São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004

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Extremismo no Paquistão ameaça estabilidade afegã, dizem analistas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Ao lado da crescente influência dos barões da droga, a região fronteiriça entre o Afeganistão e o Paquistão, onde se suspeita que estejam escondidos Osama bin Laden, responsável pelo 11 de Setembro, e o mulá Mohammad Omar, líder espiritual do Taleban, é a maior fonte de instabilidade para o governo afegão, segundo analistas ouvidos pela Folha.
"Os combatentes do Taleban que atuam no sul do Afeganistão dispõem de uma base de apoio sólida nas Províncias da Fronteira Noroeste e do Baluquistão, no Paquistão. Em ambos os casos, extremistas islâmicos paquistaneses, que são bastante similares aos do Taleban, assumiram o poder em outubro de 2002", apontou Christophe Jaffrelot, diretor do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (França).
De fato, após a invasão do Afeganistão pela coalizão liderada pelos EUA e da deposição do Taleban, que dava abrigo a Bin Laden e a seus asseclas da Al Qaeda, o extremismo islâmico ganhou novo alento nas duas Províncias, "talvez como resposta ao invasor", de acordo com Jaffrelot.
Cientes da gravidade da ameaça, o governo central e dirigentes regionais afegãos exortam a comunidade internacional, sobretudo os EUA, a pressionar Islamabad, buscando impedir que o Taleban se reagrupe, o que poria em risco o futuro governo afegão.
O governo paquistanês, todavia, refuta as acusações e afirma que suas forças de segurança são ativas na região, expulsando supostos extremistas islâmicos que cruzam a fronteira afegã.
Para a jornalista paquistanesa Sharmeen Obaid, a versão de Islamabad não corresponde aos fatos. Em 2003, oito meses após a chegada da Frente de Ação Unida (MMA, aliança de seis partidos radicais islâmicos) ao poder na Fronteira Noroeste, ela rodou seu documentário "Reinventando o Taleban" na Província.
As imagens são irrefutáveis: passeata de membros do MMA ["(Pervez) Musharraf (ditador do Paquistão) é um cão traidor, amigo da América"] em favor da adoção da sharia (lei islâmica), depoimento de um de seus líderes criticando a corrupção do governo, venda de armas ao ar livre etc. Ou seja, Islamabad não controla realmente a região, na qual a sharia é aplicada oficiosamente.
"Para Washington e para Hamid Karzai [presidente afegão], a mensagem é a seguinte: o Paquistão tem de ser mais ativo para conter os extremistas islâmicos, devendo até prender membros do Taleban ou do MMA que, eventualmente, planejam ataques de dentro do território paquistanês", indicou Atiq Rahimi, escritor e cineasta afegão, que vive na França.
Nas remotas áreas tribais afegãs, separar a realidade da ficção não é fácil. Contudo dois fatos são incontestáveis. Primeiro, centenas de combatentes do Taleban ou de simpatizantes paquistaneses de sua doutrina, muitas vezes armados e bem equipados, cruzam a fronteira (de 2.450 km) de ambos os lados e atacam alvos afegãos.
Segundo, é extremamente complexo pôr fim a essas incursões. Mesmo as poderosas forças dos EUA, que têm seu quartel-general na base de Bagram, a 30 km de Cabul, e realizam constantes missões na região, na qual contam com cerca de 18 mil militares que atuam na guerra ao terror, não conseguem evitar que eles se misturem com a população local ou se ocultem nas montanhas.
"O Paquistão tem o fundamentalismo das escolas religiosas, nas quais mulás afegãos estudaram, e a solidariedade pashtu. Essa solidariedade é vital porque reúne elementos que não são religiosos nem necessariamente só étnicos, já que engloba funcionários, intelectuais etc.", disse Olivier Roy, também do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais.
O extremismo islâmico e as atividades terroristas têm, ademais, origem na mesma fonte. "Nas madrassas [escolas ortodoxas de cultura e de religião muçulmana], radicais islâmicos e terroristas interagem, mesmo que estes não revelem abertamente seus objetivos. É um caldo de cultura explosivo", avaliou Marina Ottaway, do Carnegie Endowment for International Peace (EUA).
Os EUA prometem não abandonar o Afeganistão e usam a eleição de sábado para mostrar que a "guerra ao terror tem surtido bons resultados". Para Cabul, no entanto, além da ajudar na reconstrução do país, isso significa exercer pressão sobre Islamabad.

Risco para Musharraf
O Paquistão, que desde o início da guerra ao terror vem recebendo altas somas de Washington como recompensa por sua cooperação, vive, todavia, uma situação delicada. Enquanto busca manter boas relações com os americanos, Musharraf não pode correr o risco de desagradar ao Exército, que tem uma ala bastante influenciada pelos extremistas islâmicos.
"O caso de Musharraf é complexo. Se pressionar demais os radicais, será visto pelos militares como fantoche dos EUA e não conseguirá permanecer no poder. Se não tomar cuidado, porém, perderá o apoio americano, o que também seria fatal para suas aspirações políticas", avaliou Jaffrelot.
No filme de Obaid, um líder do MMA diz que não há "saúde, moradias ou habitação" em Peshawar, capital da Fronteira Noroeste, e que isso contribui para o sucesso de sua coalizão. Buscar pôr fim à corrupção e investir na infra-estrutura social talvez devam ser as primeiras ações de Musharraf para tentar conter o crescimento do extremismo islâmico.


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