São Paulo, quinta-feira, 08 de fevereiro de 2007

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Sauditas saem da sombra para conter Irã

Gestões nas crises do Iraque, Líbano e Palestina mostram disposição da monarquia em contrabalançar a ascensão do rival

Diplomacia de bastidores dá lugar à nova orientação, que ocorre sob influência dos EUA e da disputa regional crescente de xiitas e sunitas

MICHAEL SLACKMAN
E HASSAN M. FATTAH

DO "NEW YORK TIMES", EM JIDDA, ARÁBIA SAUDITA

Diante da perspectiva de três guerras civis no Oriente Médio -e com o Irã se configurando como provável beneficiário de todas elas-, a Arábia Saudita abandonou sua discreta diplomacia de "talão de cheques" e assumiu um papel assertivo e central na reformulação dos conflitos da região.
Desde terça-feira o reino acolhe em Meca os líderes das duas facções palestinas conflitantes, Hamas e Fatah, num encontro planejado para formar um governo de união. No ano passado, funcionários sauditas discutiram em sigilo com dirigentes israelenses a criação de um Estado palestino.
Nos últimos meses, a Arábia Saudita aumentou seu envolvimento público com o Iraque e seu apoio ao governo libanês liderado por sunitas. De acordo com diplomatas, analistas e autoridades sauditas, o processo está se configurando como uma contra-ofensiva aos esforços do Irã para estabelecer-se como superpotência regional. Alguns dizem que o compromisso saudita assumido recentemente de moderar o preço do petróleo tem o objetivo de abalar a economia iraniana.
"Percebemos que precisamos acordar", disse um alto diplomata saudita, que exigiu anonimato porque não é autorizado a falar com a imprensa. "Alguém soou o alarme: "Cuidado, algo está se mexendo"." A mudança de atitude está ocorrendo com o encorajamento do governo Bush. O objetivo é chegar a uma aliança de Estados árabes sunitas que inclua Arábia Saudita, Jordânia, Líbano e Egito, além de uma Palestina liderada pelo Fatah e de Israel, fazendo oposição ao Irã, Síria e os grupos radicais que esses dois países apóiam. Entretanto, as metas de Riad podem nem sempre estar alinhadas com as da Casa Branca.
O esforço saudita é feito em colaboração com os tradicionais aliados sauditas no golfo Pérsico e com o Egito e a Jordânia, mas ele também representa outra mudança significativa numa região que vem passando por transformações profundas. Elas estão ligadas à derrubada de Saddam Hussein e à transferência do poder de sunitas para xiitas no Iraque. Para diplomatas e analistas, elas remetem a vários anos, começando com o declínio gradual do Egito e a queda da agenda pan-árabe.
"Os sauditas sentiram que o Irã vem ganhando influência na região, especialmente no Iraque, Palestina e Líbano, e que o papel desse país está minando sua atuação na região", disse Muhammad al Sakr, chefe do comitê de assuntos exteriores do Parlamento kuaitiano. "Geralmente os sauditas preferem manobrar nos bastidores. Ultimamente, porém, eles andam notavelmente ativos." A Arábia Saudita já lançou iniciativas públicas no passado, incluindo uma em 2002, quando, numa reunião da Liga Árabe, propôs um acordo regional de paz com Israel. Mas Riad prefere operar sem alarde e apenas recentemente começou a adotar uma política pública.
"Não se trata de liderança por escolha, mas de liderança por necessidade", comentou Gamal Abdel Gawad, especialista do Centro Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, do Cairo. "Existe um vácuo de liderança na região, e a Arábia Saudita precisa agir para preencher esse vácuo. Se não o fizer, o Irã o fará." Os Estados Unidos, que estão incentivando os sauditas a assumir esse papel, estão alarmados com a crescente influência iraniana no Iraque e no Líbano e com o governo do Hamas.
Mas os dois países, apesar de compartilharem metas amplas, têm visões diferentes dos atores de cada conflito. Por exemplo, enquanto o governo Bush tende a ver o conflito no Iraque como sendo entre aliados americanos e terroristas, os sauditas tendem a vê-lo como sunitas versus xiitas -eles apóiam os sunitas, os EUA defendem o governo liderado por xiitas. E, enquanto a Arábia Saudita quer afastar o Hamas da influência do Irã e atraí-lo de volta para o rebanho árabe, os EUA vêem o Hamas como organização terrorista. Apesar disso, tanto Washington como Riad acreditam que uma maneira importante de obstruir a ação do Irã e amainar os muitos incêndios que ardem na região é resolver o conflito israelo-palestino.
Nos últimos meses, o reino vem recebendo líderes sunitas, xiitas e também lideranças muçulmanas moderadas para várias reuniões, possivelmente na tentativa de ressaltar o fato de que é guardião dos locais mais sagrados do islã. E decidiu que vai ser anfitrião da próxima reunião da Liga Árabe, em Riad. Em entrevista recente, o rei Abdullah lamentou que o Irã se aproveite da falta de união entre os árabes. "Não queremos que nenhuma outra parte manipule nossas causas, lucre ou se fortaleça com elas", disse.


Tradução de CLARA ALLAIN

NA INTERNET - Leia íntegra em www.folha.com.br/070383



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