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ORIENTE MÉDIO
Para historiador iraniano, política dura dos EUA poderá fortalecer ala conservadora do regime em Teerã
Pressão sobre Irã atrasa reformas, diz autor
FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO
Os EUA precisam manter uma
boa relação com o Irã se quiserem
alcançar a estabilidade no Iraque,
sobretudo por sua influência sobre xiitas iraquianos, que compõem cerca de 60% da população do país. O alerta é do historiador
iraniano Fakhreddin Azimi, 49,
professor da Universidade de
Connecticut (nordeste dos EUA).
O Irã atravessa uma séria crise
diplomática com os EUA desde
janeiro de 2002, quando o presidente George W. Bush acusou o
país de integrar um "eixo do mal",
ao lado do Iraque de Saddam
Hussein e da Coréia do Norte.
Após a guerra no Iraque, os
EUA intensificaram as críticas,
acusando o país de abrigar membros da rede terrorista Al Qaeda e
de ter um programa secreto de armas nucleares. O Irã nega.
Internamente, têm ocorrido nos
últimos anos uma disputa entre
os reformadores, liderados pelo
presidente iraniano, Mohammad
Khatami, e os conservadores, que
dominam postos para os quais
não há eleição, como os do Judiciário e os das forças de segurança, além do de líder religioso supremo (acima de Khatami), ocupado pelo aiatolá Ali Khamenei.
Para Azimi, a pressão americana sobre o Irã tende a favorecer a
ala conservadora do governo,
com prejuízos para o sensível espaço democrático no país.
O historiador afirma que não há
razão para uma suposta aliança
entre o governo iraniano e a rede
terrorista Al Qaeda devido ao histórico de rivalidades. Ele também
não acredita que o país tenha um
programa de armas nucleares.
Azimi é autor do livro "Irã - a
Crise da Democracia, 1941-53",
resultado de seu doutorado, concluído em 85 na Universidade de
Oxford, no Reino Unido. O livro
foi publicado simultaneamente
nos EUA e no Reino Unido, em
89. Em 94, foi publicado no Irã.
A seguir, a entrevista que Azimi
concedeu à Folha, por telefone:
Folha - O sr. acredita que o Irã tenha vínculos com a Al Qaeda?
Fakhreddin Azimi - Eu não posso
ver nenhuma boa razão para o governo iraniano abrigar ou apoiar
membros da Al Qaeda. Ao contrário, o governo teria muito a
perder com essa ligação. A Al
Qaeda é predominantemente sunita. Muitos de seus membros são
da Arábia Saudita, e eles são muito próximos ao wahabbi, uma interpretação do islã que se contrapõe ao xiismo iraniano. E deve ser
lembrado que, quando a Al Qaeda
estava associada ao regime do Taleban, no Afeganistão, havia muita hostilidade contra o governo
iraniano. Um dos primeiros atos
do Taleban [milícia extremista
que governava a maioria do Afeganistão até ser expulsa pelos
EUA em 2001] foi executar vários
diplomatas iranianos. Sob a perspectiva histórica, não há nenhuma razão para acreditar que haja
afinidades religiosas ou políticas.
A fronteira do Irã com o Afeganistão é muito extensa e difícil de
controlar. Alguns membros da Al
Qaeda podem ter entrado no Irã
por causa disso, mas o mesmo
acontece com o Paquistão, só que
ninguém está acusando o governo paquistanês de proteger a Al
Qaeda. O Irã tem tentado reduzir
as tensões com o EUA, por isso eu
também acredito que o país não
tenha armas nucleares.
Folha - O Irã está ladeado por dois
países ocupados por tropas lideradas pelos EUA. Como isso tem afetado o dia-a-dia do país?
Azimi - O país está obviamente
sob uma pressão tremenda, que
tem gerado muito debate. Um dos
aspectos interessantes do Irã é
que há uma dinâmica democrática no país. É uma sociedade bastante diferente das outras situadas no Oriente Médio. O país atravessou duas grandes revoluções no
século 20, foi o primeiro país islâmico a passar por uma revolução
constitucional [em 1921]. Mas o
debate democrático pode ser
abortado por causa dessa pressão.
Os oponentes da democracia podem associar o movimento democrático com a pressão estrangeira e assim deslegitimizá-lo.
Folha - O sr. está sugerindo que a
pressão americana pode fortalecer
o conservadorismo no Irã?
Azimi - Essa pressão pode não
beneficiar os moderados. Pode
ser contraprodutivo, abre a possibilidade de as forças de direita se
projetarem como guardiões dos
valores iranianos e ao mesmo
tempo associarem seus oponentes com desejos de dominação estrangeira no Irã. Provavelmente, a melhor coisa para o processo democrático seria a não interferência externa. Qualquer transformação no país terá vir de dentro.
A política americana pode resultar no oposto do que os EUA imaginam que venha a acontecer.
Folha - Os EUA têm acusado o Irã
de influenciar a política interna do
Iraque por meio da população xiita
iraquiana. Qual é a ligação entre o
governo iraniano e os xiitas do país
vizinho?
Azimi - Os EUA realmente precisam da boa vontade do Irã se quiserem ter êxito em criar um governo viável no Iraque, já que 60%
da população iraquiana é xiita, e o
Irã tem uma influência considerável sobre eles. Mas não se pode generalizar sobre a população xiita iraquiana. Há uma variedade: seculares, tribais, rurais, há clérigos xiitas que não estão interessados
em política e outros que estão.
Sem dúvida, há afinidades sentimentais e culturais, além das religiosas, entre os xiitas dos dois países. E certamente segmentos do
establishment iraniano têm ligações com clérigos no Iraque.
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