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ARTIGO
O fim da URSS, 15 anos depois
Ênfase da historiografia no perfil "vacilante" de Gorbachov, em contraste com ação "decidida" de Ieltsin, prenuncia apoio popular ao rumo autoritário da nova Rússia
ANGELO SEGRILLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em dezembro de 1991 deixava de existir a poderosa União
Soviética. Que balanço a Rússia
faz desses 15 anos?
Para um balanço geral desse
período, é preciso separar as esferas da política e da economia.
Na primeira, a tendência foi de
os russos terem maiores liberdades políticas que no período
soviético, com a implantação
do multipartidarismo, imprensa livre etc.
Já na economia, os resultados não são tão positivos. Com
a traumática passagem do sistema socialista ao capitalista, a
Rússia teve um declínio econômico no período 1992-1999
maior que o dos Estados Unidos na época da Grande Depressão dos anos 1930.
Há que se distinguir também
as tendências opostas nos períodos dos governos Ieltsin
(1991-1999) e Putin (1999 até
hoje). O período Ieltsin, como
vimos, foi marcado por profunda depressão econômica, mas
por relativamente grande liberdade política. Já no período Putin, essas duas tendências se inverteram. Após o "fundo do poço" da crise financeira de 1998,
de 1999 até hoje a Rússia tem
apresentado altos índices de
crescimento econômico (acima
de 6% ao ano).
Isso explica, em grande parte, a popularidade de Putin. Por
outro lado, o ex-agente do KGB
tem mostrado tendências centralistas e autoritárias no poder. O aumento da ordem interna trazida por essas medidas
centralistas após o caótico período Ieltsin até faz aumentar o
prestígio de Putin perante camadas significativas da população, mas deixa preocupados intelectuais e observadores temerosos de um retrocesso democrático.
O outro lado importante do
balanço de 15 anos do fim da
URSS é o da própria historiografia sobre o desaparecimento
do país. A abertura (infelizmente até hoje ainda não total)
dos antigos arquivos secretos
soviéticos levou a uma enxurrada de documentos novos. Alguns confirmando velhas suspeitas, outros apontando para
interpretações diferentes.
O público geral pode acompanhar muitas das novas revelações lendo as memórias que
vêm sendo publicadas dos protagonistas dos acontecimentos,
por exemplo, as de Gorbachov e
de Ieltsin (esta última disponível em português). Elas mostram diferentes visões dos bastidores dos acontecimentos.
Para o fim da URSS, recomendo também as de Alexander Iakovlev e Iegor Ligachev, respectivamente os líderes das
correntes liberal e conservadora do órgão dirigente supremo
soviético, o Politburo, de cujo
embate resultou o destino da
perestroika.
A mais atual das revelações
dos meandros das decisões de
poder no final da URSS foi a recente publicação em Moscou
das anotações feitas por três altos funcionários soviéticos (A.
Chernyaev, V. Medvedev e G.
Shashnasarov) das reuniões secretas finais do Politburo e do
governo nos momentos cruciais do fim da URSS e do início
da nova Rússia.
Essas novas revelações têm
levado alguns observadores e
enfatizar o caráter vacilante de
Gorbachov e o decidido de Ieltsin nos momentos finais da
URSS. Entretanto, considero
isso algo injusto. Afinal, Gorbachev, em virtude de sua própria
abertura democrática, não podia apelar para as atitudes "decididas", mas autoritárias, dos
antigos líderes soviéticos.
O fato de não ter feito isso foi
encarado por muitos como um
sinal de fraqueza. Será? A popularidade atual do "autoritarismo" de Putin em amplos setores da população russa tende
a confirmar esse diagnóstico. A
pergunta que resta é: será esse
o caminho mais condutivo a
uma verdadeira democracia?
O historiador ANGELO SEGRILLO é autor dos livros "O Declínio da URSS: Um Estudo das Causas" (Record) e "O Fim da URSS e a Nova Rússia" (Vozes)
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