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COMENTÁRIO
Discurso do presidente faz omissões maliciosas
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Não há na história da Casa
Branca discursos de presidentes
que critiquem a democracia. Mas
há formas diferentes de defendê-la. A tonalidade usada ontem por
George W. Bush foi construtiva.
Algumas de suas afirmações
-como o fato de a democratização não depender da ocidentalização institucional ou de a democracia não ser incompatível com o
islamismo- poderiam ter sido
feitas por cientistas políticos de
esquerda ou lideranças liberais
sem afinidades com a atual visão
diplomática dos Estados Unidos.
Mas o pronunciamento traz
omissões importantes.
Se é verdade que nos anos 70
eram apenas em torno de 40 os
países democráticos, que hoje
chegam a 120, o salto qualitativo
não dependeu apenas de mudanças para melhor na consciência
individual de governantes.
Dependeu sobretudo de reviravolta no clima político mundial.
Com o fim da Guerra Fria, Washington abandonou a posição segundo a qual era sempre mais útil
ajudar a instalar uma ditadura do
que manter regimes representativos que fraquejassem diante dos
comunistas e, por tabela, reforçassem a esfera de influência da
então União Soviética.
Bush citou ontem um presidente, o republicano Ronald Reagan,
como o personagem premonitório com relação à expansão mundial dos regimes democráticos.
Teria mais razão se citasse Jimmy
Carter, do Partido Democrata,
que no final dos anos 70 colocou
as liberdades civis como pivô de
sua política externa.
É também curioso que Bush
não tenha se referido à Rússia, onde as liberdades públicas são seriamente ameaçadas pelo autoritarismo do presidente Vladimir
Putin. E tenha elogiado a autocrática Arábia Saudita, somente por
ter prometido para 2005 as primeiras eleições de sua história de
71 anos. E, mesmo assim, só para
a metade dos integrantes das Câmaras Municipais.
Seria irrealista exigir que um
presidente não usasse dois pesos e
duas medidas. Há interesses de
seu país a serem preservados. Deixar de criticar o Paquistão -que
tem armas atômicas e é autoritário- significa no fundo agradar
um aliado comprometido com a
guerra contra o terrorismo.
Segundo a mesma lógica, Bush
citou pejorativamente Cuba e Coréia do Norte, que fazem parte de
sua demonologia. E que são ditaduras comunistas semelhantes à
da China, país que Bush, com outras palavras, disse estar no bom
caminho, já que a economia de
mercado levaria à emergência da
democracia política.
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