São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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ARTIGO

O fim da URSS, 15 anos depois

Ênfase da historiografia no perfil "vacilante" de Gorbachov, em contraste com ação "decidida" de Ieltsin, prenuncia apoio popular ao rumo autoritário da nova Rússia

ANGELO SEGRILLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em dezembro de 1991 deixava de existir a poderosa União Soviética. Que balanço a Rússia faz desses 15 anos? Para um balanço geral desse período, é preciso separar as esferas da política e da economia. Na primeira, a tendência foi de os russos terem maiores liberdades políticas que no período soviético, com a implantação do multipartidarismo, imprensa livre etc.
Já na economia, os resultados não são tão positivos. Com a traumática passagem do sistema socialista ao capitalista, a Rússia teve um declínio econômico no período 1992-1999 maior que o dos Estados Unidos na época da Grande Depressão dos anos 1930. Há que se distinguir também as tendências opostas nos períodos dos governos Ieltsin (1991-1999) e Putin (1999 até hoje). O período Ieltsin, como vimos, foi marcado por profunda depressão econômica, mas por relativamente grande liberdade política. Já no período Putin, essas duas tendências se inverteram. Após o "fundo do poço" da crise financeira de 1998, de 1999 até hoje a Rússia tem apresentado altos índices de crescimento econômico (acima de 6% ao ano).
Isso explica, em grande parte, a popularidade de Putin. Por outro lado, o ex-agente do KGB tem mostrado tendências centralistas e autoritárias no poder. O aumento da ordem interna trazida por essas medidas centralistas após o caótico período Ieltsin até faz aumentar o prestígio de Putin perante camadas significativas da população, mas deixa preocupados intelectuais e observadores temerosos de um retrocesso democrático. O outro lado importante do balanço de 15 anos do fim da URSS é o da própria historiografia sobre o desaparecimento do país. A abertura (infelizmente até hoje ainda não total) dos antigos arquivos secretos soviéticos levou a uma enxurrada de documentos novos. Alguns confirmando velhas suspeitas, outros apontando para interpretações diferentes.
O público geral pode acompanhar muitas das novas revelações lendo as memórias que vêm sendo publicadas dos protagonistas dos acontecimentos, por exemplo, as de Gorbachov e de Ieltsin (esta última disponível em português). Elas mostram diferentes visões dos bastidores dos acontecimentos. Para o fim da URSS, recomendo também as de Alexander Iakovlev e Iegor Ligachev, respectivamente os líderes das correntes liberal e conservadora do órgão dirigente supremo soviético, o Politburo, de cujo embate resultou o destino da perestroika.
A mais atual das revelações dos meandros das decisões de poder no final da URSS foi a recente publicação em Moscou das anotações feitas por três altos funcionários soviéticos (A. Chernyaev, V. Medvedev e G. Shashnasarov) das reuniões secretas finais do Politburo e do governo nos momentos cruciais do fim da URSS e do início da nova Rússia.
Essas novas revelações têm levado alguns observadores e enfatizar o caráter vacilante de Gorbachov e o decidido de Ieltsin nos momentos finais da URSS. Entretanto, considero isso algo injusto. Afinal, Gorbachev, em virtude de sua própria abertura democrática, não podia apelar para as atitudes "decididas", mas autoritárias, dos antigos líderes soviéticos.
O fato de não ter feito isso foi encarado por muitos como um sinal de fraqueza. Será? A popularidade atual do "autoritarismo" de Putin em amplos setores da população russa tende a confirmar esse diagnóstico. A pergunta que resta é: será esse o caminho mais condutivo a uma verdadeira democracia?


O historiador ANGELO SEGRILLO é autor dos livros "O Declínio da URSS: Um Estudo das Causas" (Record) e "O Fim da URSS e a Nova Rússia" (Vozes)


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