São Paulo, sábado, 08 de abril de 2000


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Campanha é considerada a mais agressiva

GABRIELA SCHEINBERG
da Reportagem Local

Se o filme "O Informante", que denuncia as manobras da indústria do tabaco, tivesse uma continuação, a história relatada na revista "The Lancet" seria o roteiro. "Nunca vi uma campanha tão agressiva para desacreditar um estudo como a que foi feita pela Philip Morris", disse à Folha Stanton Glantz, co-autor do estudo divulgado ontem.
Segundo ele, as empresas que fabricam cigarro já têm a fama de ser "inescrupulosos" e esse estudo não vai mudar a opinião pública. O principal foco do estudo é a mudança nas estratégias usadas pelas indústrias, disse Glantz.
"Antes, as empresas esperavam o estudo ser publicado para depois refutá-lo", afirmou. "O que apuramos foi que a Philip Morris começou a elaborar uma estratégia para acabar com a credibilidade do estudo cinco anos antes de a pesquisa acabar."
O estudo, realizado pela Agência Internacional de Pesquisas Contra o Câncer (IARC, na sigla em inglês), foi o maior já realizado na Europa. A pesquisa investigou mais de 2.000 pessoas durante nove anos. A conclusão, de que o fumo passivo eleva o risco de câncer de pulmão em 16%, reforçou outras pesquisas já realizadas em demais países do mundo.
Mas a Philip Morris queria evitar que esse dado fosse divulgado, disse Glantz. Em seu estudo, ele apresenta um memorando da empresa de relações públicas da Philip Morris, a Burson-Marsteller, indicando que a melhor tática para desacreditar o estudo da IARC seria atrasar a divulgação dos dados e neutralizar o possível resultado negativo do estudo.
A imprensa foi escolhida como uma das armas para pôr em prática esse plano, informaram os autores do estudo.
Após receber informações da British American Tobacco, outra empresa do setor de tabaco, vários jornais publicaram que o fumo passivo não apresenta riscos, informou Elisa Ong, co-autora do estudo da "The Lancet". "A indústria conseguiu convencer o público leigo de que o fumo passivo não eleva o risco de câncer de pulmão. Mas isso não é o que outros estudos indicam", disse Ong.
O pesquisador do estudo original do IARC, Paolo Boffetta, disse que, na época, em 1998, o impacto foi enorme. "No curto prazo, o estrago foi devastador", afirmou. "Mas os nossos estudos não são direcionados para o público leigo. Acho que os médicos entenderam a mensagem: fumo passivo causa câncer", afirmou.
Segundo a pesquisa, a Philip Morris chegou a contratar consultores para descobrir o máximo possível sobre o estudo da IARC antes mesmo de ser concluído. A intenção era encontrar o ponto fraco do estudo, algo que pudesse ser usado no futuro para desacreditar a pesquisa.
A empresa promoveu também várias coletivas de imprensa em muitos países para passar os dados obtidos por meio da espionagem. "Acho que o estudo da "The Lancet" servirá para alertar os editores de jornais e revistas que nem todas as pesquisas são idôneas", disse Glantz.
A indústria de tabaco financia também estudos que questionam o efeito do fumo passivo para confundir as pessoas, informou Stella Aguinaga-Bialous, brasileira que trabalha na Organização Mundial da Saúde em pesquisa sobre política de saúde e controle de tabagismo em São Francisco, nos EUA.
"Os dados de instituições grandes, como o IARC, são os que mais preocupam a indústria, pois eles têm um peso muito maior e podem ser extrapolados para outros países", disse.


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