São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2005

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HISTÓRIA

Espectro nuclear ronda o continente onde se travaram as últimas batalhas da Segunda Guerra; ressentimentos persistem

Ásia se arma 60 anos após o fim da guerra

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ainda mais que na Europa, a Segunda Guerra Mundial continua viva na Ásia. Sessenta anos depois do fim da guerra no oceano Pacífico, os mesmos contendores manobram em torno de muitos dos mesmos temas.
Com uma diferença curiosa, e outra alarmante.
A curiosa: se de 1941 a 1945 os EUA eram o pivô em torno do qual tudo girava, hoje é a China quem mais assusta e se mexe no tabuleiro, com uma economia em grande expansão e Forças Armadas que deixam de lado a quantidade para investir na qualidade.
Isso acontece para grande preocupação dos americanos, envolvidos no mesmo continente em um "novo Vietnã", agora no Iraque -até a comparação é de origem asiática e também baseada no que aconteceu 60 anos atrás.
A divisão do Vietnã e da Coréia em dois pedaços -um norte comunista e um sul capitalista- foi conseqüência direta da guerra, da ocupação desses países pelos japoneses e da liberação posterior por grupos guerrilheiros e forças comunistas ou capitalistas.

China armada
Agora a diferença alarmante: a China tem bombas nucleares, a Coréia do Norte diz que tem, e o Japão tem condição tecnológica de fazê-las. E outros países asiáticos criaram as suas em conseqüência -a Índia, porque os chineses tinham; o Paquistão, porque a Índia tinha. E agora surge o Irã querendo a sua. Sem falar dos terroristas islâmicos, que adorariam tê-las.
Quando a guerra terminou, com a derrota do Eixo Berlim-Roma-Tóquio, os países vencedores criaram a ONU, com um Conselho de Segurança no qual os principais ganhadores tinham assento permanente e poder de veto -EUA, União Soviética, Reino Unido, França e China.
A "China" original, aliada dos EUA, encolheu depois que os comunistas tomaram o poder no continente.
Para o mundo liderado pelos EUA, "China" virou a ilha de Formosa, antiga colônia japonesa tornada reduto dos nacionalistas anticomunistas chineses. Demorou até ser expulsa e substituída na ONU, em 1971, pela "China" maior, a do continente. E ainda hoje resta aos EUA a obrigação militar de defender a pequena "China" Taiwan contra a grande China, um foco de tensão permanente na região.

Manchúria
Hoje os dois principais perdedores da guerra, Alemanha e Japão -as duas maiores economias do planeta depois dos EUA-, querem fazer parte do Conselho de Segurança, junto com dois países subdesenvolvidos que se consideram representativos de suas regiões, Índia e Brasil.
A China resolutamente tem se oposto às pretensões de Japão e Índia (com quem os chineses trocaram tiros em disputas de fronteira nos anos 60). O motivo vem direto da guerra. Se para os ocidentais a Segunda Guerra costuma ser descrita como tendo durado de 1939 -data da invasão da Polônia pelos alemães- a 1945, para os chineses a guerra começou bem antes, em 1931 e depois em 1937.
Em 1931 o Japão invadiu a Manchúria, no norte da China; em 1937 a guerra se ampliou para o resto do país.
Culpados de crimes como o Holocausto dos judeus e a morte de milhões de eslavos na frente russa, os alemães do pós-guerra em geral reconheceram suas atrocidades, até mesmo criando um recente monumento em Berlim lembrando a morte dos judeus.
Já os governantes japoneses -e boa parte da população- sempre se comportaram como se fossem apenas vítimas, e não algozes. O fato de terem sido alvo de duas bombas atômicas ajudou a criar o mito.
Em abril passado, por exemplo, o governo japonês decidiu revisar os livros didáticos de história para amenizar as atrocidades cometidas pelo país durante a ocupação da China. Foi o bastante para que os chineses iniciassem violentos protestos, nos quais depredaram prédios japoneses na China sem que houvesse intervenção policial. O caso ameaçou se tornar um incidente internacional -o Japão exigiu indenização e um pedido de desculpas; Pequim rejeitou ambas as demandas.
No final daquele mês, como forma de contornar a crise, o governo japonês pediu desculpas "pelo prejuízo e pelo sofrimento" causado por seus atos, no passado, a "povos de diversos países" da Ásia. A China não foi citada individualmente.
Apesar dos esforços japoneses para mudar a história, chineses e coreanos não esquecem do que sofreram.
Foram vítimas de massacres e bombardeiros de aviação e seus prisioneiros de guerra tornaram-se cobaias de experimentos com armas químicas e biológicas. Mulheres coreanas foram prostituídas à força para deleite dos soldados japoneses -eram chamadas eufemisticamente de mulheres de "conforto".
Dá pra entender por que os coreanos do norte já testaram um míssil, possível vetor da bomba, sobrevoando o Japão.

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