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A valor não se renuncia, diz líder da UE
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Josep Borrell, o presidente do
Parlamento Europeu, socialista
como Tony Blair, o primeiro-ministro britânico, revela, no entanto, mais afinidade retórica com a
mulher de Blair, Cherie, quando
fala do combate ao terrorismo.
"As democracias ocidentais não
ganharão a batalha contra o terrorismo se renunciarem a seus valores", disse esse catalão de 58 anos
à Folha, na terça-feira, quando
iniciava sua visita ao Brasil.
Na semana passada, Cherie
Blair -que é uma das mais reputadas advogadas do Reino Unido- havia apontado o risco de
seu país "responder ao terror de
um modo que solapa o compromisso com nossos mais prezados
valores e convicções e diminui
nosso direito de nos chamarmos
uma nação civilizada".
Borrell, aliás, censura até o uso
da expressão "guerra ao terror",
de uso freqüente na boca do presidente norte-americano George
Walker Bush e de Blair.
Guerra, raciocina o chefe do
Parlamento Europeu, pressupõe
ou a vitória contra o inimigo ou
um tratado de paz, o que é impossível de ocorrer quando o inimigo
"não tem um Estado-Maior que
possa render-se ou assinar um
tratado de paz".
Por isso mesmo, o combate ao
terrorismo "porá à prova o exercício das liberdades democráticas
nas sociedades ocidentais".
A complexidade da questão se
torna mais evidente quando esse
político espanhol menciona dois
tipos de situações contrapostas:
uma, o risco de "islamofobia", o
temor aos muçulmanos em geral,
o que sempre pode ferir as liberdades individuais; e, ao mesmo
tempo, a constatação de que "o
ninho da serpente está dentro
[das sociedades ocidentais democráticas]".
É uma alusão ao fato de que os
terroristas suicidas suspeitos de
terem sido os autores dos atentados de 7 de julho, em Londres,
eram muçulmanos aparentemente integrados à perfeição no Reino
Unido, a ponto de o pai de um deles ser dono de um negócio de
"fish and chips" (peixe frito com
batata), tipicamente britânico.
"Mostra uma fratura social, na
medida em que uma parte da juventude não se integrou", afirma
Borrell.
Os modelos
O terrorismo pode ser o desafio
mais assustador do momento na
Europa, mas, diz o dirigente, está
longe de ser o único.
O outro é mais sutil e tem a ver
com o modelo social europeu, debate que acabou ressurgindo recentemente com uma troca de
farpas entre Tony Blair e o presidente francês, Jacques Chirac.
O problema é que é difícil definir os termos do debate, como relata Borrell: "Do meu posto de observação privilegiado, no alto da
tribuna do Parlamento Europeu,
percebi nitidamente que era o
pessoal de centro-direita quem
aplaudia Blair, enquanto o pessoal de centro-esquerda aplaudia
Jean-Claude Juncker, o primeiro-ministro de Luxemburgo".
Qual a contradição? Simples:
Blair é do Partido Trabalhista,
teoricamente de centro-esquerda,
ao passo que Juncker é do PPE
(Partido Popular Europeu, basicamente democrata-cristão, de
centro-direita).
Mas Juncker expunha uma tese
que, decodificada, pregava uma
integração européia política e social, muito além de um mero mercado, por gigantesco que este seja.
Blair também fala desse tipo de
integração, mas é entendido sempre como defensor de uma integração muito mais econômica.
O debate reflete um certo desencanto do eleitorado europeu com
o modelo dito neoliberal, do que
dá prova a eleição na Alemanha,
no mês que vem.
"É objetivamente certo que apareceram outras opções eleitorais
de esquerda", admite Borrell, em
alusão ao partido criado pelo ex-ministro Oskar Lafontaine, cisão
da social-democracia do chanceler Gerhard Schröder, justamente
porque este conduziu o partido
mais para o centro.
Borrell, cujo partido na Espanha nem sofreu cisão desse tipo
nem está questionando o modelo
mais centrista da social-democracia, argumenta que o cenário alemão revela a eclosão do "debate
proibido", expressão que ele ouviu do economista francês Jean-Paul Fitoussi.
"Era proibido debater o dogma
monetário", explica o presidente
do Parlamento Europeu, porque,
durante os anos 1980 e 1990, achava-se que "a inflação era o único
inimigo a vencer".
Agora, não. "O problema real é
o crescimento, não a inflação",
afirma Borrell.
Não por acaso, esse mesmo tipo
de debate estava começando no
Brasil, até ser atropelado pelo escândalo do "mensalão". Um escândalo sobre o qual Borrell demonstrou tanto interesse que sua
conversa com a Folha foi iniciada
com uma barragem de perguntas
antes que ele mesmo passasse a
dar respostas.
Sua própria opinião, como é óbvio, não foi manifestada, alegando, corretamente, que não cabe
ao presidente de uma instituição
estrangeira opinar sobre assuntos
internos do Brasil.
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