São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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BÁLCÃS

Foragido, líder sérvio da Bósnia escreve história de amor

Criminoso de guerra caçado pela Otan, Karadzic lança um romance

VESNA PERIC ZIMONJIC
DO "INDEPENDENT", EM BELGRADO

O mundo pode estar querendo perguntar a Radovan Karadzic sobre o massacre de 7.000 homens e garotos muçulmanos, mas o criminoso de guerra prefere falar de amor. Caçado pela Otan há mais de oito anos, acusado de genocídio pelo Tribunal Penal Internacional da ONU, em Haia, na Holanda, na Guerra da Bósnia, Karadzic escreveu um romance, uma história de amor, apresentado recentemente a admiradores extremistas sérvios em Belgrado.
Radovan Karadzic era o líder sérvio da Bósnia da época da guerra (1992-95). Ele foi indiciado, entre outros crimes, pelo massacre de Srbrenica, onde tropas sérvias mataram milhares de homens e meninos muçulmanos. Há anos é o homem mais procurado dos Bálcãs e acredita-se que ainda esteja na região. Encontrá-lo, porém, é uma tarefa difícil uma vez que conta com uma rede de proteção composta por membros, inclusive, do Partido Democrático Sérvio (SDS), da Igreja Ortodoxa e da polícia da Sérvia.
Seu livro, "Crônica Milagrosa da Noite", foi lançado na livraria Nikola Pasic, que vende literatura sérvia mordaz. Em outra parte de Belgrado, outro livro, esse de autoria de Mira Markovic, mulher do ex-ditador iugoslavo Slobodan Milosevic, era lançado. Milosevic também é acusado de crimes de guerra e está sendo julgado no mesmo tribunal.
Obviamente, nem Karadzic nem Markovic compareceram aos lançamentos. Mas ambos ainda recebem muito apoio, e seus fãs compareceram às dezenas aos dois lançamentos. "Radovan não estará aqui conosco hoje. Ele está longe tanto de seus amigos quanto de seus inimigos", afirmou Miroslav Toholj, editor do livro de Karadzic, descrito como "autobiografia e história de amor".
A história é ambientada numa cidade chamada apenas de "S" mas que é facilmente reconhecível como sendo a capital bósnia, Sarajevo, e documenta o romance entre um psiquiatra sérvio bósnio e sua mulher nas décadas de 1970 e 1980. Consta que muitas das figuras que acabaram por dominar a política dos Bálcãs nos anos 1990 são claramente reconhecíveis no livro, cuja capa mostra Karadzic à paisana. Psiquiatra, Karadzic dizia-se poeta. Em 20 anos, publicou uma dúzia de livros.
Toholj afirmou que "a autenticidade do livro não está em dúvida". Karadzic teria começado a escrevê-lo antes da guerra da Bósnia e o teria terminado em agosto passado, disse Toholj, que especificou ter recebido o manuscrito por e-mail. O paradeiro de Karadzic continua a ser segredo, mas acredita-se que ele se esconda nas regiões de fronteira do leste da Bósnia e norte de Montenegro. A última notícia oficial que se teve dele data de julho passado, quando ao menos 60 políticos sérvios da Bósnia foram destituídos pela comunidade internacional porque o deixaram escapar.
O lançamento aconteceu depois de as autoridades sérvias bósnias terem admitido, pela primeira vez, a escala total do massacre de muçulmanos em 1995. Na semana passada uma comissão de investigação relatou que mais de 7.000 pessoas foram massacradas em Srbrenica quando forças sérvias invadiram o encrave. Foi a pior atrocidade cometida na Europa desde a Segunda Guerra.
Muitos sérvios negam que o crime tenha ocorrido e vêem Karadzic como herói de guerra. Seu irmão, Luka, garante que "Radovan está bem, inclusive de saúde".
Quase tão produtiva quanto Karadzic tem sido Mira Markovic, que fugiu do país em fevereiro de 2003 e é conhecida pelo apelido de "Lady Macbeth dos Bálcãs".
Sua obra mais recente, intitulada "Guarde este Livro" e publicada por seu partido, o quase extinto JUL, de esquerda, traz uma série de entrevistas que Markovic concedeu a escritores. Sua amiga Ljubisa Ristic descreve o livro como "significativo".
Acredita-se que Markovic esteja vivendo em Moscou com seu filho Marko Milosevic, que se tornou notório por lucrar ilegalmente com a guerra durante o governo de seu pai. A maioria dos livros publicados por Mira Markovic contém suas reflexões sobre a guerra, a paz, a família e flores. Durante o governo de seu marido, o diário de Markovic era publicado por algumas revistas sérvias, sendo visto como "horóscopo político".


Tradução de Clara Allain


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