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O FIM DO NAZISMO
Maior confronto armado da história humana é encontrado na raiz dos acontecimentos geopolíticos de hoje
Segunda Guerra é origem de conflitos atuais
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Sessenta anos atrás acabou a
maior guerra da história humana,
mas seus ecos continuam no noticiário diário. Cite um fato, uma
crise: a raiz está na Segunda Guerra Mundial (1939-45).
O papa Bento 16, para ficar no
exemplo mais recente, é alemão e
serviu em uma unidade de artilharia antiaérea na guerra. O fato
foi relembrado, e sensacionalizado pelos tablóides britânicos. Mas
o adolescente e já então seminarista Joseph Ratzinger não tinha
escolha a não ser servir. Todos os
alemães e austríacos, dos 16 aos 60
anos, foram convocados a partir
de 1944, quando a Alemanha nazista estava perdendo a guerra.
Os alemães governados pelo
megalomaníaco austríaco Adolf
Hitler iniciaram a guerra em 1º de
setembro de 1939, com a invasão
da Polônia. Antes disso, Hitler
abocanhara sua terra natal e pedaços da então Tchecoslováquia.
Os aliados ocidentais, França e
Reino Unido, entraram em guerra para defender a Polônia. Foram
quase seis anos de conflito em
quase toda a Europa, boa parte da
qual tomada pelos nazistas.
Desde então os alemães em geral reconheceram muito mais
seus crimes de guerra do que seus
aliados japoneses. Mesmo agora,
crises políticas surgem com a China -e, em menor grau, com as
duas Coréias, que eram colônia
japonesa-, por conta dessa insensibilidade nipônica em pedir
desculpas por massacres e bombardeios de civis.
Mortos, muitos mortos
O conflito de 1914 a 1918 matou
cerca de 10 milhões de pessoas e
recebeu o nome de Grande Guerra. O nome teve de ser revisto depois para Primeira Guerra Mundial porque, entre 1939 e 1945, outro conflito matou ainda mais
gente -os números mais citados
são redondos, de 40 milhões a 50
milhões de mortos, o que em si já
mostra como a vida era barata então. É provável que nunca se chegue a um número exato.
São números difíceis de entender. "Três milhões de judeus mortos na Polônia nos causam uma
inquietação moderada. Estatísticas não sangram; é o detalhe que
conta", afirmou o escritor húngaro Arthur Koestler. O líder soviético -e também genocida, apesar
de estar no campo aliado- Joseph Stálin foi mais brutal: "Uma
morte é uma tragédia, 1 milhão de
mortes são uma estatística".
No total foram 6 milhões de judeus europeus chacinados pelos
nazistas, mais de 20 milhões de
soviéticos mortos na maior campanha militar da história, a luta na
frente leste. A guerra foi um combate superlativo. Não envolveu
apenas as Forças Armadas dos
beligerantes. Toda a sociedade foi
mobilizada para aquilo que se
chamou de "guerra total".
A sociedade de massas criou a
guerra feita não mais por milhares de soldados profissionais, mas
por milhões de reservistas. Toda a
população dos países em luta foi
recrutada seja para o combate, seja para a indústria ou a agricultura, produzindo armas e alimentos
em escala gigantesca.
O desenvolvimento dos meios
de comunicação, rádio e jornais e
revistas de grande circulação,
contribuiu para disciplinar e justificar esse esforço perante à população. No caso dos países totalitários e autoritários isso era óbvio;
mas mesmo nas democracias liberais a mídia foi recrutada para o
"esforço de guerra".
Origem de crises
Diga uma crise da segunda metade do século 20, e que ainda pode continuar hoje, e é possível traçar sua origem em uma dessas
guerras mundiais.
Guerra do Vietnã, cujo fim
completou agora 30 anos? Era colônia francesa, ocupada em 1940
pelos japoneses aproveitando-se
de a França ter sido conquistada
pela Alemanha.
Oriente Médio? Os britânicos
tomaram a Palestina na Primeira
Guerra. O mítico Lawrence da
Arábia lutou em prol dos árabes
que buscavam a independência
dos turcos otomanos. Incentivou-se a imigração judaica na Palestina, e o Estado de Israel surgiu logo
depois da Segunda Guerra.
Com o fim da guerra e derrota
dos japoneses, surgiu a chance de
os comunistas chineses de Mao
Tsé-tung tomarem o poder, em
1949. A luta contra o inimigo estrangeiro a partir de 1937 e a pausa na guerra civil criada pela guerra externa facilitaram a penetração comunista junto ao campesinato, a grande massa da população e a fonte de poder dos guerrilheiros, "peixes nadando no oceano do povo", segundo Mao.
Apesar de o próprio Stálin não
acreditar no sucesso e de temer a
independência dos comunistas
chineses, estes tomaram o poder
depois de derrotados os japoneses, e o líder anticomunista
Chiang Kai-shek se exilou em Taiwan -criando uma segunda "pequena China" e um foco de tensão
internacional que dura até hoje.
Os Bálcãs eram e ainda são uma
colcha de retalhos de grupos étnicos em permanente costura. A
"máquina de costura" é a guerra.
Depois da Primeira Guerra surgiu a Iugoslávia, reunindo Bósnia-Herzegóvina, Croácia, Sérvia,
Eslovênia, Macedônia e Montenegro. Outro "round" da luta surge
com a invasão alemã dos Bálcãs
na Segunda Guerra. Algumas nacionalidades aproveitaram para
reivindicar autonomia ou conquistar territórios, aliando-se aos
nazistas, como os croatas.
Mais uma vez a guerra fez nascer outro estado comunista. Os
guerrilheiros, na maioria sérvios,
do líder Josip Broz Tito tomaram
o poder depois de uma violenta
campanha contra os alemães. O
comunismo escamoteou a perene
questão das nacionalidades, etnias e religiões durante a maior
parte do pós-guerra; mais importante que ser sérvio ou croata,
muçulmano ou cristão, era a lealdade ao partido. Com a queda do
comunismo na Iugoslávia o problema que ajudou a causar a Primeira Guerra surge de novo -e
como de praxe, acompanhado
por mais guerra, na década de 90,
da qual o último capítulo foi a crise de Kosovo em 1999.
Barbárie
Já na Primeira Guerra houve em
grande escala muito da barbárie
que caracterizaria o resto do século e teria o seu auge na Segunda
Guerra: massacres, ódio racial,
uso de avanços técnicos para matar mais gente com maior rapidez.
Aviação, submarinos, caminhões,
tanques, rádio, artilharia em massa, administração e suprimento
de milhões de combatentes.
Nenhum dos beligerantes hesitou em bombardear populações
civis. Bombas incendiárias lançadas pelos americanos causaram
enorme estrago nas cidades japonesas repletas de casas de madeira. E duas delas, Hiroshima e Nagasaki, foram pulverizadas pelas
duas únicas bombas atômicas até
hoje usadas em uma guerra.
O ditador Adolf Hitler bem que
tentou construir sua bomba atômica, mas não foi bem-sucedido.
Apesar desse fracasso, o esforço
alemão produziu os ancestrais de
várias armas que aparecem nos
noticiários hoje.
Por exemplo, o ancestral dos
mísseis "cruise" (de cruzeiro),
com os quais os americanos bombardeiam seus desafetos, foram as
bombas voadoras V-1, pequenos
aviões sem piloto que os alemães
usaram para atacar Londres.
A capital britânica também foi o
destino preferencial do avô dos
mísseis balísticos, o V-2. São hoje
esses mísseis os principais meios
de transportar até o alvo uma
bomba nuclear. Tanto faz se os
mísseis são baseados em terra ou
em submarinos -os alemães foram pioneiros nas duas coisas.
Quem se indignou com os tutsis
e hutus se massacrando aos milhares em Ruanda (África), em
1994, pode se lembrar que esse tipo de coisa foi moda na civilizada
Europa na primeira metade do século 20. A mesma Alemanha que
adora Bach e Goethe criou câmaras de gás para apressar o extermínio dos judeus.
A guerra foi causada por regimes políticos que cometeram genocídio, escravizaram populações vencidas, fizeram experimentos pseudocientíficos com seres humanos e não respeitavam
direitos de prisioneiros de guerra.
Tal comportamento fez escola. O
século 21 ainda ouve, e muito, o
eco da maior guerra do século 20.
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