubanos ou com terroristas. É uma campanha sistemática, com a ajuda dos meios de comunicação, com a intenção de satanizá-los. Porém, até agora, ninguém conseguiu provar -nem conseguirá, porque não é verdade- a conexão dos Círculos Bolivarianos com alguma ação armada.

Folha - Que participação tiveram os Círculos Bolivarianos no golpe e no contragolpe de abril?
Bernal -
Podemos dizer que graças aos Círculos Bolivarianos eu posso lhe dar agora esta entrevista, porque após o golpe os círculos começaram a baixar dos morros de Caracas e a se mover na direção do centro de poder. Em poucas horas, havia na cidade de Caracas mais de 300 mil pessoas em volta do Palácio de Miraflores, 200 mil pessoas em frente ao Forte Tiuna e outras 200 mil em frente ao forte da cidade de Maracay. Se os Círculos Bolivarianos estivessem armados, a melhor ocasião para atuar seria o dia 13 de abril, em defesa do presidente que estava detido. Mas ninguém pode dizer que houve uso de armas nos dias 12 e 13 de abril.

Folha - As imagens das manifestações de 11 de abril mostram que houve efetivamente confronto armado entre chavistas e opositores. Eram membros dos círculos?
Bernal -
Talvez, não posso dizer com exatidão. Lamentavelmente, houve gente simpatizante do governo e gente simpatizante da oposição que fez uso de armas de fogo. Nós ratificamos nossa posição de que qualquer pessoa que tenha feito uso de armas de fogo deve ser presa, como efetivamente alguns já foram. Já há seis pessoas presas processadas por uso indevido de armas de fogo. Mas, se alguma dessas pessoas pertencia a algum Círculo Bolivariano, foi uma ação individual. Não foi uma ação dos Círculos Bolivarianos.

Folha - A organização dos Círculos Bolivarianos é uma cópia de um modelo cubano?
Bernal -
Aqui na Venezuela a oposição sonha com Cuba, não sei por quê. Eles têm essa política de nos satanizar e de confundir a comunidade internacional tentando associar tudo a Cuba. Mas os venezuelanos, por sua idiossincrasia, não aceitariam uma ditadura nem de direita nem de esquerda. Porque os venezuelanos não gostamos que nos mandem, os venezuelanos somos livres. Não queremos um regime de controle ou de cerceamento de liberdades. E o comandante Hugo Chávez já declarou várias vezes que a democracia é o melhor sistema de governo, com suas falhas e suas virtudes.
Os círculos são um modelo de organização absolutamente venezuelano, criado por nós, para organizar as pessoas para o trabalho social. Não têm nada a ver com a defesa armada nem com movimentos armados. Ainda que digamos isso mil vezes, a oposição vai dizer mil vezes o contrário.



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