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ARTIGO
São Josemaría Escrivá e a grandeza da vida ordinária
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Hoje, na praça São Pedro, Sua
Santidade o papa João Paulo 2º
canoniza são Josemaría Escrivá,
fundador do Opus Dei, não só por
suas virtudes heróicas, mas por
ter aberto um novo caminho de
santidade a partir da grandeza da
vida ordinária.
Quando da fundação do Opus
Dei, em 2 de outubro de 1928, entendeu que, na igreja, havia um
caminho para o cristão santificar-se dentro e não fora do mundo.
Por esse prisma, é de compreender que, desde o primeiro momento, tenha batalhado intransigentemente pela perfeita adequação do direito particular do Opus
Dei ao dom que recebera de Deus:
não estava em suas mãos consentir em fórmula canônica alguma
que distorcesse esse carisma ou se
prestasse a equívocos. Lutou,
pois, até o fim da vida por obter,
dentro das leis ordinárias da igreja, uma solução jurídica que se
ajustasse plenamente à inspiração
divina recebida, sem a mutilar ou
desfigurar. Essa solução, que deixou absolutamente perfilada antes de ser chamado por Deus, custou-lhe, no real sentido da expressão, "sangue, suor e lágrimas".
E Deus premiou seu esforço por
salvaguardar e garantir o carisma
da Obra quando, sete anos após o
seu falecimento, em 1982, o papa
João Paulo 2º, pela Constituição
Apostólica "Ut sit", erigiu o Opus
Dei como prelazia pessoal, uma
figura jurídica nova prevista pelo
Concílio Vaticano 2º para toda a
igreja, sancionada por Paulo 6º no
decreto "Ecclesiae Sanctae" e acolhida mais tarde pelo novo Código de Direito Canônico de 1983.
Deus, afinal o Supremo Legislador, determinava inovadoramente os contornos peculiares de uma
realidade vital, comprovada pela
sua grande expansão pelos quatro
cantos do mundo.
Tal solução jurídica, dentro do
direito canônico, deveu-se, em
grande parte, ao fato de ser também, além de sacerdote, doutor
em direito pela Universidade
Central de Madri. Para são Josemaria Escrivá o direito deveria ser
sempre sinônimo da "Ordem Social Justa".
Essa sua particular sensibilidade permitiu-lhe distinguir, com
clareza, as marcantes distorções
do positivismo jurídico e do farisaísmo legalista. Sendo o direito a
expressão da Justiça, monsenhor
Escrivá viu sempre na norma jurídica, tanto na sociedade civil
quanto na eclesiástica, a forma de
amparo e acolhimento dos direitos naturais dos homens, individual e socialmente.
Intimamente relacionado com
esse seu amor pela justiça, encontra-se o seu amor à liberdade e a
conseqüente rejeição de qualquer
tipo de tirania ou mentalidade de
partido único. De rigor, nada
agride tanto os direitos fundamentais dos homens, filhos de
Deus, como a asfixiante mentalidade de "partido único" ou de "tirania das idéias ou, o que é pior,
das ideologias".
E aqui chego a um aspecto relevante da figura de Josemaría Escrivá, ou seja, a visão lúcida que tinha da dignidade do ser humano,
fruto da sua profunda fé cristã. O
homem é imagem e semelhança
do Senhor, tendo sido elevado à
condição de filho de Deus, em
gesto de magnífico amor divino.
Em "É Cristo que passa" declara: "Esta é a grande ousadia da fé
cristã: proclamar o valor e a dignidade da natureza humana e afirmar que, mediante a graça, que
nos eleva à ordem sobrenatural,
fomos criados para alcançar a dignidade de filhos de Deus" (n. 133).
A partir, portanto, dessa formidável percepção, ensinou todos os
homens a fazer da vida uma vida
de serviço aos demais. Só assim é
possível que cada qual se comporte como verdadeiro filho de Deus,
que comece por respeitar e dar valor à sua própria dignidade e depois reconheça essa mesma dignidade em todos os seus semelhantes, tratando-os com respeito, justiça e fina caridade.
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Paulista e Escola de Comando e Estado Maior do Exército e presidente do
Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São
Paulo e do CEU (Centro de Extensão Universitária).
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