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Extremismo no Paquistão ameaça
estabilidade afegã, dizem analistas
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Ao lado da crescente influência
dos barões da droga, a região
fronteiriça entre o Afeganistão e o
Paquistão, onde se suspeita que
estejam escondidos Osama bin
Laden, responsável pelo 11 de Setembro, e o mulá Mohammad
Omar, líder espiritual do Taleban,
é a maior fonte de instabilidade
para o governo afegão, segundo
analistas ouvidos pela Folha.
"Os combatentes do Taleban
que atuam no sul do Afeganistão
dispõem de uma base de apoio
sólida nas Províncias da Fronteira
Noroeste e do Baluquistão, no Paquistão. Em ambos os casos, extremistas islâmicos paquistaneses, que são bastante similares aos
do Taleban, assumiram o poder
em outubro de 2002", apontou
Christophe Jaffrelot, diretor do
Centro de Estudos e de Pesquisas
Internacionais (França).
De fato, após a invasão do Afeganistão pela coalizão liderada
pelos EUA e da deposição do Taleban, que dava abrigo a Bin Laden e a seus asseclas da Al Qaeda,
o extremismo islâmico ganhou
novo alento nas duas Províncias,
"talvez como resposta ao invasor", de acordo com Jaffrelot.
Cientes da gravidade da ameaça, o governo central e dirigentes
regionais afegãos exortam a comunidade internacional, sobretudo os EUA, a pressionar Islamabad, buscando impedir que o Taleban se reagrupe, o que poria em
risco o futuro governo afegão.
O governo paquistanês, todavia,
refuta as acusações e afirma que
suas forças de segurança são ativas na região, expulsando supostos extremistas islâmicos que cruzam a fronteira afegã.
Para a jornalista paquistanesa
Sharmeen Obaid, a versão de Islamabad não corresponde aos fatos. Em 2003, oito meses após a
chegada da Frente de Ação Unida
(MMA, aliança de seis partidos
radicais islâmicos) ao poder na
Fronteira Noroeste, ela rodou seu
documentário "Reinventando o
Taleban" na Província.
As imagens são irrefutáveis:
passeata de membros do MMA
["(Pervez) Musharraf (ditador do
Paquistão) é um cão traidor, amigo da América"] em favor da adoção da sharia (lei islâmica), depoimento de um de seus líderes criticando a corrupção do governo,
venda de armas ao ar livre etc. Ou
seja, Islamabad não controla realmente a região, na qual a sharia é
aplicada oficiosamente.
"Para Washington e para Hamid Karzai [presidente afegão], a
mensagem é a seguinte: o Paquistão tem de ser mais ativo para
conter os extremistas islâmicos,
devendo até prender membros do
Taleban ou do MMA que, eventualmente, planejam ataques de
dentro do território paquistanês",
indicou Atiq Rahimi, escritor e cineasta afegão, que vive na França.
Nas remotas áreas tribais afegãs,
separar a realidade da ficção não é
fácil. Contudo dois fatos são incontestáveis. Primeiro, centenas
de combatentes do Taleban ou de
simpatizantes paquistaneses de
sua doutrina, muitas vezes armados e bem equipados, cruzam a
fronteira (de 2.450 km) de ambos
os lados e atacam alvos afegãos.
Segundo, é extremamente complexo pôr fim a essas incursões.
Mesmo as poderosas forças dos
EUA, que têm seu quartel-general
na base de Bagram, a 30 km de
Cabul, e realizam constantes missões na região, na qual contam
com cerca de 18 mil militares que
atuam na guerra ao terror, não
conseguem evitar que eles se misturem com a população local ou
se ocultem nas montanhas.
"O Paquistão tem o fundamentalismo das escolas religiosas, nas
quais mulás afegãos estudaram, e
a solidariedade pashtu. Essa solidariedade é vital porque reúne
elementos que não são religiosos
nem necessariamente só étnicos,
já que engloba funcionários, intelectuais etc.", disse Olivier Roy,
também do Centro de Estudos e
de Pesquisas Internacionais.
O extremismo islâmico e as atividades terroristas têm, ademais,
origem na mesma fonte. "Nas
madrassas [escolas ortodoxas de
cultura e de religião muçulmana],
radicais islâmicos e terroristas interagem, mesmo que estes não revelem abertamente seus objetivos. É um caldo de cultura explosivo", avaliou Marina Ottaway, do
Carnegie Endowment for International Peace (EUA).
Os EUA prometem não abandonar o Afeganistão e usam a eleição de sábado para mostrar que a
"guerra ao terror tem surtido
bons resultados". Para Cabul, no
entanto, além da ajudar na reconstrução do país, isso significa
exercer pressão sobre Islamabad.
Risco para Musharraf
O Paquistão, que desde o início
da guerra ao terror vem recebendo altas somas de Washington como recompensa por sua cooperação, vive, todavia, uma situação
delicada. Enquanto busca manter
boas relações com os americanos,
Musharraf não pode correr o risco de desagradar ao Exército, que
tem uma ala bastante influenciada pelos extremistas islâmicos.
"O caso de Musharraf é complexo. Se pressionar demais os radicais, será visto pelos militares como fantoche dos EUA e não conseguirá permanecer no poder. Se
não tomar cuidado, porém, perderá o apoio americano, o que
também seria fatal para suas aspirações políticas", avaliou Jaffrelot.
No filme de Obaid, um líder do
MMA diz que não há "saúde, moradias ou habitação" em Peshawar, capital da Fronteira Noroeste, e que isso contribui para o sucesso de sua coalizão. Buscar pôr
fim à corrupção e investir na infra-estrutura social talvez devam
ser as primeiras ações de Musharraf para tentar conter o crescimento do extremismo islâmico.
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