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GUERRA DE IMAGENS
Emissoras do Oriente Médio cobrem conflito do ponto de vista dos bombardeados
TVs árabes mostram o outro lado
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A AMÃ
Um iraquiano de cerca de 50
anos grita com a câmera desesperado, enquanto vai e volta até a
parte traseira de um caminhão na
cidade de Nassíria, no sul do país,
apontando sempre seu conteúdo:
pelo menos cinco corpos empilhados, todos seus parentes.
Pega pela mão esquerda o corpo
de uma menina de não mais de
dois anos e a chacoalha para o cinegrafista. O pequeno cadáver balança como se fosse uma boneca
de pano. Qual conjunto de emissoras exibiu esta cena, no começo
a semana passada?
De um lado, CNN, BBC, Sky
News e Fox News. Do outro, Al Jazeera, Al Arabiya e Abu Dhabi
TV. As primeiras mostram esta
guerra do ponto de vista dos
bombardeadores, com seus mapas, estratégias, experts, alta tecnologia e assepsia. As últimas têm
a perspectiva dos bombardeados,
com cidades destruídas, alvos civis atingidos por engano, familiares revoltados e muito sangue.
A novidade é que, diferentemente da Guerra do Golfo de
1991, quando Peter Arnett via
CNN era a única fonte de informação televisiva, agora o mundo
árabe tem pelo menos três emissoras de notícia via satélite.
Al Jazeera, baseada no Qatar, é a
"CNN árabe", com mais audiência do que as outras duas somadas
(40 milhões de espectadores) e
quatro milhões de novos assinantes conquistados depois de começada a guerra. Seu público mora
no Oriente Médio, sim, mas também em países como a França,
com seus 5 milhões de habitantes
que falam árabe.
É a mais profissional entre elas.
Criada em 1996 pelo emir do Qatar, tem jornalistas experientes
que fizeram carreira justamente
em emissoras européias como
BBC e não é chapa-branca como a
maioria das televisões árabes.
Não por acaso seus repórteres já
foram expulsos de países como
Jordânia, Arábia Saudita e, mais
recentemente, Iraque (nos três casos, todos foram readmitidos
mais tarde). A estrela é o palestino
Majed Abdel Hadi, que cobriu a
guerra do Afeganistão.
A saudita Al Arabiya foi inaugurada cerca de um mês antes de iniciado o conflito e se fia na cobertura da guerra para "pegar" entre
o público árabe e, de preferência,
roubar assinantes de sua maior
concorrente. É do grupo Middle
East Broadcasting Center, o mesmo que têm os direitos da versão
árabe do game-show "Who
Wants to Be a Millionaire", e tem
22 correspondentes espalhados
entre Bagdá, Basra e Mossul.
A Abu Dhabi, de propriedade
do governo dos Emirados Árabes
Unidos, é a menor das três, corre
por fora e, por isso mesmo, é a
mais gráfica do trio, mostrando
imagens como a relatada acima.
Diz ter entre os compradores de
suas imagens mais de 120 organizações jornalísticas. É a única das
três a ter estúdio em Bagdá, montado antes da guerra. "A maior
parte da cidade pode ser vista do
telhado de nosso escritório, onde
temos quatro câmeras ligadas 24
horas por dia, uma apontada para
cada lado", disse Ali Al Ahmed,
diretor da emissora.
Mais correspondentes
Quem está mais próximo da
verdade? Os dois lados exageram,
as TVs ocidentais mostrando
uma guerra sem vítimas e sem erros, as árabes mostrando mais
sangue e exploração da dor humana do que recomenda o bom
senso jornalístico.
Mas não há dúvida de que as
emissoras baseadas nos EUA e na
Europa perderam contato com a
realidade da guerra, seja pelo
grande número de repórteres
"embutidos" com as forças de
coalizão (a Al Jazeera só tem um),
seja pelo pequeno número de repórteres cobrindo diretamente
das cidades atacadas (só a BBC
tem gente em Bagdá, por exemplo, campo em que a Al Jazeera
conta com cinco jornalistas).
Quem se informou nos últimos
dias só pela CNN e BBC, por
exemplo, acreditou que a cidade
portuária de Umm Qasr estava totalmente dominada (não estava, e
as redes tiveram de voltar atrás
depois), que a maioria xiita tinha
se revoltado contra o exército iraquiano em Basra (não tinha, a cidade permanecia calma) e, tão recente quanto ontem à noite, que o
aeroporto internacional de Bagdá
continuava sob poder da coalizão
(não continuava, continuava sendo disputado pelos iraquianos).
Duas versões
"Nós do mundo árabe estamos
ligeiramente em melhor posição
do que a maioria dos americanos", escreveu o analista Rami G.
Khouri, do diário libanês "Daily
Star". "Pelo menos, podemos ver
e ouvir ambos os lados, dada a facilidade de se sintonizar as redes
dos EUA e da Europa aqui. Já eles
só ouvem a versão oficial."
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