São Paulo, domingo, 08 de abril de 2001

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AMÉRICA LATINA
Eleição presidencial de hoje serve para reordenar as forças políticas do país, destruídas em dez anos de fujimorismo

Peru vota e tenta reorganizar a política

ROGERIO WASSERMANN
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

O Peru realiza hoje, após um traumático processo de transição iniciado em novembro do ano passado com a destituição do presidente Alberto Fujimori, novas eleições legislativas e presidenciais. O pleito é considerado o primeiro passo para o reordenamento das forças políticas tradicionais do país, praticamente destruídas após mais de dez anos de regime fujimorista.
Fujimori, eleito presidente pela primeira vez em 1990 sem nunca ter ocupado cargo público ou pertencido a um partido antes da campanha, ainda domina a cena política do país, mesmo ausente -ele está auto-exilado desde novembro no Japão, de onde havia apresentado, em meio a uma grave crise, sua renúncia (não aceita pelo Congresso, que o destituiu por "incapacidade moral".)
"A primeira eleição de Fujimori mostrou que qualquer um poderia chegar à Presidência do Peru, mesmo sem ter uma carreira política", disse à Folha o antropólogo Rodrigo Montoya, autor de uma coluna de análise política dominical semanal no jornal "La República".
"A eleição de domingo (hoje) não será a pá de cal sobre o período Fujimori, como muitos poderiam desejar, mas o início de um período de transição para o reordenamento do terreno político. Depois desse respiro democrático, devem aparecer embriões de uma nova ordem política, com partidos mais definidos", afirma Montoya.

"Outsiders"
De certa forma, a semelhança com o histórico de "outsider político" de Fujimori é uma das maiores críticas de analistas em relação ao candidato favorito nestas eleições presidenciais, o economista Alejandro Toledo Manrique, 51, do partido Peru Possível (centro-direita).
Ele lidera as pesquisas de intenção de voto, mas deve ter votação insuficiente para vencer no primeiro turno. Seu adversário deve sair da disputa entre a ex-deputada Lourdes Flores Nano, 41, da coalizão Unidade Nacional (centro-direita), e o ex-presidente (1985-1990) Alan García Pérez, 51, do Partido Aprista (centro-esquerda), empatados em segundo lugar, com cerca de um quinto do eleitorado ainda indeciso.
PhD em economia pela Universidade Stanford (EUA) e ex-consultor da ONU e do Banco Mundial, Toledo formou um partido e candidatou-se pela primeira vez à Presidência em 1995. Teve pouco mais de 3% dos votos, no pleito que deu a Fujimori seu segundo mandato seguido.
Ele voltou a se candidatar no ano passado, quando surpreendeu ao chegar ao segundo turno contra Fujimori. Acabou abandonando a disputa em protesto contra as supostas fraudes apontadas pelos organismos internacionais de observação.
Desde então, Toledo se transformou no principal líder da oposição a Fujimori, cujo desgaste chegou ao ápice após a divulgação de um vídeo no qual seu ex-braço direito e ex-chefe do serviço nacional de inteligência, Vladimiro Montesinos, aparecia supostamente pagando a um deputado eleito pela oposição para que passasse a apoiar o presidente no Congresso.
O escândalo levou Fujimori a convocar novas eleições antecipadas, nas quais ele disse que não concorreria.
Mas suas pretensões de comandar o processo de transição até as eleições foram anuladas com o aprofundamento da crise, provocado pela volta de Montesinos ao país, após um mês no Panamá, e pela revelação de uma grande rede de corrupção e influências operada pela dupla.

Crescimento nas pesquisas
Após passar vários meses como favorito absoluto à eleição, Toledo começou a enfrentar resistências em fevereiro, diante do crescimento nas pesquisas da candidatura de Lourdes Flores, que em um mês praticamente triplicou seus índices de intenção de voto.
Flores foi indicada por Toledo como sua "embaixadora" na OEA (Organização dos Estados Americanos) no ano passado, quando ele buscava apoio à anulação do processo eleitoral do ano passado, após ter desistido do segundo turno.
Ela pertence a um partido também de pouca tradição na política peruana, o Partido Popular Cristão, integrante da coalizão Unidade Nacional. De acordo com os analistas, ela pode, mesmo se não for eleita, tornar-se uma das lideranças de centro-direita peruana nos próximos anos.
Dos três principais candidatos, apenas Alan García pertence a uma corrente política consolidada e tradicional no país. O Partido Aprista foi fundado em 1930 pelo caudilho populista Victor Haya de la Torre, como Apra (Aliança Popular Revolucionária Americana).
Ainda assim, a popularidade de García é atribuída, em grande parte, ao seu carisma pessoal, muito mais que uma identificação com suas propostas político-partidárias.
O ex-presidente lançou sua candidatura apenas em janeiro, quando retornou ao Peru após quase nove anos exilado na Colômbia, por causa de processos por corrupção durante seu governo. Ele atribui as acusações a uma "perseguição política" de Fujimori e Montesinos.
Quando passou o cargo a Fujimori, em 1990, García deixou um país que atravessava a mais grave recessão de sua história, um grave quadro de hiperinflação e que sofria com violentos ataques terroristas dos grupos guerrilheiros esquerdistas Sendero Luminoso e Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA).


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