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"Não aprendemos nada", diz ex-chefe da Cruz Vermelha
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
Philippe Gaillard, 48, era chefe
da delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em
Ruanda há dez anos. Presenciou o
genocídio de cerca de 800 mil
ruandeses desde o primeiro dia.
Até hoje não se conforma com a
omissão da comunidade internacional e das Nações Unidas.
"Se o que aconteceu em Ruanda
se repetisse novamente na África
ou em alguma outra região do
mundo com pouca importância
política, haveria um novo genocídio", afirma. "Não tiramos nenhuma lição. Não há nada para
celebrar", diz. Leia entrevista concedida por telefone à Folha de Lima, no Peru, onde trabalha agora.
(OTÁVIO DIAS)
Folha - Que lições foram tiradas
do genocídio em Ruanda?
Philippe Gaillard - Se o que aconteceu em Ruanda se repetisse novamente na África ou em alguma
outra região do mundo com pouca importância política, haveria
um novo genocídio. A comunidade internacional não fez nada e
não faria nada novamente. Todo
o mundo acompanhou ao vivo
pelas TVs o massacre em Ruanda.
Foram cem dias trágicos durante
os quais morreram entre 800 mil e
1 milhão de pessoas. Sem falar nos
que sobreviveram e são o testemunho vivo das loucuras que o
homem é capaz de fazer. Não tiramos nenhuma lição. Não há nada
para celebrar.
Folha - Por que a comunidade internacional não aprendeu nada?
Gaillard - O motivo não é falta de
informação, mas de vontade política. Ruanda é um país sem importância política, e a comunidade internacional, sabendo exatamente o que estava acontecendo,
não fez nada. Nós, da Cruz Vermelha, somente com nossa tenacidade e capacidade de negociação, conseguimos salvar entre 60
mil e 70 mil vidas. Nosso grupo tinha 200 pessoas, sem armas. Se a
ONU, em vez de reduzir seu contingente de cerca de 3.000 soldados antes do genocídio para menos de 400, houvesse duplicado o
número de militares, quantas vidas não poderiam ter sido salvas?
Folha - O que deve ser feito para
impedir novos massacres?
Gaillard - Por que a ONU não
cria uma força permanente para
atuar em casos como o de Ruanda? Uma força de intervenção
com toda a logística já preparada
para agir rapidamente, com soldados bem treinados e bem armados, que conheçam as regras do
jogo, dos direitos humanos. Dez
mil homens bem preparados,
com capacidade para entrar em
ação em 48 horas. A comunidade
internacional pode bancar isso.
Folha - O sr. admite a necessidade
de, em certos casos, ir à guerra para impedir uma catástrofe humanitária?
Gaillard - Não há guerra humanitária. Uma guerra é uma guerra;
o aspecto humanitário é outra
coisa. Mas o Conselho de Segurança da ONU tem a responsabilidade de, em casos extremos, enviar soldados a um país para manter a ordem, prender os responsáveis por violações e colocá-los à
disposição do [recém-criado] Tribunal Penal Internacional. A máquina legal existe, por que não utilizá-la?
Folha - Uma atuação como essa,
sob a égide da ONU, é diferente de
uma intervenção militar comum?
Gaillard - Há diferença de objetivos porque uma operação militar
em geral busca ocupar um país,
derrotar um governo, obter recursos pela força. Uma operação
da ONU teria como objetivo frear
a violência e impedir mortes inúteis. E sancionar os responsáveis.
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