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O FIM DO NAZISMO
Sucesso na Alemanha, historiador diz que Hitler criou ampla rede social financiada por pilhagem e escravidão
Bem-estar nazista seduziu alemães, diz livro
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
Passados 60 anos do fim da Segunda Guerra na Europa, cabe finalmente aos alemães contar a
história do seu ponto de vista. Na
vanguarda dessa iniciativa está
Götz Aly, autor de "Hitlers
Volksstaat" (o Estado hitlerista do
povo), que ousa contrariar um
confortável senso comum na Alemanha segundo o qual os alemães
também foram vítimas de Hitler.
Apesar disso -e das mais de mil
notas de rodapé-, o livro se tornou um sucesso no país.
Para Aly, a maioria dos alemães
foi conivente com as atrocidades
hitleristas sobretudo porque havia um monumental sistema de
compensação, um "Estado de
Bem-Estar Social" nazista.
Rompe-se assim um tabu que,
pode-se dizer, estabeleceu-se no
primeiro minuto após a rendição
incondicional dos alemães.
Aos Aliados ocidentais não interessava que surgisse, dos escombros de Berlim, uma poderosa
Alemanha unificada e, pior, movida a nacionalismo. "Era provocar os fados, soltar-se uma Alemanha unida e neutra, tão pouco
tempo após a guerra", segundo
avalia Henry Kissinger em "Diplomacia".
Uma das coisas que poderiam
"provocar os fados" era justamente produzir uma historiografia do nazismo que revelasse as
atrocidades nazistas e a extensão
do envolvimento dos alemães
com o regime que os governou
por 12 anos.
Por essa razão, um historiador
do porte de Raul Hilberg, o pai
dos estudos do Holocausto, teve
enorme dificuldade, na década de
50, para conseguir publicar o seu
hoje clássico "A Destruição dos
Judeus da Europa". Por essa razão
também ganhou status de verdade incontestável o poder "hipnotizador" do "monstro" hitlerista
em relação aos alemães. Tal rótulo
dispensou por muitos anos a reflexão séria sobre o fenômeno nazista e tinha ainda a vantagem de
inocentar os alemães.
De lá para cá, a ocidentalização
da Alemanha abriu caminho para
que os historiadores afinal pudessem especular mais amplamente
sobre as razões do nazismo, sem
que isso representasse um risco
político e diplomático. A novidade, agora, é que são os alemães
que estão na dianteira desse trabalho, e as teses de Aly aparecem
como realmente inovadoras.
Sua idéia é que o nazismo se
sustentou na Alemanha em grande medida porque financiou uma
estupenda malha de proteção social com os bens pilhados das nações que invadiu e com o uso da
mão-de-obra escrava dos "seres
inferiores" internados em campos de concentração.
A história mostra, porém, que
um Estado como o nazista não
poderia subsistir sem uma constante expansão física. O totalitarismo, cujo centro é a mentira, só
se sustenta dentro de um projeto
de conquista do mundo, uma vez
que tudo aquilo que estiver fora
de suas fronteiras ideológicas é
naturalmente uma ameaça à sua
existência.
Já seu modelo econômico repetiu o da Roma Antiga, que se valia
de mão-de-obra escrava e entrou
em decadência a partir do momento em que as conquistas territoriais que garantiam essa mão-de-obra estacaram. No caso do
Reich alemão, as derrotas a partir
de 1943 implodiram o pilar da
economia do país -que, ademais, passou a centrar seus já escassos recursos na aceleração do
extermínio dos judeus.
Aly argumenta que aos alemães
não interessava saber de onde vinha nem de que maneira era obtida a riqueza que sustentava seu
bem-estar, porque, afinal, o Terceiro Reich não só havia sido o
responsável pela superação da
imensa crise posterior à Primeira
Guerra como também recuperara
a auto-estima de seus antes humilhados súditos.
Esse postulado sugere que os
alemães foram cúmplices, e não
vítimas, do regime assassino de
Hitler -eis uma das novidades
importantes do livro de Aly.
Até agora, uns poucos estudiosos haviam se debruçado sobre a
responsabilidade coletiva dos alemães -o mais estridente deles,
Daniel Jonah Goldhagen ("Os
Carrascos Voluntários de Hitler"), de Harvard, sustenta a tese
de que a Alemanha criou o nazismo por estar tomada, até as entranhas, de anti-semitismo eliminacionista, tese devidamente esculhambada por Raul Hilberg e outros especialistas. O trunfo de Aly
é mostrar que os alemães aceitaram o regime menos por sua inclinação anti-semita e mais porque ele oferecia o sonho de uma
hiperpotência paternal.
Uma parte dessa estrutura subsiste na Alemanha atual e, como
Aly disse à revista "Der Spiegel",
nenhum político alemão pode defender abertamente seu desmonte sem que isso signifique perda
substancial de votos. Ainda hoje,
portanto, parte dos alemães não
quer saber de que maneira o Estado manterá o imenso guarda-chuva social do país. Importa apenas que ele continue aberto.
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