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São Paulo, sexta-feira, 07 de novembro de 2003

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COMENTÁRIO

Discurso do presidente faz omissões maliciosas

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Não há na história da Casa Branca discursos de presidentes que critiquem a democracia. Mas há formas diferentes de defendê-la. A tonalidade usada ontem por George W. Bush foi construtiva.
Algumas de suas afirmações -como o fato de a democratização não depender da ocidentalização institucional ou de a democracia não ser incompatível com o islamismo- poderiam ter sido feitas por cientistas políticos de esquerda ou lideranças liberais sem afinidades com a atual visão diplomática dos Estados Unidos.
Mas o pronunciamento traz omissões importantes.
Se é verdade que nos anos 70 eram apenas em torno de 40 os países democráticos, que hoje chegam a 120, o salto qualitativo não dependeu apenas de mudanças para melhor na consciência individual de governantes.
Dependeu sobretudo de reviravolta no clima político mundial. Com o fim da Guerra Fria, Washington abandonou a posição segundo a qual era sempre mais útil ajudar a instalar uma ditadura do que manter regimes representativos que fraquejassem diante dos comunistas e, por tabela, reforçassem a esfera de influência da então União Soviética.
Bush citou ontem um presidente, o republicano Ronald Reagan, como o personagem premonitório com relação à expansão mundial dos regimes democráticos. Teria mais razão se citasse Jimmy Carter, do Partido Democrata, que no final dos anos 70 colocou as liberdades civis como pivô de sua política externa.
É também curioso que Bush não tenha se referido à Rússia, onde as liberdades públicas são seriamente ameaçadas pelo autoritarismo do presidente Vladimir Putin. E tenha elogiado a autocrática Arábia Saudita, somente por ter prometido para 2005 as primeiras eleições de sua história de 71 anos. E, mesmo assim, só para a metade dos integrantes das Câmaras Municipais.
Seria irrealista exigir que um presidente não usasse dois pesos e duas medidas. Há interesses de seu país a serem preservados. Deixar de criticar o Paquistão -que tem armas atômicas e é autoritário- significa no fundo agradar um aliado comprometido com a guerra contra o terrorismo.
Segundo a mesma lógica, Bush citou pejorativamente Cuba e Coréia do Norte, que fazem parte de sua demonologia. E que são ditaduras comunistas semelhantes à da China, país que Bush, com outras palavras, disse estar no bom caminho, já que a economia de mercado levaria à emergência da democracia política.


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