São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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15 ANOS DEPOIS

Réplica de 200 metros do símbolo da Guerra Fria instalada ao lado do local original provoca reações na Alemanha

"Refeito", Muro de Berlim volta a dividir

FABIO SCHIVARTCHE
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

O Muro está de volta. E tomou a cidade de Berlim com a mesma polêmica cortante com que dividiu o planeta em dois mundos durante 28 anos.
Trata-se de uma réplica do Muro original, com cerca de 200 metros de extensão, construída na região central da cidade e seguindo a mesma trajetória da muralha que virou o símbolo da Guerra Fria. Tem 2,30 metros de altura e está toda pintada de branco, bem diferente dos trechos restantes e dispersos por Berlim, pichados e carcomidos pelo tempo, com a ferrugem da armação metálica exposta sinalizando que na terça-feira os alemães celebrarão os 15 anos de sua queda.
Ao lado do muro refeito, há uma instalação com 1.065 cruzes cravadas no chão. No topo de cada uma, a foto e uma pequena biografia das vítimas alemãs orientais que perderam suas vidas tentando fugir do regime comunista. A maioria morreu baleada pelos policiais que guardavam a fronteira e impediam o êxodo para o oeste capitalista.
A idéia de fazer esse memorial, intitulado "Tudo o que eles queriam era a liberdade", partiu da ucraniana Alexandra Hildebrandt, dona do Museu Checkpoint Charlie, que conta a história do Muro de sua ascensão (1961) à sua queda (1989). "É uma parte da história alemã que precisamos preservar", disse ela à Folha na última segunda-feira, um dia depois de inaugurar a exposição e ganhar a capa de todos os jornais locais.
Houve elogios, principalmente de familiares das vítimas. Defenderam o Muro e as cruzes com um argumento educativo, de que é preciso lembrar as novas gerações de um passado recente que o governo tenta varrer para debaixo do tapete do mundo globalizado com a reintegração das duas Alemanhas. Mas as críticas negativas ecoaram por toda a semana, colocando até mesmo em risco a continuidade da exposição.
O terreno de 8.000 m2 onde foi reconstruído o Muro, bem em frente ao museu de frau Hildebrandt, como é chamada pela imprensa local, foi vendido em 1990 a investidores privados. Para usar a área, a diretora já pagou 116 mil desde o início do ano. Ela quer comprar o terreno para manter a exposição -e o novo muro- permanentemente. Os proprietários ainda não se decidiram. Mas o governo, que tem de dar o aval para a compra, é contra o projeto.
A senadora para o Desenvolvimento do Estado, Ingeborg Junge-Reyer, disse que a exposição "passou do limite suportável". "As cruzes foram colocadas em uma disposição que nos lembra o Holocausto [extermínio de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra]. É um exagero comparar os dois fatos. São coisas distintas, não vamos confundi-las."
O senador Thomas Flieri, responsável pela área de cultura da cidade, afirmou que há poucas chances de o projeto se tornar permanente. A permissão legal para o uso do terreno termina em dezembro.
"Eles fazem críticas baratas", diz frau Hildebrandt, que, enquanto vê aumentar as filas para seu concorrido museu, já articula manifestações pela cidade com associações de familiares das vítimas.
"Expor a violência do antigo regime comunista é um dever da cidade. Eram os nossos filhos", gritava Ursula Junemann, 80, no dia da inauguração. Ela perdeu seu filho Burkhard, de 23 anos, em 1974. Foi morto a tiros ao tentar pular o Muro.
Até Serguei Kruschev, filho de um dos principais líderes soviéticos na Guerra Fria, Nikita Kruschev, foi dar seu apoio ao memorial. "É o lugar certo para essa homenagem. Os alemães não podem esquecer sua história."
Ninguém ficou em cima do muro na hora de opinar sobre a instalação. "Os políticos assassinos de ontem sentam-se hoje no Senado de Berlim. Se a exposição for desmontada por interferência política, terei vergonha de continuar morando aqui", afirmou Frank Schmidt, preso por cinco anos ao tentar pular o Muro para o lado ocidental.
O aposentado espanhol Paco Ponce, que mora no lado oriental de Berlim desde o ano da construção do Muro, discorda. "Estão fazendo a espetacularização de uma coisa muito triste em nossas vidas. A exposição é de um oportunismo descabido. Além do mais, já existem dois memoriais das vítimas do Muro na cidade."


A viagem do jornalista Fabio Schivartche a Berlim foi parcialmente custeada pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.


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