São Paulo, quinta-feira, 07 de dezembro de 2000

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IMPASSE NO IMPÉRIO

Objetivo seria dar saída honrosa ao adversário; Suprema Corte da Flórida discute hoje recurso democrata

Reuters
Bush, com Condoleezza Rice, dá entrevista em Austim, no Texas


MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Quanto mais perto fica da Presidência dos Estados Unidos, o candidato republicano, George W. Bush, governador do Texas, suaviza suas referências a seu adversário democrata, o vice-presidente Al Gore.
Enquanto isso, advogados dos dois lados seguem travando acirradas batalhas nos tribunais da Flórida, que completam hoje um mês -as eleições ocorreram em 7 de novembro.
Talvez para garantir a Gore uma saída honrosa para o conflito eleitoral e reduzir o clima belicoso que se formou entre democratas e republicanos, Bush dedica cada vez mais palavras generosas a seu adversário, numa das eleições mais disputadas da história dos EUA.
Na terça-feira à noite, questionado numa entrevista à TV CBS se Gore era um "mau perdedor", Bush respondeu: "De maneira alguma. Veja: eu e ele dividimos uma coisa em comum. Colocamos nossos corações e almas nessa campanha. Ele deu tudo o que tinha, tanto quanto eu. Seja lá o que acontecer, estou confiante que ele fará a coisa certa para o país, assim como eu. Acho que ele está fazendo o que ele julga ser certo".
No dia anterior, Bush negou-se a repetir os apelos que já havia feito para que Gore reconhecesse a derrota e orientou jornalistas e assessores a não o chamar de presidente eleito ainda. "Sinto que ganhei as eleições, mas meu adversário tomou a decisão de continuar a contestá-las, que entendo. Até o final das eleições, espero que as pessoas me chamem de governador."
Bush, no entanto, continua portando-se como presidente eleito. Ontem, ele se reuniu com sua provável assessora para assuntos de segurança nacional, a professora Condoleezza Rice, para discutir política externa.
O tom conciliatório dessas declarações contrasta com as afirmações dadas por Bush e por seu companheiro de chapa, Richard Cheney, durante os 30 dias nos quais as eleições norte-americanas transformaram-se numa das maiores confusões políticas da história do país.
Bush já foi declarado oficialmente o vencedor na Flórida, no dia 26 de novembro, por uma vantagem de 537 votos sobre Gore. Isso daria a Presidência ao republicano, pois quem levar os 25 votos do Estado no Colégio Eleitoral obterá a maioria de 270 votos no órgão que elege o presidente, no próximo dia 18.
Mas Gore usou lei que lhe permite recorrer do resultado oficial após ele ser anunciado. Ele quer que 14 mil votos não computados pelas máquinas de apuração sejam contados manualmente para ver se há uma intenção de voto clara que possa validá-los e, com eles, vencer a disputa.
Mas Gore corre contra o relógio. A Flórida tem até o dia 12 para nomear seus 25 delegados ao Colégio Eleitoral. O novo presidente tomará posse no dia 20 de janeiro.
O tom conciliatório de Bush coincide com o pior momento para Gore durante esse conflito. As chances eleitorais do democrata dependem agora de uma apelação que fez à Suprema Corte da Flórida para recontar manualmente os 14 mil votos problemáticos dos condados de Miami-Dade, Nassau e Palm Beach.
Um juiz negou o pedido de recontagem na segunda, e o Supremo estadual ouvirá os argumentos dos dois lados hoje para ver se aceita o apelo. A corte máxima do Estado é formada por sete juízes -seis deles indicados por governadores democratas. Já decidiu a favor de Gore, mas a sentença do juiz N. Saunders Sauls contra o pedido de recontagem foi bastante enfática, o que pode reduzir as chances de sucesso do apelo.
O recurso é visto por líderes democratas e republicanos como o último round da batalha pela Casa Branca.
No entanto, ao menos publicamente, Gore demonstrou anteontem estar disposto a permanecer no conflito mesmo se perder no Supremo estadual, apesar de estar sendo pressionado por parte do público, que já perdeu a paciência com a indefinição eleitoral, e por setores de seu partido, cada vez mais céticos.
O vice-presidente mencionou ter esperanças em relação a dois processos movidos por eleitores democratas nos condados de Seminole e de Martin.
Esses eleitores tentam anular milhares de votos a Bush enviados do exterior.
Eles alegam que, antes das eleições, supervisores eleitorais permitiram, de forma irregular, que representantes do Partido Republicano corrigissem requisições de cédulas preenchidas equivocadamente e enviadas por militares republicanos no exterior.
O processo mais sensível para os republicanos é o do condado de Seminole, que está sendo julgado pela juíza Nikki Clark, indicada por um governador democrata e preterida recentemente pelo governador da Flórida, Jeb Bush, irmão do candidato republicano, numa promoção dentro da carreira da magistratura.
No processo que está nas mãos da juíza Clark, Gerald Richman, um advogado que milita no Partido Democrata, pede que todos os votos de Seminole vindos do exterior sejam descartados porque só 2.000 votos republicanos puderam ser corrigidos. Isso daria a Gore um ganho de 4.800 votos e a Presidência dos EUA.
Gore não participa diretamente dos processos contra os votos do exterior e mantém distância deles, talvez porque defenda o argumento de que todo voto deve ser contado se a intenção do eleitor estiver manifesta, o que é o caso.
Num sinal de que a batalha legal pode seguir por muito tempo se um dos candidatos não desistir, o reverendo Jesse Jackson, democrata e ativista negro, anunciou ontem que estava abrindo nova ação em nome de 27 mil eleitores do condado de Duval, a maioria de áreas predominantemente democratas, que teriam sido descartados de forma irregular.


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