São Paulo, quinta-feira, 07 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMENTÁRIO

Bush deve moderar proposta

PAUL KRUGMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

E stá na moda dizer que, se e quando George W. Bush chegar à Casa Branca, seu vice, Dick Cheney, será o presidente "de facto". Pode ser uma idéia injusta -ou mesmo um caso de afirmar algo que se deseja que fosse verdade. Seja como for, foi Cheney, no último fim-de-semana, quem ofereceu os primeiros indícios pós-eleitorais sobre como será a política econômica de Bush. E as notícias não são boas.
Com mais confiança em sua previsão do que qualquer economista profissional que eu conheça, Cheney sugeriu que temos uma recessão pela frente. E isso, argumentou, significa que devemos seguir logo com aquele corte de US$ 1,6 trilhão nos impostos.
Por que isso é má notícia? Vou apresentar as razões.
Em primeiro lugar, as observações de Cheney, tomadas ao pé da letra, foram as de um keynesiano barato -alguém que se pauta pela teoria hoje desacreditada de que os impostos e os gastos devem ser manipulados rotineiramente numa tentativa de "fazer ajustes delicados" na economia. Décadas de experiência mostram que é uma má idéia -que, quando os governos procuram combater as recessões menores com reduções de impostos ou aumentos nos gastos, eles quase sempre erram. Quando o Congresso termina de negociar quem vai receber o que e coloca a nova lei em vigor, a recessão geralmente já terminou -e o estímulo fiscal chega quando é menos necessário.
A manipulação e a dinamização fiscal têm seu lugar correto: é apropriada diante de recessões profundas e persistentes. Mas, quando não é esse o caso, devemos fazer orçamentos para o longo prazo e deixar que o Fed (banco central dos EUA) lide com os problemas de curto prazo, ajustando as taxas de juros. É preocupante saber que Cheney parece ignorar essa regra básica.
O argumento de Cheney também soa estranho quando recordamos que, durante a campanha, os assessores de Bush fizeram questão de argumentar que os cortes que ele propõe nos impostos não terão como efeito o fortalecimento da demanda. Seu próprio guru econômico, Lawrence Lindsey, declarou que cortes nos impostos não vão superaquecer ainda mais uma economia em alta, porque serão introduzidos gradativamente. Até que ponto será esse "gradativamente"? Lindsey afirmou que "ninguém sabe quais serão as circunstâncias econômicas em 2004 ou 2005". O que ele deixou de mencionar foi que, embora as promessas de reduções futuras nos impostos provavelmente não levem os consumidores a gastar mais hoje, os corretores de títulos de dívida têm uma perspectiva de mais longo prazo. Compreendendo que o governo vai passar a pagar uma parte menor de suas dívidas, eles vão elevar os juros de longo prazo imediatamente, causando uma queda nos investimentos.
Mas não quero acusar os senhores Cheney e Bush de incoerência. Na realidade, não acredito que eles não passem de keynesianos baratos. Eles podem advogar cortes nos impostos quando a economia está em queda, alegando que essa medida a fará se reerguer, mas eles também advogam cortes nos impostos durante as fases de boom. Logo, são inteiramente coerentes: querem cortar impostos sempre. A única coisa que muda segundo o estado da economia é o argumento que usam para justificar suas propostas.
E está aí o aspecto mais grave das observações feitas por Cheney. Elas nos levam a crer que a natureza questionável de uma vitória eventual de Bush não a leva a sentir-se na menor obrigação de moderar suas atitudes.
Muitas pessoas já argumentaram que Bush, tendo perdido o voto popular nacional e vencido na Flórida (se é que venceu) de uma maneira que deixa dúvidas quanto a sua legitimidade, vai procurar tranquilizar o país com políticas centristas. Presume-se, entre outras coisas, que os enormes cortes nos impostos pagos pelos ricos que foram o elemento central da campanha de Bush tenham sido pelo menos adiados. A revista "The Economist", que tomou o partido de Bush e continua a acreditar que ele é mais moderado que seu partido, chegou ao ponto de sugerir que ele possa manter Lawrence Summers, conhecido defensor da austeridade, como seu secretário do Tesouro. Acho que isso não passa de crença de que o que se deseja irá acontecer. Cheney já reafirmou a intenção de realizar os cortes irresponsáveis nos impostos.


Texto Anterior: Impasse no império: Bush suaviza declarações sobre Gore
Próximo Texto: Diplomacia: Líderes tentam definir expansão da UE
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.