São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2005

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A valor não se renuncia, diz líder da UE

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Josep Borrell, o presidente do Parlamento Europeu, socialista como Tony Blair, o primeiro-ministro britânico, revela, no entanto, mais afinidade retórica com a mulher de Blair, Cherie, quando fala do combate ao terrorismo.
"As democracias ocidentais não ganharão a batalha contra o terrorismo se renunciarem a seus valores", disse esse catalão de 58 anos à Folha, na terça-feira, quando iniciava sua visita ao Brasil.
Na semana passada, Cherie Blair -que é uma das mais reputadas advogadas do Reino Unido- havia apontado o risco de seu país "responder ao terror de um modo que solapa o compromisso com nossos mais prezados valores e convicções e diminui nosso direito de nos chamarmos uma nação civilizada".
Borrell, aliás, censura até o uso da expressão "guerra ao terror", de uso freqüente na boca do presidente norte-americano George Walker Bush e de Blair.
Guerra, raciocina o chefe do Parlamento Europeu, pressupõe ou a vitória contra o inimigo ou um tratado de paz, o que é impossível de ocorrer quando o inimigo "não tem um Estado-Maior que possa render-se ou assinar um tratado de paz".
Por isso mesmo, o combate ao terrorismo "porá à prova o exercício das liberdades democráticas nas sociedades ocidentais".
A complexidade da questão se torna mais evidente quando esse político espanhol menciona dois tipos de situações contrapostas: uma, o risco de "islamofobia", o temor aos muçulmanos em geral, o que sempre pode ferir as liberdades individuais; e, ao mesmo tempo, a constatação de que "o ninho da serpente está dentro [das sociedades ocidentais democráticas]".
É uma alusão ao fato de que os terroristas suicidas suspeitos de terem sido os autores dos atentados de 7 de julho, em Londres, eram muçulmanos aparentemente integrados à perfeição no Reino Unido, a ponto de o pai de um deles ser dono de um negócio de "fish and chips" (peixe frito com batata), tipicamente britânico.
"Mostra uma fratura social, na medida em que uma parte da juventude não se integrou", afirma Borrell.

Os modelos
O terrorismo pode ser o desafio mais assustador do momento na Europa, mas, diz o dirigente, está longe de ser o único.
O outro é mais sutil e tem a ver com o modelo social europeu, debate que acabou ressurgindo recentemente com uma troca de farpas entre Tony Blair e o presidente francês, Jacques Chirac.
O problema é que é difícil definir os termos do debate, como relata Borrell: "Do meu posto de observação privilegiado, no alto da tribuna do Parlamento Europeu, percebi nitidamente que era o pessoal de centro-direita quem aplaudia Blair, enquanto o pessoal de centro-esquerda aplaudia Jean-Claude Juncker, o primeiro-ministro de Luxemburgo".
Qual a contradição? Simples: Blair é do Partido Trabalhista, teoricamente de centro-esquerda, ao passo que Juncker é do PPE (Partido Popular Europeu, basicamente democrata-cristão, de centro-direita).
Mas Juncker expunha uma tese que, decodificada, pregava uma integração européia política e social, muito além de um mero mercado, por gigantesco que este seja.
Blair também fala desse tipo de integração, mas é entendido sempre como defensor de uma integração muito mais econômica.
O debate reflete um certo desencanto do eleitorado europeu com o modelo dito neoliberal, do que dá prova a eleição na Alemanha, no mês que vem.
"É objetivamente certo que apareceram outras opções eleitorais de esquerda", admite Borrell, em alusão ao partido criado pelo ex-ministro Oskar Lafontaine, cisão da social-democracia do chanceler Gerhard Schröder, justamente porque este conduziu o partido mais para o centro.
Borrell, cujo partido na Espanha nem sofreu cisão desse tipo nem está questionando o modelo mais centrista da social-democracia, argumenta que o cenário alemão revela a eclosão do "debate proibido", expressão que ele ouviu do economista francês Jean-Paul Fitoussi.
"Era proibido debater o dogma monetário", explica o presidente do Parlamento Europeu, porque, durante os anos 1980 e 1990, achava-se que "a inflação era o único inimigo a vencer".
Agora, não. "O problema real é o crescimento, não a inflação", afirma Borrell.
Não por acaso, esse mesmo tipo de debate estava começando no Brasil, até ser atropelado pelo escândalo do "mensalão". Um escândalo sobre o qual Borrell demonstrou tanto interesse que sua conversa com a Folha foi iniciada com uma barragem de perguntas antes que ele mesmo passasse a dar respostas.
Sua própria opinião, como é óbvio, não foi manifestada, alegando, corretamente, que não cabe ao presidente de uma instituição estrangeira opinar sobre assuntos internos do Brasil.

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