São Paulo, domingo, 8 de março de 1998

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CRISE NO PARAGUAI
Presidente negocia a prorrogação de seu mandato por mais dois anos e o adiamento das eleições
Wasmosy articula ficar até o ano 2000

Associated Press - 27.jul.97
O presidente Wasmosy, que articula a prorrogação de seu mandato


ELIANE CANTANHÊDE
enviada especial a Assunção

A melhor aposta, hoje, no Paraguai, é a de que o presidente Juan Carlos Wasmosy articula a prorrogação de seu mandato por dois anos, a partir de 15 de agosto, e poderá tentar em seguida eleger o chanceler Rubem Melgarejo Lanzoni, uma das estrelas em ascensão na política local.
Do outro lado, tenta-se costurar uma aliança que há bem pouco tempo seria considerada absurda: a de setores do Partido Colorado com os que lhe fazem oposição há décadas. Uma reprodução, guardadas as proporções, do que foi a Aliança Democrática entre a dissidência do PDS e o PMDB em 1984.
Wasmosy nega qualquer tentativa prorrogacionista, mas todos as suas atitudes políticas são nesse sentido e em duas frentes: afastar os possíveis candidatos do Partido Colorado e tentar minar judicialmente os prazos eleitorais.
É por isso que Wasmosy -um engenheiro que fez fama e fortuna na construção de Itaipu- não se cansa de dizer que vai cumprir a Constituição, para em seguida ressalvar: "Mas a quem eu entrego o poder se não houver eleições? Há uma lacuna constitucional sobre isso".
Sentença
O candidato oficial do Partido Colorado é o general da reserva Lino Oviedo -antigo homem forte do regime e autor de bravatas como expulsar o ditador Stroessner com uma granada nas mãos.
Oviedo está preso, sofre vários processos judiciais e tem poucas chances políticas de efetivamente participar da campanha. É possível que seja anunciada amanhã a decisão do Tribunal Militar Especial que o julga por tentativa de golpe de Estado, em abril de 1996.
Seu substituto natural, Raúl Cubas Grau, está sendo pressionado a renunciar. Ele também é um dos "muchachos de Itaipu", como Wasmosy, mas rompeu com ele e descambou para o lado de Oviedo. "Não se pode obrigar ninguém a renunciar, mas também não se pode obrigar ninguém a não renunciar", disse Wasmosy na semana passada, significativamente.
O terceiro na linha de sucessão como candidato colorado é Luis María Argaña, que acaba de se reconciliar com Wasmosy apesar de Assunção inteira saber que os dois se odeiam. Argaña está doente, tem crises de depressão e já perdeu duas vezes a indicação dos colorados para concorrer à Presidência.
Ações na justiça
Sem o candidato do partido que está há 50 anos no poder, a eleição também corre sérios riscos na Justiça. Há ações questionando tanto as primárias coloradas quanto as do Partido Liberal Radical Autêntico, da oposição. Em ambos, há denúncias de falsificação de atas.
Wasmosy convocou a igreja (os bispos começam a discutir oficialmente o assunto amanhã) para tentar uma saída político-diplomática para a possibilidade de não haver eleições na data marcada, 10 de maio. Ele não admite publicamente, mas uma dessas saídas é a prorrogação de seu mandato.
As oposições reagiram negativamente à proposta da igreja para uma espécie de pacto institucional: "Não participamos de pactos para violar a Constituição", disse o candidato da Aliança Democrática, Domingo Laíno.
Liberal, ele fez aliança com o Encontro Nacional, e agora dá um passo mais adiante: conversa com o polêmico Oviedo para tentar formar uma frente antigovernista.
Ou seja: de um lado, o presidente da República pode ser o principal beneficiário de um impasse; de outro, os seus adversários do partido oficial se aliam aos opositores de cinco décadas para tentar uma saída alternativa.
As dificuldades
Nenhuma das duas soluções, porém, é de fácil execução. Dos 45 senadores, 23 são de oposição e 22 governistas. Dos 80 deputados, 41 são de oposição e 39 governistas. Logo, Wasmosy terá sérias dificuldades para aprovar mudanças constitucionais que afetem cronograma e regras da atual eleição.
Do outro lado, a aproximação Oviedo-Laíno esbarra na realidade da política do Paraguai, onde os colorados dominam o país e a administração pública há meio século. A pergunta que se faz é: as bases que estão penduradas em cargos públicos e pequenos privilégios vão se arriscar a mudar de lado?
Dos quase 2 milhões de eleitores, 41,24% são filiados ao Partido Colorado, 23,12% ao Partido Liberal, 5,15% ao Encontro Nacional e 35,76% são "sin padrón", o que significa sem vinculação. Para a aventura da aliança dar certo, boa parte dos colorados precisaria aderir ao que se chama aqui de "voto traição".
De qualquer forma, Wasmosy deu o grande passo ao refazer suas relações com Argaña e deixá-lo crer que deverá ser o candidato. Oviedo e Laíno também deram o grande passo, ao admitir ostensivamente o diálogo.
Uma peça-chave na equação oposicionista é o empresário Conrado Pappalardo Zaldivar, dono da empresa de Engenharia Electron, ligado à maçonaria e considerado uma espécie de Rockefeller paraguaio.
Pappalardo foi expulso do Partido Colorado na última segunda, apesar de ser o grande patrocinador de campanhas. Motivo: a gravação de uma conversa sua com Rafaela, mulher do oposicionista Laíno, sugerindo uma aliança a favor de Oviedo, contra Wasmosy.
"Estamos conversando com parlamentares e ex-ministros colorados", disse Laíno à Folha na semana passada, acrescentando que oferecera até ministérios para os dissidentes e que não excluía o próprio Oviedo da aliança.
Também em entrevista à Folha, Oviedo fez elogios à atuação política do adversário de quatro décadas e disse: "A preocupação de ambos é combater a corrupção, a pobreza, a falta de segurança. Há uma coincidência de objetivos".



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