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15 ANOS DEPOIS
Réplica de 200 metros do símbolo da Guerra Fria instalada ao lado do local original provoca reações na Alemanha
"Refeito", Muro de Berlim volta a dividir
FABIO SCHIVARTCHE
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
O Muro está de volta. E tomou a
cidade de Berlim com a mesma
polêmica cortante com que dividiu o planeta em dois mundos durante 28 anos.
Trata-se de uma réplica do Muro original, com cerca de 200 metros de extensão, construída na
região central da cidade e seguindo a mesma trajetória da muralha
que virou o símbolo da Guerra
Fria. Tem 2,30 metros de altura e
está toda pintada de branco, bem
diferente dos trechos restantes e
dispersos por Berlim, pichados e
carcomidos pelo tempo, com a
ferrugem da armação metálica
exposta sinalizando que na terça-feira os alemães celebrarão os 15
anos de sua queda.
Ao lado do muro refeito, há
uma instalação com 1.065 cruzes
cravadas no chão. No topo de cada uma, a foto e uma pequena
biografia das vítimas alemãs
orientais que perderam suas vidas
tentando fugir do regime comunista. A maioria morreu baleada
pelos policiais que guardavam a
fronteira e impediam o êxodo para o oeste capitalista.
A idéia de fazer esse memorial,
intitulado "Tudo o que eles queriam era a liberdade", partiu da
ucraniana Alexandra Hildebrandt, dona do Museu Checkpoint Charlie, que conta a história
do Muro de sua ascensão (1961) à
sua queda (1989). "É uma parte da
história alemã que precisamos
preservar", disse ela à Folha na última segunda-feira, um dia depois
de inaugurar a exposição e ganhar
a capa de todos os jornais locais.
Houve elogios, principalmente
de familiares das vítimas. Defenderam o Muro e as cruzes com
um argumento educativo, de que
é preciso lembrar as novas gerações de um passado recente que o
governo tenta varrer para debaixo
do tapete do mundo globalizado
com a reintegração das duas Alemanhas. Mas as críticas negativas
ecoaram por toda a semana, colocando até mesmo em risco a continuidade da exposição.
O terreno de 8.000 m2 onde foi
reconstruído o Muro, bem em
frente ao museu de frau Hildebrandt, como é chamada pela imprensa local, foi vendido em 1990
a investidores privados. Para usar
a área, a diretora já pagou 116
mil desde o início do ano. Ela quer
comprar o terreno para manter a
exposição -e o novo muro-
permanentemente. Os proprietários ainda não se decidiram. Mas
o governo, que tem de dar o aval
para a compra, é contra o projeto.
A senadora para o Desenvolvimento do Estado, Ingeborg Junge-Reyer, disse que a exposição
"passou do limite suportável".
"As cruzes foram colocadas em
uma disposição que nos lembra o
Holocausto [extermínio de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra]. É um exagero comparar os dois fatos. São coisas distintas, não vamos confundi-las."
O senador Thomas Flieri, responsável pela área de cultura da
cidade, afirmou que há poucas
chances de o projeto se tornar
permanente. A permissão legal
para o uso do terreno termina em
dezembro.
"Eles fazem críticas baratas", diz
frau Hildebrandt, que, enquanto
vê aumentar as filas para seu concorrido museu, já articula manifestações pela cidade com associações de familiares das vítimas.
"Expor a violência do antigo regime comunista é um dever da cidade. Eram os nossos filhos", gritava Ursula Junemann, 80, no dia
da inauguração. Ela perdeu seu filho Burkhard, de 23 anos, em
1974. Foi morto a tiros ao tentar
pular o Muro.
Até Serguei Kruschev, filho de
um dos principais líderes soviéticos na Guerra Fria, Nikita Kruschev, foi dar seu apoio ao memorial. "É o lugar certo para essa homenagem. Os alemães não podem esquecer sua história."
Ninguém ficou em cima do muro na hora de opinar sobre a instalação. "Os políticos assassinos de
ontem sentam-se hoje no Senado
de Berlim. Se a exposição for desmontada por interferência política, terei vergonha de continuar
morando aqui", afirmou Frank
Schmidt, preso por cinco anos ao
tentar pular o Muro para o lado
ocidental.
O aposentado espanhol Paco
Ponce, que mora no lado oriental
de Berlim desde o ano da construção do Muro, discorda. "Estão fazendo a espetacularização de uma
coisa muito triste em nossas vidas. A exposição é de um oportunismo descabido. Além do mais,
já existem dois memoriais das vítimas do Muro na cidade."
A viagem do jornalista Fabio Schivartche
a Berlim foi parcialmente custeada pelo
Ministério das Relações Exteriores da
Alemanha.
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