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A MORTE DO PAPA
Reflexões sobre a morte
por
KAROL WOJTYLA
DA REDAÇÃO
Uma preocupação constante
com a própria morte e o questionamento sobre a possibilidade de
sua missão já estar cumprida
marcam o texto deixado pelo papa João Paulo 2º como seu testamento espiritual.
O documento, revelado ontem
pelo Vaticano, foi escrito em 6 de
março de 1979 e recebeu sete
adendos, sendo o mais longo deles redigido em 2000.
Entre os assuntos mencionados
pelo pontífice estão o colapso do
comunismo, o fortalecimento das
famílias e a perseguição sofrida
pelos católicos em "alguns países", além do atentado sofrido em
1981. Mas a maior parte das reflexões deixadas pelo polonês Karol
Wojtyla referem-se mesmo à espera por seus momentos finais.
"Todos devem ter presente a
perspectiva da morte. E devem estar preparados para se apresentar
diante de seu Senhor e Juiz e, simultaneamente, Redentor e Pai.
O fato é que eu tenho esse momento em consideração continuamente e deposito minha fé na
Mãe de Cristo e na Igreja -mãe
de minha esperança- para o
momento decisivo", escreveu o
papa em 1980, em seu segundo
adendo (o primeiro adendo não
traz datas).
Mais de uma vez, nas oito páginas de texto, o papa também
questiona se seu dever já não estaria cumprido e se não seria hora
de Deus "deixá-lo partir".
As divagações levaram a imprensa mundial a afirmar que o
pontífice estava contemplando a
possibilidade de renunciar, embora em nenhum momento de
seu texto João Paulo 2º tenha usado a palavra ou feito uma alusão
clara. Mais do que isso, no início
do documento original, ele afirma
acreditar que Deus não permitirá
omissões de sua parte: "Ele não
permitirá que por quaisquer palavras, atos ou omissões de minha
parte sejam traídas as minhas
obrigações com relação à Sede Petrina", escreve.
Controvérsia sobre renúncia
O trecho que provocou controvérsia cita um trecho bíblico, o
Cântico de Simeão, do Evangelho
de Lucas. "Foi-me dado viver o difícil século que está se tornando
parte do passado, e agora, no ano
em que minha vida chega aos oitenta anos ("octogésima advienens"), é preciso que eu me pergunte se não é hora de seguir o
exemplo de Simeão, na Bíblia,
"Nunc dimittis'", escreveu João
Paulo 2º em 2000.
O personagem bíblico citado,
Simeão, era um homem de idade
avançada que vivia em Jerusalém
e esperava o dia de sua morte.
Mas o Espírito Santo lhe revelara
que este só viria depois do dia em
que ele visse o Cristo do Senhor.
No trecho que o papa mencionou,
"Nunc dimittis", Simeão visita o
menino Jesus, toma-o nos braços
e diz a Deus: "Agora, Soberano
Senhor, podes dispensar em paz o
Teu servo, segundo a Tua palavra,
porque meus olhos viram a Tua
salvação".
Embora o trecho aluda à morte,
como a maior parte do testamento espiritual de João Paulo 2º, a
palavra "dimittis" permite mais
de uma tradução. Segunda pessoa
do singular da forma indicativa
do verbo "dimitto", ela tem como
sentido mais genérico "mandar
para outro lugar". Traduções possíveis são "ir-se", "partir", "dispensar", "romper", "renunciar".
A raiz do verbo "dimitto" também aparece na palavra portuguesa "demitir".
A interpretação feita por boa
parte da mídia, entretanto, foi de
que se tratava de uma menção à
renúncia. Nos últimos anos de vida do papa, quando o mal de Parkinson que o acometia já estava
em fase avançada, a hipótese de
renúncia era constantemente levantada por observadores de dentro e de fora da igreja, ainda que o
pontífice, para todos os efeitos, a
rechaçasse.
"Um engano da mídia sobre a
renúncia do papa", escreveu o
diário italiano "Corriere della Sera" em sua versão eletrônica. "De
nenhuma maneira, um homem
como Karol Wojtyla mencionaria
o cântico de Simeão em referência
à intenção de renunciar", segue o
texto, afirmando que tudo se tratou de um erro de tradução.
O que parece ser uma menção
mais próxima da "dispensa" pedida pelo papa a Deus vem num
trecho seguinte, no qual Wojtyla
afirma: "Espero que o Senhor me
ajude a reconhecer até quando
devo continuar este serviço, ao
qual me convocou em 16 de outubro de 1978". Mas segue, mais
uma vez citando a própria morte:
"Peço-Lhe que me chame quando
assim preferir".
Guerra Fria
João Paulo 2º ressalta por mais
de uma vez a dificuldade dos tempos em que viveu e sua responsabilidade em introduzir a igreja no
terceiro milênio. Mas observa que
apesar das turbulências a situação
se amenizou com o fim da Guerra
Fria, para o qual contribuiu.
"Depois do outono de 1989, a situação mudou. O último decênio
do século passado se viu livre das
tensões precedentes, o que não
significa que não tenha acarretado novos problemas e dificuldades. Agradeço em especial à Divina Providência pelo período da
dita "Guerra Fria" se ter encerrado
sem um violento conflito nuclear,
um perigo que pesava sobre o
mundo no período precedente",
escreve o papa.
Ele também afirma que, principalmente após ter sofrido um
atentado contra sua vida, colocava-a inteiramente nas mãos de
Deus e pede que sua morte sirva
para perpetuar sua missão. "Espero ainda que minha morte seja
útil para a muito importante causa à qual procuro servir: a salvação dos homens, a salvaguarda da
família humana, e no seio desta
todas as nações e povos (com
consideração especial à minha
pátria terrena), que seja útil para
as pessoas que confiaram em
mim, particularmente, para as
questões da Igreja e para a glória
de Deus."
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