|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Sauditas saem da sombra para conter Irã
Gestões nas crises do Iraque, Líbano e Palestina mostram disposição da monarquia em contrabalançar a ascensão do rival
Diplomacia de bastidores dá lugar à nova orientação, que
ocorre sob influência dos EUA e da disputa regional crescente de xiitas e sunitas
MICHAEL SLACKMAN
E HASSAN M. FATTAH
DO "NEW YORK TIMES",
EM JIDDA, ARÁBIA SAUDITA
Diante da perspectiva de três
guerras civis no Oriente Médio
-e com o Irã se configurando
como provável beneficiário de
todas elas-, a Arábia Saudita
abandonou sua discreta diplomacia de "talão de cheques" e
assumiu um papel assertivo e
central na reformulação dos
conflitos da região.
Desde terça-feira o reino
acolhe em Meca os líderes das
duas facções palestinas conflitantes, Hamas e Fatah, num
encontro planejado para formar um governo de união. No
ano passado, funcionários sauditas discutiram em sigilo com
dirigentes israelenses a criação
de um Estado palestino.
Nos últimos meses, a Arábia
Saudita aumentou seu envolvimento público com o Iraque e
seu apoio ao governo libanês liderado por sunitas. De acordo
com diplomatas, analistas e autoridades sauditas, o processo
está se configurando como uma
contra-ofensiva aos esforços do
Irã para estabelecer-se como
superpotência regional. Alguns
dizem que o compromisso saudita assumido recentemente de
moderar o preço do petróleo
tem o objetivo de abalar a economia iraniana.
"Percebemos que precisamos acordar", disse um alto diplomata saudita, que exigiu
anonimato porque não é autorizado a falar com a imprensa.
"Alguém soou o alarme: "Cuidado, algo está se mexendo"."
A mudança de atitude está
ocorrendo com o encorajamento do governo Bush. O objetivo
é chegar a uma aliança de Estados árabes sunitas que inclua
Arábia Saudita, Jordânia, Líbano e Egito, além de uma Palestina liderada pelo Fatah e de Israel, fazendo oposição ao Irã,
Síria e os grupos radicais que
esses dois países apóiam.
Entretanto, as metas de Riad
podem nem sempre estar alinhadas com as da Casa Branca.
O esforço saudita é feito em
colaboração com os tradicionais aliados sauditas no golfo
Pérsico e com o Egito e a Jordânia, mas ele também representa outra mudança significativa
numa região que vem passando
por transformações profundas.
Elas estão ligadas à derrubada
de Saddam Hussein e à transferência do poder de sunitas para
xiitas no Iraque. Para diplomatas e analistas, elas remetem a
vários anos, começando com o
declínio gradual do Egito e a
queda da agenda pan-árabe.
"Os sauditas sentiram que o
Irã vem ganhando influência
na região, especialmente no
Iraque, Palestina e Líbano, e
que o papel desse país está minando sua atuação na região",
disse Muhammad al Sakr, chefe
do comitê de assuntos exteriores do Parlamento kuaitiano.
"Geralmente os sauditas preferem manobrar nos bastidores.
Ultimamente, porém, eles andam notavelmente ativos."
A Arábia Saudita já lançou
iniciativas públicas no passado,
incluindo uma em 2002, quando, numa reunião da Liga Árabe, propôs um acordo regional
de paz com Israel. Mas Riad
prefere operar sem alarde e
apenas recentemente começou
a adotar uma política pública.
"Não se trata de liderança
por escolha, mas de liderança
por necessidade", comentou
Gamal Abdel Gawad, especialista do Centro Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, do
Cairo. "Existe um vácuo de liderança na região, e a Arábia
Saudita precisa agir para
preencher esse vácuo. Se não o
fizer, o Irã o fará."
Os Estados Unidos, que estão
incentivando os sauditas a assumir esse papel, estão alarmados com a crescente influência
iraniana no Iraque e no Líbano
e com o governo do Hamas.
Mas os dois países, apesar de
compartilharem metas amplas,
têm visões diferentes dos atores de cada conflito.
Por exemplo, enquanto o governo Bush tende a ver o conflito no Iraque como sendo entre
aliados americanos e terroristas, os sauditas tendem a vê-lo
como sunitas versus xiitas
-eles apóiam os sunitas, os
EUA defendem o governo liderado por xiitas.
E, enquanto a Arábia Saudita
quer afastar o Hamas da influência do Irã e atraí-lo de volta para o rebanho árabe, os
EUA vêem o Hamas como organização terrorista.
Apesar disso, tanto Washington como Riad acreditam que
uma maneira importante de
obstruir a ação do Irã e amainar
os muitos incêndios que ardem
na região é resolver o conflito
israelo-palestino.
Nos últimos meses, o reino
vem recebendo líderes sunitas,
xiitas e também lideranças muçulmanas moderadas para várias reuniões, possivelmente na
tentativa de ressaltar o fato de
que é guardião dos locais mais
sagrados do islã. E decidiu que
vai ser anfitrião da próxima
reunião da Liga Árabe, em Riad.
Em entrevista recente, o rei
Abdullah lamentou que o Irã se
aproveite da falta de união entre os árabes. "Não queremos
que nenhuma outra parte manipule nossas causas, lucre ou
se fortaleça com elas", disse.
Tradução de CLARA ALLAIN
NA INTERNET - Leia íntegra em
www.folha.com.br/070383
Texto Anterior: Alemanha revive terror dos 1970 com pedido de libertação de condenados Próximo Texto: Tensão na fronteira: Exércitos de Israel e Líbano trocam tiros Índice
|