São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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ÁFRICA

No décimo aniversário da tragédia, governo ruandês diz que comunidade internacional não interferiu quando podia

Para Ruanda, mundo se omitiu no genocídio

DA REDAÇÃO

Ao lembrar ontem o décimo aniversário do genocídio em Ruanda, o presidente Paul Kagame disse que os próprios ruandeses foram responsáveis pela morte de cerca de 800 mil pessoas em 1994, mas criticou severamente a comunidade internacional por não ter impedido o massacre.
Ainda que simbolicamente, pois seu país é um dos mais pobres do mundo, Kagame disse que, se ocorrer um outro genocídio no mundo, Ruanda será a primeira nação a enviar tropas. "Se uma situação similar acontecer em algum outro lugar, nós estaremos prontos a lutar para proteger aqueles que estiverem sendo perseguidos", afirmou.
Quando o massacre teve início, em 7 de abril de 1994, a ONU possuía 2.519 soldados em Ruanda. O maior contingente, com 450 soldados, era da Bélgica, ex-metrópole de Ruanda, mas o batalhão saiu após dez de seus integrantes terem sido mortos naquela data.
"Precisamos corrigir os erros que fizemos em nossa história", disse ontem o premiê belga, Guy Verhofstadt, em kinyarwanda -língua nacional de Ruanda-, durante a cerimônia ocorrida em Kigali. Ao meio-dia, o país parou por três minutos.
"Todos devemos reconhecer nossa responsabilidade por não termos feito mais para prevenir ou interromper o genocídio", afirmou o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, em evento na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça).
"A comunidade internacional precisa estar preparada para adotar ações rápidas e apropriadas [em casos de massacres como o de Ruanda], inclusive ação militar", disse Annan.
Dez anos após Ruanda, Annan defendeu a necessidade de a ONU desenvolver uma estratégia para impedir crimes em massa.
Em 21 de abril de 1994, com o genocídio já em andamento, o Conselho de Segurança (CS) da ONU aprovou uma resolução que reduziu as forças da ONU em Ruanda de 2.500 para apenas 270 soldados. Em 16 de maio, o CS decidiu enviar 5.500 soldados ao país, mas eles só chegaram quando o massacre já havia terminado.
"Todas essas poderosas nações agiram como se 1 milhão de vidas não tivessem valor", disse Kagame. "Mas, se a morte de 1 milhão de pessoas não as preocupou, então o que as preocupa?"
Ao se referir a 1 milhão de mortos, Kagame incluiu todas as mortes ocorridas no país entre 1990 e 1994, quando as etnias hutu (majoritária) e tutsi (tradicionalmente mais poderosa) se enfrentaram.
O genocídio em Ruanda começou horas depois da derrubada, em 6 de abril, de um avião que transportava o então presidente Juvenal Habyarimana, um hutu moderado que negociava a paz com rebeldes tutsis.
Em 7 de abril, extremistas hutus assumiram o controle do Exército e do governo e culparam os tutsis pela queda do avião. Imediatamente, teve início o massacre, no qual cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados foram mortos.
O genocídio foi cometido por milicianos hutus, setores do Exército e pela própria população, estimulada pela incitação ao ódio. As vítimas foram mortas a machadadas, facadas e tiros.
A matança só terminou cem dias depois, quando o líder rebelde tutsi Paul Kagame tomou a capital, Kigali. Dois milhões de hutus, incluindo as milícias, fugiram para o Zaire (atual República Democrática do Congo). Kagame se tornou presidente e, em 2003, elegeu-se para um novo mandato.
Durante seu discurso ontem, Kagame acusou a França de ter "conscientemente treinado e armado" milícias e soldados que participaram do massacre, mesmo "sabendo que eles iriam perpetrar um genocídio".
A França reagiu ordenando que seu enviado à cerimônia em Kigali retornasse a Paris. "Acusações que são graves e contrárias à verdade foram feitas contra a França", disse a Chancelaria francesa.
Antes de 1994, a França ajudou a treinar o Exército ruandês, que, após cair sob controle de extremistas, participou ativamente do genocídio. O país também é acusado de ter laços com extremistas hutus que dominaram o governo no início de abril daquele ano.
Os franceses já admitiram responsabilidade por não terem feito mais para impedir o genocídio, mas rejeitam a acusação de terem auxiliado os responsáveis.
Para lembrar o início do massacre, milhares de ruandeses se reuniram numa montanha próxima à capital e enterraram os restos mortais de centenas de vítimas que haviam sido jogadas em valas comuns. Foi inaugurado o Memorial Nacional do Genocídio, em Kigali, onde uma chama será mantida acesa por cem dias a cada ano. Na tradição ruandesa, é preciso acender fogo durante cerimônias fúnebres.


Com agências internacionais


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