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ÁFRICA
No décimo aniversário da tragédia, governo ruandês diz que comunidade internacional não interferiu quando podia
Para Ruanda, mundo se omitiu no genocídio
DA REDAÇÃO
Ao lembrar ontem o décimo
aniversário do genocídio em
Ruanda, o presidente Paul Kagame disse que os próprios ruandeses foram responsáveis pela morte de cerca de 800 mil pessoas em
1994, mas criticou severamente a
comunidade internacional por
não ter impedido o massacre.
Ainda que simbolicamente,
pois seu país é um dos mais pobres do mundo, Kagame disse
que, se ocorrer um outro genocídio no mundo, Ruanda será a primeira nação a enviar tropas. "Se
uma situação similar acontecer
em algum outro lugar, nós estaremos prontos a lutar para proteger
aqueles que estiverem sendo perseguidos", afirmou.
Quando o massacre teve início,
em 7 de abril de 1994, a ONU possuía 2.519 soldados em Ruanda. O
maior contingente, com 450 soldados, era da Bélgica, ex-metrópole de Ruanda, mas o batalhão
saiu após dez de seus integrantes
terem sido mortos naquela data.
"Precisamos corrigir os erros
que fizemos em nossa história",
disse ontem o premiê belga, Guy
Verhofstadt, em kinyarwanda
-língua nacional de Ruanda-,
durante a cerimônia ocorrida em
Kigali. Ao meio-dia, o país parou
por três minutos.
"Todos devemos reconhecer
nossa responsabilidade por não
termos feito mais para prevenir
ou interromper o genocídio",
afirmou o secretário-geral da
ONU, Kofi Annan, em evento na
Comissão de Direitos Humanos
da ONU, em Genebra (Suíça).
"A comunidade internacional
precisa estar preparada para adotar ações rápidas e apropriadas
[em casos de massacres como o
de Ruanda], inclusive ação militar", disse Annan.
Dez anos após Ruanda, Annan
defendeu a necessidade de a ONU
desenvolver uma estratégia para
impedir crimes em massa.
Em 21 de abril de 1994, com o
genocídio já em andamento, o
Conselho de Segurança (CS) da
ONU aprovou uma resolução que
reduziu as forças da ONU em
Ruanda de 2.500 para apenas 270
soldados. Em 16 de maio, o CS decidiu enviar 5.500 soldados ao
país, mas eles só chegaram quando o massacre já havia terminado.
"Todas essas poderosas nações
agiram como se 1 milhão de vidas
não tivessem valor", disse Kagame. "Mas, se a morte de 1 milhão
de pessoas não as preocupou, então o que as preocupa?"
Ao se referir a 1 milhão de mortos, Kagame incluiu todas as mortes ocorridas no país entre 1990 e
1994, quando as etnias hutu (majoritária) e tutsi (tradicionalmente mais poderosa) se enfrentaram.
O genocídio em Ruanda começou horas depois da derrubada,
em 6 de abril, de um avião que
transportava o então presidente
Juvenal Habyarimana, um hutu
moderado que negociava a paz
com rebeldes tutsis.
Em 7 de abril, extremistas hutus
assumiram o controle do Exército
e do governo e culparam os tutsis
pela queda do avião. Imediatamente, teve início o massacre, no
qual cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados foram mortos.
O genocídio foi cometido por
milicianos hutus, setores do Exército e pela própria população, estimulada pela incitação ao ódio.
As vítimas foram mortas a machadadas, facadas e tiros.
A matança só terminou cem
dias depois, quando o líder rebelde tutsi Paul Kagame tomou a capital, Kigali. Dois milhões de hutus, incluindo as milícias, fugiram
para o Zaire (atual República Democrática do Congo). Kagame se
tornou presidente e, em 2003, elegeu-se para um novo mandato.
Durante seu discurso ontem,
Kagame acusou a França de ter
"conscientemente treinado e armado" milícias e soldados que
participaram do massacre, mesmo "sabendo que eles iriam perpetrar um genocídio".
A França reagiu ordenando que
seu enviado à cerimônia em Kigali retornasse a Paris. "Acusações
que são graves e contrárias à verdade foram feitas contra a França", disse a Chancelaria francesa.
Antes de 1994, a França ajudou a
treinar o Exército ruandês, que,
após cair sob controle de extremistas, participou ativamente do
genocídio. O país também é acusado de ter laços com extremistas
hutus que dominaram o governo
no início de abril daquele ano.
Os franceses já admitiram responsabilidade por não terem feito
mais para impedir o genocídio,
mas rejeitam a acusação de terem
auxiliado os responsáveis.
Para lembrar o início do massacre, milhares de ruandeses se reuniram numa montanha próxima
à capital e enterraram os restos
mortais de centenas de vítimas
que haviam sido jogadas em valas
comuns. Foi inaugurado o Memorial Nacional do Genocídio,
em Kigali, onde uma chama será
mantida acesa por cem dias a cada ano. Na tradição ruandesa, é
preciso acender fogo durante cerimônias fúnebres.
Com agências internacionais
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