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BÁLCÃS
Foragido, líder sérvio da Bósnia escreve história de amor
Criminoso de guerra caçado pela Otan, Karadzic lança um romance
VESNA PERIC ZIMONJIC
DO "INDEPENDENT", EM BELGRADO
O mundo pode estar querendo
perguntar a Radovan Karadzic
sobre o massacre de 7.000 homens e garotos muçulmanos, mas
o criminoso de guerra prefere falar de amor. Caçado pela Otan há
mais de oito anos, acusado de genocídio pelo Tribunal Penal Internacional da ONU, em Haia, na
Holanda, na Guerra da Bósnia,
Karadzic escreveu um romance,
uma história de amor, apresentado recentemente a admiradores
extremistas sérvios em Belgrado.
Radovan Karadzic era o líder
sérvio da Bósnia da época da
guerra (1992-95). Ele foi indiciado, entre outros crimes, pelo massacre de Srbrenica, onde tropas
sérvias mataram milhares de homens e meninos muçulmanos.
Há anos é o homem mais procurado dos Bálcãs e acredita-se que
ainda esteja na região. Encontrá-lo, porém, é uma tarefa difícil uma
vez que conta com uma rede de
proteção composta por membros, inclusive, do Partido Democrático Sérvio (SDS), da Igreja Ortodoxa e da polícia da Sérvia.
Seu livro, "Crônica Milagrosa
da Noite", foi lançado na livraria
Nikola Pasic, que vende literatura
sérvia mordaz. Em outra parte de
Belgrado, outro livro, esse de autoria de Mira Markovic, mulher
do ex-ditador iugoslavo Slobodan
Milosevic, era lançado. Milosevic
também é acusado de crimes de
guerra e está sendo julgado no
mesmo tribunal.
Obviamente, nem Karadzic
nem Markovic compareceram
aos lançamentos. Mas ambos ainda recebem muito apoio, e seus
fãs compareceram às dezenas aos
dois lançamentos. "Radovan não
estará aqui conosco hoje. Ele está
longe tanto de seus amigos quanto de seus inimigos", afirmou Miroslav Toholj, editor do livro de
Karadzic, descrito como "autobiografia e história de amor".
A história é ambientada numa
cidade chamada apenas de "S"
mas que é facilmente reconhecível como sendo a capital bósnia,
Sarajevo, e documenta o romance
entre um psiquiatra sérvio bósnio
e sua mulher nas décadas de 1970
e 1980. Consta que muitas das figuras que acabaram por dominar
a política dos Bálcãs nos anos 1990
são claramente reconhecíveis no
livro, cuja capa mostra Karadzic à
paisana. Psiquiatra, Karadzic dizia-se poeta. Em 20 anos, publicou uma dúzia de livros.
Toholj afirmou que "a autenticidade do livro não está em dúvida". Karadzic teria começado a
escrevê-lo antes da guerra da Bósnia e o teria terminado em agosto
passado, disse Toholj, que especificou ter recebido o manuscrito
por e-mail. O paradeiro de Karadzic continua a ser segredo, mas
acredita-se que ele se esconda nas
regiões de fronteira do leste da
Bósnia e norte de Montenegro. A
última notícia oficial que se teve
dele data de julho passado, quando ao menos 60 políticos sérvios
da Bósnia foram destituídos pela
comunidade internacional porque o deixaram escapar.
O lançamento aconteceu depois
de as autoridades sérvias bósnias
terem admitido, pela primeira
vez, a escala total do massacre de
muçulmanos em 1995. Na semana passada uma comissão de investigação relatou que mais de
7.000 pessoas foram massacradas
em Srbrenica quando forças sérvias invadiram o encrave. Foi a
pior atrocidade cometida na Europa desde a Segunda Guerra.
Muitos sérvios negam que o crime tenha ocorrido e vêem Karadzic como herói de guerra. Seu irmão, Luka, garante que "Radovan
está bem, inclusive de saúde".
Quase tão produtiva quanto Karadzic tem sido Mira Markovic,
que fugiu do país em fevereiro de
2003 e é conhecida pelo apelido de
"Lady Macbeth dos Bálcãs".
Sua obra mais recente, intitulada "Guarde este Livro" e publicada por seu partido, o quase extinto JUL, de esquerda, traz uma série de entrevistas que Markovic
concedeu a escritores. Sua amiga
Ljubisa Ristic descreve o livro como "significativo".
Acredita-se que Markovic esteja
vivendo em Moscou com seu filho Marko Milosevic, que se tornou notório por lucrar ilegalmente com a guerra durante o governo de seu pai. A maioria dos livros
publicados por Mira Markovic
contém suas reflexões sobre a
guerra, a paz, a família e flores.
Durante o governo de seu marido, o diário de Markovic era publicado por algumas revistas sérvias, sendo visto como "horóscopo político".
Tradução de Clara Allain
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