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Classe média russa gasta e apóia Putin
Crescimento econômico e salários em alta provocam um boom do varejo que atrai oligarcas e empresas estrangeiras
Prosperidade não levou, até agora, a maior exigência política; "Liberdade é ter um carro em que andar", diz ideólogo do Kremlin
NEIL BUCKLEY
DO "FINANCIAL TIMES", EM MOSCOU
Na avenida da Revolução na
cidade russa de Voronezh, havia há 15 anos um "pelmennaya" -um café decadente pertencente ao Estado, onde matronas mal-humoradas serviam bolinhos de massa. Hoje o
local é uma franquia da rede espanhola de butiques Mango,
com espelhos em vidro fumê.
"Os preços são altos para
nós", comenta a advogada Vera
Cherkasova, admirando um
cardigã de lã. "Mas as russas estão dispostas a gastar um pouco
para ficarem bonitas."
Ao lado da butique, a antiga
loja de alimentos Niva, que na
última fase da União Soviética
vendia pouco mais que peixe
enlatado e banha de porco, hoje
é uma franquia da Adidas. A decadente loja de departamentos
Rossiya, ali perto, virou um minicentro comercial que tem lojas da Benetton e da Diesel.
O que está acontecendo em
Voronezh, 480 quilômetros ao
sul de Moscou, é um fenômeno
novo e poderoso. As redes varejistas em estilo ocidental e as
grifes internacionais, que há
dez anos estavam presentes
quase que apenas em Moscou e
São Petersburgo, estão chegando a cidades em toda a Rússia,
que testemunha a ascensão de
uma próspera classe média.
Enquanto a atenção internacional tem sido voltada à abordagem cada vez mais autoritária de Vladimir Putin, isso tende a deixar em segundo plano o
que muitos russos vêem como
o legado mais importante do
presidente: a melhoria de sua
situação material.
Embora a Rússia seja conhecida sobretudo como exportadora de matérias-primas, muitas empresas, de montadoras
automotivas a gigantes do setor
de cosméticos, situam o país, ao
lado da China e da Índia, entre
seus mais dinâmicos mercados.
O boom de consumo é fruto
de quase oito anos de crescimento de 6,6% em média -devido em parte aos preços recordes do petróleo e do gás natural- desde a moratória da dívida decretada em 1998. Os salários reais e os gastos dos consumidores vêm aumentando em
ritmo duas vezes superior. Os
custos mais baixos da habitação e das tarifas de água e luz
significam que uma parcela
maior dos salários dos russos
vira renda disponível.
Apesar dos avanços, ainda
existem desigualdades grandes.
Em 2001, a socióloga Tatyana
Maleva, do Instituto Independente de Política Social, de
Moscou, liderou um estudo da
estrutura social russa. Ela classificou menos de 1% dos russos
entre a elite super-rica, enquanto 10% dos 144 milhões
deles viviam na pobreza. Entre
os dois extremos havia 20%
que formavam uma classe média que vivia confortavelmente
e pouco menos de 70% que formavam a classe média baixa.
A socióloga diz que o quadro
geral não mudou. A classe média russa ainda compõe cerca
de 20% da população, mas ficou
mais rica -porque inclui pessoas que trabalham em setores
econômicos florescentes, tais
como o bancário e o dos recursos naturais. A classe pobre encolheu um pouco, graças em
parte aos programas sociais do
governo. Mas poucos da classe
média baixa, com 70% da população, conseguiram ascender.
Pode o boom de hoje ser seguido por um baque? Uma nova
moratória é pouco provável,
mas a expectativa é que o crescimento na renda disponível
sofra uma desaceleração.
Resta uma outra pergunta:
por que a classe média russa
não começa a ter uma participação política mais ativa? Alguns sugerem que os russos estão ocupados demais desfrutando da comparativa estabilidade para protestar contra a
erosão das liberdades.
"No início dos anos 1990,
nossa população era paupérrima -e dizer que era livre seria
ridículo", comentou há pouco
Vladislav Surkov, visto como
ideólogo do Kremlin. "Quando
você tem um carro em que andar e coisas para comprar, isso
sim é que é liberdade."
Tradução de CLARA ALLAIN
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