São Paulo, domingo, 08 de abril de 2001

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Próximo presidente terá de apurar os abusos cometidos pelo governo fujimorista nas ações de combate a grupos terroristas

"Guerra suja" de Fujimori assombra o país

DO ENVIADO ESPECIAL A LIMA

Entre os principais esqueletos da era Fujimori que o próximo governo terá de tirar do armário está o tema dos mortos e desaparecidos na guerra suja travada pelo governo do antigo presidente contra o terrorismo.
A derrota dos principais grupos terroristas peruanos, o Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), foi uma das grandes responsáveis pela popularidade conquistada por Alberto Fujimori e lhe permitiu reeleger-se duas vezes à Presidência, em 1995 e em 2000 (ainda que em eleições sob suspeitas de fraudes).
Com diversos documentos e testemunhos que vieram à tona desde a destituição de Fujimori pelo Congresso, por "incapacidade moral", em novembro do ano passado, os peruanos estão descobrindo que essa luta teve um alto custo, deixando milhares de civis mortos ou desaparecidos.
Dados não oficiais indicam que até 25 mil civis podem ter sido mortos por membros dos organismos militares de combate ao terrorismo nos últimos 20 anos. Outras 4.000 pessoas estariam desaparecidas.
"Muita gente até hoje preza Fujimori por ter vencido a guerra contra o terrorismo, mas já se sabe que essa guerra não foi tão limpa quanto ele nos fez acreditar", afirma a jornalista Rosana Etcheandia, coordenadora de política do jornal "El Comercio".
Na semana passada, em entrevista ao jornal argentino "Clarín", o ministro da Justiça, Diego García Sayan, admitiu a existência de milhares de desaparecidos.
"Não sabemos exatamente quantos são os desaparecidos. O que sabemos é que são milhares de pessoas que, na maior parte dos casos, não têm rosto nem nome", afirmou García.
O principal instrumento à disposição do próximo governo para investigar o passado e elucidar a questão será a chamada Comissão da Verdade, similar às comissões que foram instaladas em diversos países da América Latina para investigar os crimes contra os direitos humanos cometidos por regimes ditatoriais.
Os principais candidatos à Presidência nas eleições de hoje assinaram um compromisso de instalar a Comissão da Verdade, já aprovada no Congresso.
Com o fim do governo Fujimori, começam a aparecer mais indícios de abusos aos direitos humanos por parte dos responsáveis pelo combate ao terrorismo.
O mais simbólico caso de violação aos direitos humanos no governo Fujimori, o massacre de 15 pessoas em um bairro popular de Lima por um grupo paramilitar encarregado de combater o terrorismo, ganhou novos contornos nesta semana, com uma entrevista de um ex-membro do grupo ao jornal "Correo", confirmando que os agentes agiam sob comando direto de Fujimori.
O chamado massacre de Barrios Altos, cometido pelo grupo paramilitar Colina, foi encoberto durante o governo passado, que promoveu a aprovação, em 1995, de uma anistia aos responsáveis.
Segundo uma reportagem publicada nesta semana pela revista "Caretas", os principais membros do grupo Colina, oficiais do Exército peruano, abriram uma empresa de fachada logo após o massacre.
O capital da empresa teria sido aumentado 29 vezes logo após a morte de nove estudantes e um professor na Universidade La Cantuta, em 1992, outro dos crimes atribuídos ao grupo. A empresa teve novo aporte de capital em fevereiro de 1994, durante o primeiro julgamento do caso.

Testemunhos
Em março, novos testemunhos colocaram em dúvida um dos mais vistosos feitos do governo Fujimori no combate ao terrorismo -a libertação de 72 reféns mantidos por guerrilheiros do MRTA na Embaixada do Japão em Lima por 126 dias, que terminou com a morte de 14 terroristas e de um refém.
As imagens de Fujimori subindo as escadas da embaixada ao lado de corpos de terroristas correu o mundo. A ação foi alardeada como prova da eficiência do grupo de combate ao terrorismo do Exército peruano.
Mas um ex-diplomata japonês, Hidetaka Ogura, um dos reféns na embaixada, disse ter visto três dos guerrilheiros já rendidos e amarrados durante a operação. Segundo a versão oficial, todos os terroristas foram mortos por terem resistido à ação.
O testemunho levou a Procuradoria Geral a solicitar a exumação dos guerrilheiros e a abertura de um inquérito sobre o caso, que pode levar a um processo criminal contra Fujimori e o ex-comandante do Exército Nicolás Hermoza. (ROGERIO WASSERMANN)



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