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AMÉRICA LATINA
Eleição presidencial de hoje serve para reordenar as forças políticas do país, destruídas em dez anos de fujimorismo
Peru vota e tenta reorganizar a política
ROGERIO WASSERMANN
ENVIADO ESPECIAL A LIMA
O Peru realiza hoje, após um
traumático processo de transição
iniciado em novembro do ano
passado com a destituição do presidente Alberto Fujimori, novas
eleições legislativas e presidenciais. O pleito é considerado o primeiro passo para o reordenamento das forças políticas tradicionais
do país, praticamente destruídas
após mais de dez anos de regime
fujimorista.
Fujimori, eleito presidente pela
primeira vez em 1990 sem nunca
ter ocupado cargo público ou pertencido a um partido antes da
campanha, ainda domina a cena
política do país, mesmo ausente
-ele está auto-exilado desde novembro no Japão, de onde havia
apresentado, em meio a uma grave crise, sua renúncia (não aceita
pelo Congresso, que o destituiu
por "incapacidade moral".)
"A primeira eleição de Fujimori
mostrou que qualquer um poderia chegar à Presidência do Peru,
mesmo sem ter uma carreira política", disse à Folha o antropólogo
Rodrigo Montoya, autor de uma
coluna de análise política dominical semanal no jornal "La República".
"A eleição de domingo (hoje)
não será a pá de cal sobre o período Fujimori, como muitos poderiam desejar, mas o início de um
período de transição para o reordenamento do terreno político.
Depois desse respiro democrático, devem aparecer embriões de
uma nova ordem política, com
partidos mais definidos", afirma
Montoya.
"Outsiders"
De certa forma, a semelhança
com o histórico de "outsider político" de Fujimori é uma das maiores críticas de analistas em relação
ao candidato favorito nestas eleições presidenciais, o economista
Alejandro Toledo Manrique, 51,
do partido Peru Possível (centro-direita).
Ele lidera as pesquisas de intenção de voto, mas deve ter votação
insuficiente para vencer no primeiro turno. Seu adversário deve
sair da disputa entre a ex-deputada Lourdes Flores Nano, 41, da
coalizão Unidade Nacional (centro-direita), e o ex-presidente
(1985-1990) Alan García Pérez, 51,
do Partido Aprista (centro-esquerda), empatados em segundo
lugar, com cerca de um quinto do
eleitorado ainda indeciso.
PhD em economia pela Universidade Stanford (EUA) e ex-consultor da ONU e do Banco Mundial, Toledo formou um partido e
candidatou-se pela primeira vez à
Presidência em 1995. Teve pouco
mais de 3% dos votos, no pleito
que deu a Fujimori seu segundo
mandato seguido.
Ele voltou a se candidatar no
ano passado, quando surpreendeu ao chegar ao segundo turno
contra Fujimori. Acabou abandonando a disputa em protesto contra as supostas fraudes apontadas
pelos organismos internacionais
de observação.
Desde então, Toledo se transformou no principal líder da oposição a Fujimori, cujo desgaste
chegou ao ápice após a divulgação
de um vídeo no qual seu ex-braço
direito e ex-chefe do serviço nacional de inteligência, Vladimiro
Montesinos, aparecia supostamente pagando a um deputado
eleito pela oposição para que passasse a apoiar o presidente no
Congresso.
O escândalo levou Fujimori a
convocar novas eleições antecipadas, nas quais ele disse que não
concorreria.
Mas suas pretensões de comandar o processo de transição até as
eleições foram anuladas com o
aprofundamento da crise, provocado pela volta de Montesinos ao
país, após um mês no Panamá, e
pela revelação de uma grande rede de corrupção e influências
operada pela dupla.
Crescimento nas pesquisas
Após passar vários meses como
favorito absoluto à eleição, Toledo começou a enfrentar resistências em fevereiro, diante do crescimento nas pesquisas da candidatura de Lourdes Flores, que em
um mês praticamente triplicou
seus índices de intenção de voto.
Flores foi indicada por Toledo
como sua "embaixadora" na OEA
(Organização dos Estados Americanos) no ano passado, quando
ele buscava apoio à anulação do
processo eleitoral do ano passado,
após ter desistido do segundo turno.
Ela pertence a um partido também de pouca tradição na política
peruana, o Partido Popular Cristão, integrante da coalizão Unidade Nacional. De acordo com os
analistas, ela pode, mesmo se não
for eleita, tornar-se uma das lideranças de centro-direita peruana
nos próximos anos.
Dos três principais candidatos,
apenas Alan García pertence a
uma corrente política consolidada e tradicional no país. O Partido
Aprista foi fundado em 1930 pelo
caudilho populista Victor Haya
de la Torre, como Apra (Aliança
Popular Revolucionária Americana).
Ainda assim, a popularidade de
García é atribuída, em grande
parte, ao seu carisma pessoal,
muito mais que uma identificação
com suas propostas político-partidárias.
O ex-presidente lançou sua candidatura apenas em janeiro,
quando retornou ao Peru após
quase nove anos exilado na Colômbia, por causa de processos
por corrupção durante seu governo. Ele atribui as acusações a uma
"perseguição política" de Fujimori e Montesinos.
Quando passou o cargo a Fujimori, em 1990, García deixou um
país que atravessava a mais grave
recessão de sua história, um grave
quadro de hiperinflação e que sofria com violentos ataques terroristas dos grupos guerrilheiros esquerdistas Sendero Luminoso e
Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA).
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