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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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ARÁBIA SAUDITA

"Al Watan" criticou extremismo islâmico

Líder religioso ordena boicote a jornal saudita com posição liberal

Shamil Zhumatov - 11.fev.2003/Reuters
Muçulmanas do Sudeste Asiático realizam peregrinação a Meca


PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

Artigos sobre o extremismo religioso e a situação das mulheres na Arábia Saudita provocaram uma crise no jornal "Al Watan", um dos mais importantes do país, e abriram um debate sobre a fragilidade da imprensa no reino.
O líder religioso Abdullah bin Abdel Rahman al Jabrin emitiu uma fatwa (decreto) que pede um boicote contra o diário saudita devido a seus editorais considerados liberais demais, às fotos de mulheres sem véu e aos artigos sobre as causas do extremismo islâmico no país.
Baseado na cidade de Abha (sul da Arábia Saudita), o jornal lançou uma campanha contra o terrorismo que inclui uma petição em seu site endereçada aos dirigentes sauditas pedindo ação contra o discurso religioso extremista. Além disso, fez críticas ao Comitê para a Propagação da Virtude e a Prevenção do Vício, que proíbe, entre outras coisas, que as mulheres possam dirigir no país.
Al Jabrin acusou o jornal de "zombar de pessoas virtuosas em seus artigos baratos e nas charges". Ele citou como um exemplo que considera especialmente negativo um artigo que falava do desejo de algumas sauditas de poder assistir a partidas de futebol.
Lançado em 2000, o "Al Watan" (a pátria, em árabe) havia aberto espaço para críticas contra o radicalismo religioso.
O editor-chefe do jornal, Jamal Khashoggi, foi demitido por pressão do governo. "Os que cometeram o crime não são apenas os suicidas, mas todos aqueles que instigaram ou justificaram os ataques", escreveu Khashoggi horas após os atentados que deixaram 25 mortos em Riad em 12 de maio. Ele não quis comentar sua demissão.
Críticos do "Al Watan" como o advogado Mohsen Awajy disseram que Khashoggi havia exagerado e "ultrapassado todos os limites estabelecidos no país".
"Nosso editor-chefe foi demitido por causa da pressão dos religiosos sobre o governo e agora veio a fatwa. Não estamos tentando reagir, pois não podemos fazer nada. Apenas conservamos um perfil discreto. Esperamos que nada mais aconteça com o jornal", diz o jornalista Saad Asswailim, da Secretaria de Redação do "Al Watan".
"Somos um jornal bastante liberal, provavelmente o mais liberal do país. Escrevemos vários artigos contra o Comitê porque alguns de seus membros violaram os direitos civis das pessoas".
Após os recentes atentados, textos questionaram o papel da polícia religiosa na sociedade e a influência do wahhabismo (versão bastante rígida do islã) no país.
"Fomos vítimas do terrorismo bem antes dos norte-americanos. Matar não-muçulmanos e muçulmanos na terra dos dois locais mais sagrados do islã é especialmente condenável. As pessoas estão percebem a necessidade de tomar uma atitude", diz Asswailim.
A imprensa saudita é controlada pelo ministro do Interior, o príncipe Nayif, que expressou sua insatisfação com as críticas à influência dos religiosos no país. Na primeira coletiva após os atentados, questionado por um jornalista se a polícia religiosa poderia ser reformulada, ele respondeu: "Como saudita, você deveria ter vergonha de fazer essa pergunta".

Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP


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