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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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ORIENTE MÉDIO

Para historiador iraniano, política dura dos EUA poderá fortalecer ala conservadora do regime em Teerã

Pressão sobre Irã atrasa reformas, diz autor

FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

Os EUA precisam manter uma boa relação com o Irã se quiserem alcançar a estabilidade no Iraque, sobretudo por sua influência sobre xiitas iraquianos, que compõem cerca de 60% da população do país. O alerta é do historiador iraniano Fakhreddin Azimi, 49, professor da Universidade de Connecticut (nordeste dos EUA).
O Irã atravessa uma séria crise diplomática com os EUA desde janeiro de 2002, quando o presidente George W. Bush acusou o país de integrar um "eixo do mal", ao lado do Iraque de Saddam Hussein e da Coréia do Norte.
Após a guerra no Iraque, os EUA intensificaram as críticas, acusando o país de abrigar membros da rede terrorista Al Qaeda e de ter um programa secreto de armas nucleares. O Irã nega.
Internamente, têm ocorrido nos últimos anos uma disputa entre os reformadores, liderados pelo presidente iraniano, Mohammad Khatami, e os conservadores, que dominam postos para os quais não há eleição, como os do Judiciário e os das forças de segurança, além do de líder religioso supremo (acima de Khatami), ocupado pelo aiatolá Ali Khamenei.
Para Azimi, a pressão americana sobre o Irã tende a favorecer a ala conservadora do governo, com prejuízos para o sensível espaço democrático no país.
O historiador afirma que não há razão para uma suposta aliança entre o governo iraniano e a rede terrorista Al Qaeda devido ao histórico de rivalidades. Ele também não acredita que o país tenha um programa de armas nucleares.
Azimi é autor do livro "Irã - a Crise da Democracia, 1941-53", resultado de seu doutorado, concluído em 85 na Universidade de Oxford, no Reino Unido. O livro foi publicado simultaneamente nos EUA e no Reino Unido, em 89. Em 94, foi publicado no Irã.
A seguir, a entrevista que Azimi concedeu à Folha, por telefone:
 

Folha - O sr. acredita que o Irã tenha vínculos com a Al Qaeda?
Fakhreddin Azimi -
Eu não posso ver nenhuma boa razão para o governo iraniano abrigar ou apoiar membros da Al Qaeda. Ao contrário, o governo teria muito a perder com essa ligação. A Al Qaeda é predominantemente sunita. Muitos de seus membros são da Arábia Saudita, e eles são muito próximos ao wahabbi, uma interpretação do islã que se contrapõe ao xiismo iraniano. E deve ser lembrado que, quando a Al Qaeda estava associada ao regime do Taleban, no Afeganistão, havia muita hostilidade contra o governo iraniano. Um dos primeiros atos do Taleban [milícia extremista que governava a maioria do Afeganistão até ser expulsa pelos EUA em 2001] foi executar vários diplomatas iranianos. Sob a perspectiva histórica, não há nenhuma razão para acreditar que haja afinidades religiosas ou políticas.
A fronteira do Irã com o Afeganistão é muito extensa e difícil de controlar. Alguns membros da Al Qaeda podem ter entrado no Irã por causa disso, mas o mesmo acontece com o Paquistão, só que ninguém está acusando o governo paquistanês de proteger a Al Qaeda. O Irã tem tentado reduzir as tensões com o EUA, por isso eu também acredito que o país não tenha armas nucleares.

Folha - O Irã está ladeado por dois países ocupados por tropas lideradas pelos EUA. Como isso tem afetado o dia-a-dia do país?
Azimi -
O país está obviamente sob uma pressão tremenda, que tem gerado muito debate. Um dos aspectos interessantes do Irã é que há uma dinâmica democrática no país. É uma sociedade bastante diferente das outras situadas no Oriente Médio. O país atravessou duas grandes revoluções no século 20, foi o primeiro país islâmico a passar por uma revolução constitucional [em 1921]. Mas o debate democrático pode ser abortado por causa dessa pressão. Os oponentes da democracia podem associar o movimento democrático com a pressão estrangeira e assim deslegitimizá-lo.

Folha - O sr. está sugerindo que a pressão americana pode fortalecer o conservadorismo no Irã?
Azimi -
Essa pressão pode não beneficiar os moderados. Pode ser contraprodutivo, abre a possibilidade de as forças de direita se projetarem como guardiões dos valores iranianos e ao mesmo tempo associarem seus oponentes com desejos de dominação estrangeira no Irã. Provavelmente, a melhor coisa para o processo democrático seria a não interferência externa. Qualquer transformação no país terá vir de dentro. A política americana pode resultar no oposto do que os EUA imaginam que venha a acontecer.

Folha - Os EUA têm acusado o Irã de influenciar a política interna do Iraque por meio da população xiita iraquiana. Qual é a ligação entre o governo iraniano e os xiitas do país vizinho?
Azimi -
Os EUA realmente precisam da boa vontade do Irã se quiserem ter êxito em criar um governo viável no Iraque, já que 60% da população iraquiana é xiita, e o Irã tem uma influência considerável sobre eles. Mas não se pode generalizar sobre a população xiita iraquiana. Há uma variedade: seculares, tribais, rurais, há clérigos xiitas que não estão interessados em política e outros que estão. Sem dúvida, há afinidades sentimentais e culturais, além das religiosas, entre os xiitas dos dois países. E certamente segmentos do establishment iraniano têm ligações com clérigos no Iraque.


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