|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMENTÁRIO
Bush deve moderar proposta
PAUL KRUGMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"
E stá na moda dizer que, se e
quando George W. Bush chegar à Casa Branca, seu vice, Dick
Cheney, será o presidente "de facto". Pode ser uma idéia injusta
-ou mesmo um caso de afirmar
algo que se deseja que fosse verdade. Seja como for, foi Cheney, no
último fim-de-semana, quem ofereceu os primeiros indícios pós-eleitorais sobre como será a política econômica de Bush. E as notícias não são boas.
Com mais confiança em sua
previsão do que qualquer economista profissional que eu conheça, Cheney sugeriu que temos
uma recessão pela frente. E isso,
argumentou, significa que devemos seguir logo com aquele corte
de US$ 1,6 trilhão nos impostos.
Por que isso é má notícia? Vou
apresentar as razões.
Em primeiro lugar, as observações de Cheney, tomadas ao pé da
letra, foram as de um keynesiano
barato -alguém que se pauta
pela teoria hoje desacreditada de
que os impostos e os gastos devem
ser manipulados rotineiramente
numa tentativa de "fazer ajustes
delicados" na economia. Décadas
de experiência mostram que é
uma má idéia -que, quando os
governos procuram combater as
recessões menores com reduções
de impostos ou aumentos nos gastos, eles quase sempre erram.
Quando o Congresso termina de
negociar quem vai receber o que e
coloca a nova lei em vigor, a recessão geralmente já terminou
-e o estímulo fiscal chega quando é menos necessário.
A manipulação e a dinamização fiscal têm seu lugar correto: é
apropriada diante de recessões
profundas e persistentes. Mas,
quando não é esse o caso, devemos fazer orçamentos para o longo prazo e deixar que o Fed (banco central dos EUA) lide com os
problemas de curto prazo, ajustando as taxas de juros. É preocupante saber que Cheney parece ignorar essa regra básica.
O argumento de Cheney também soa estranho quando recordamos que, durante a campanha,
os assessores de Bush fizeram
questão de argumentar que os
cortes que ele propõe nos impostos não terão como efeito o fortalecimento da demanda. Seu próprio guru econômico, Lawrence
Lindsey, declarou que cortes nos
impostos não vão superaquecer
ainda mais uma economia em alta, porque serão introduzidos
gradativamente. Até que ponto
será esse "gradativamente"?
Lindsey afirmou que "ninguém
sabe quais serão as circunstâncias
econômicas em 2004 ou 2005". O
que ele deixou de mencionar foi
que, embora as promessas de reduções futuras nos impostos provavelmente não levem os consumidores a gastar mais hoje, os
corretores de títulos de dívida têm
uma perspectiva de mais longo
prazo. Compreendendo que o governo vai passar a pagar uma
parte menor de suas dívidas, eles
vão elevar os juros de longo prazo
imediatamente, causando uma
queda nos investimentos.
Mas não quero acusar os senhores Cheney e Bush de incoerência.
Na realidade, não acredito que
eles não passem de keynesianos
baratos. Eles podem advogar cortes nos impostos quando a economia está em queda, alegando que
essa medida a fará se reerguer,
mas eles também advogam cortes
nos impostos durante as fases de
boom. Logo, são inteiramente
coerentes: querem cortar impostos sempre. A única coisa que muda segundo o estado da economia
é o argumento que usam para
justificar suas propostas.
E está aí o aspecto mais grave
das observações feitas por Cheney. Elas nos levam a crer que a
natureza questionável de uma vitória eventual de Bush não a leva
a sentir-se na menor obrigação de
moderar suas atitudes.
Muitas pessoas já argumentaram que Bush, tendo perdido o
voto popular nacional e vencido
na Flórida (se é que venceu) de
uma maneira que deixa dúvidas
quanto a sua legitimidade, vai
procurar tranquilizar o país com
políticas centristas. Presume-se,
entre outras coisas, que os enormes cortes nos impostos pagos pelos ricos que foram o elemento
central da campanha de Bush tenham sido pelo menos adiados. A
revista "The Economist", que tomou o partido de Bush e continua
a acreditar que ele é mais moderado que seu partido, chegou ao
ponto de sugerir que ele possa
manter Lawrence Summers, conhecido defensor da austeridade,
como seu secretário do Tesouro.
Acho que isso não passa de crença
de que o que se deseja irá acontecer. Cheney já reafirmou a intenção de realizar os cortes irresponsáveis nos impostos.
Texto Anterior: Impasse no império: Bush suaviza declarações sobre Gore Próximo Texto: Diplomacia: Líderes tentam definir expansão da UE Índice
|