São Paulo, sábado, 08 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Crise ameaça reeleição, mas economia ajuda

RUPERT CORNWELL
DO "INDEPENDENT", EM WASHINGTON

Provavelmente nunca uma semana política foi tão construída por fotografias. As fotos chocantes de prisioneiros sendo humilhados por homens e mulheres recrutados pelas "melhores Forças Armadas do mundo" devastaram a imagem dos Estados Unidos e quase levaram um secretário da Defesa a renunciar, além de afetar uma Presidência arrogante.
George W. Bush finalmente sentiu os calafrios comuns aos políticos mortais. Mas não por causa das duras críticas da semana. O que importa são seus índices de aprovação, que caíram nesta semana abaixo dos 50%. Nunca desde Harry Truman e sua milagrosa virada em 1948 um presidente ganhou um segundo mandato com popularidade tão baixa neste momento do ciclo eleitoral.
Mas o destino de Bush ainda não está selado. "Acontecimentos, caro rapaz, acontecimentos", respondeu o premiê britânico Harold MacMillan, ao ser indagado sobre qual era o mais imprevisível aspecto de um governo.
Nenhum especialista sensato correria o risco de prever o que acontecerá até o pleito de novembro. São acontecimentos internos, mas sobretudo os do Iraque, que formarão o eleitorado.
É previsível que a situação se acalme e dê à Casa Branca uma pausa para respirar. Com forças de segurança iraquianas nas ruas, Fallujah pode sossegar. O establishment xiita do sul pode silenciar Moqtada Al Sadr.
Por sua vez, Lakhdar Brahimi, o enviado especial da ONU, pode ainda encontrar uma fórmula que evite o desastre na transferência limitada de soberania que Bush insiste que aconteça até julho.
Mas as coisas podem piorar. A desordem pode se tornar mais aguda, conforme as fotografias da prisão de Abu Ghraib esvaziem o tanque que armazena o apoio à missão dos EUA no Iraque.
Mais insurgentes podem se rebelar e as baixas americanas podem subir, arrastando o apoio a Bush. Apenas agora, após uma semana de bombardeios de imagens do Iraque, é que o pleno impacto das fotografias atingirá em cheio o público. Tomadas como um conjunto, Fallujah, os problemas administrativos e Abu Ghraib podem se tornar algo parecido à ofensiva do Tet no Vietnã de 1968 -o momento em que a opinião pública se voltou irreversivelmente contra a guerra.
Os americanos ainda acreditam que Bush tinha razão ao invadir o Iraque. Mas a maioria tende a acreditar que a guerra foi um erro, já que o presidente, ao fazer da guerra o principal ingrediente de sua luta contra o terrorismo, vê-se repentinamente derrotado.
Há em seguida o estrago feito à própria imagem pessoal de Bush. O mito do comandante que conduz um barco harmonioso está em definitivo destruído. Se as eleições não estivessem próximas é possível que Rumsfeld tivesse caído, e o ministério, reformulado.
Os republicanos festejam o fato de John Kerry não ter tirado vantagens dessa péssima semana.
Kerry não exigiu a queda de Rumsfeld, mas, nos últimos dias, incrementou suas taxas de preferência, hoje sensivelmente melhores que as do então oposicionista Bill Clinton a esta altura da campanha, em 1992, contra George Bush pai. Bush também sabe que seu adversário tem fama de ser "bom de chegada".
Mas podem ser números completamente diferentes que salvem Bush. O Ministério do Trabalho disse anteontem que 288 mil novos empregos foram criados em abril. Caso a tendência prossiga, os americanos se convencerão de que a prosperidade doméstica é melhor que a ignomínia externa. Só assim Bush seria reeleito.


Texto Anterior: Árabes são alvo de investida diplomática
Próximo Texto: Cúpula dos EUA soube do caso no início do ano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.