São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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O FIM DO NAZISMO

Maior confronto armado da história humana é encontrado na raiz dos acontecimentos geopolíticos de hoje

Segunda Guerra é origem de conflitos atuais

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Sessenta anos atrás acabou a maior guerra da história humana, mas seus ecos continuam no noticiário diário. Cite um fato, uma crise: a raiz está na Segunda Guerra Mundial (1939-45).
O papa Bento 16, para ficar no exemplo mais recente, é alemão e serviu em uma unidade de artilharia antiaérea na guerra. O fato foi relembrado, e sensacionalizado pelos tablóides britânicos. Mas o adolescente e já então seminarista Joseph Ratzinger não tinha escolha a não ser servir. Todos os alemães e austríacos, dos 16 aos 60 anos, foram convocados a partir de 1944, quando a Alemanha nazista estava perdendo a guerra.
Os alemães governados pelo megalomaníaco austríaco Adolf Hitler iniciaram a guerra em 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia. Antes disso, Hitler abocanhara sua terra natal e pedaços da então Tchecoslováquia. Os aliados ocidentais, França e Reino Unido, entraram em guerra para defender a Polônia. Foram quase seis anos de conflito em quase toda a Europa, boa parte da qual tomada pelos nazistas.
Desde então os alemães em geral reconheceram muito mais seus crimes de guerra do que seus aliados japoneses. Mesmo agora, crises políticas surgem com a China -e, em menor grau, com as duas Coréias, que eram colônia japonesa-, por conta dessa insensibilidade nipônica em pedir desculpas por massacres e bombardeios de civis.

Mortos, muitos mortos
O conflito de 1914 a 1918 matou cerca de 10 milhões de pessoas e recebeu o nome de Grande Guerra. O nome teve de ser revisto depois para Primeira Guerra Mundial porque, entre 1939 e 1945, outro conflito matou ainda mais gente -os números mais citados são redondos, de 40 milhões a 50 milhões de mortos, o que em si já mostra como a vida era barata então. É provável que nunca se chegue a um número exato.
São números difíceis de entender. "Três milhões de judeus mortos na Polônia nos causam uma inquietação moderada. Estatísticas não sangram; é o detalhe que conta", afirmou o escritor húngaro Arthur Koestler. O líder soviético -e também genocida, apesar de estar no campo aliado- Joseph Stálin foi mais brutal: "Uma morte é uma tragédia, 1 milhão de mortes são uma estatística".
No total foram 6 milhões de judeus europeus chacinados pelos nazistas, mais de 20 milhões de soviéticos mortos na maior campanha militar da história, a luta na frente leste. A guerra foi um combate superlativo. Não envolveu apenas as Forças Armadas dos beligerantes. Toda a sociedade foi mobilizada para aquilo que se chamou de "guerra total".
A sociedade de massas criou a guerra feita não mais por milhares de soldados profissionais, mas por milhões de reservistas. Toda a população dos países em luta foi recrutada seja para o combate, seja para a indústria ou a agricultura, produzindo armas e alimentos em escala gigantesca.
O desenvolvimento dos meios de comunicação, rádio e jornais e revistas de grande circulação, contribuiu para disciplinar e justificar esse esforço perante à população. No caso dos países totalitários e autoritários isso era óbvio; mas mesmo nas democracias liberais a mídia foi recrutada para o "esforço de guerra".

Origem de crises
Diga uma crise da segunda metade do século 20, e que ainda pode continuar hoje, e é possível traçar sua origem em uma dessas guerras mundiais.
Guerra do Vietnã, cujo fim completou agora 30 anos? Era colônia francesa, ocupada em 1940 pelos japoneses aproveitando-se de a França ter sido conquistada pela Alemanha.
Oriente Médio? Os britânicos tomaram a Palestina na Primeira Guerra. O mítico Lawrence da Arábia lutou em prol dos árabes que buscavam a independência dos turcos otomanos. Incentivou-se a imigração judaica na Palestina, e o Estado de Israel surgiu logo depois da Segunda Guerra.
Com o fim da guerra e derrota dos japoneses, surgiu a chance de os comunistas chineses de Mao Tsé-tung tomarem o poder, em 1949. A luta contra o inimigo estrangeiro a partir de 1937 e a pausa na guerra civil criada pela guerra externa facilitaram a penetração comunista junto ao campesinato, a grande massa da população e a fonte de poder dos guerrilheiros, "peixes nadando no oceano do povo", segundo Mao.
Apesar de o próprio Stálin não acreditar no sucesso e de temer a independência dos comunistas chineses, estes tomaram o poder depois de derrotados os japoneses, e o líder anticomunista Chiang Kai-shek se exilou em Taiwan -criando uma segunda "pequena China" e um foco de tensão internacional que dura até hoje.
Os Bálcãs eram e ainda são uma colcha de retalhos de grupos étnicos em permanente costura. A "máquina de costura" é a guerra.
Depois da Primeira Guerra surgiu a Iugoslávia, reunindo Bósnia-Herzegóvina, Croácia, Sérvia, Eslovênia, Macedônia e Montenegro. Outro "round" da luta surge com a invasão alemã dos Bálcãs na Segunda Guerra. Algumas nacionalidades aproveitaram para reivindicar autonomia ou conquistar territórios, aliando-se aos nazistas, como os croatas.
Mais uma vez a guerra fez nascer outro estado comunista. Os guerrilheiros, na maioria sérvios, do líder Josip Broz Tito tomaram o poder depois de uma violenta campanha contra os alemães. O comunismo escamoteou a perene questão das nacionalidades, etnias e religiões durante a maior parte do pós-guerra; mais importante que ser sérvio ou croata, muçulmano ou cristão, era a lealdade ao partido. Com a queda do comunismo na Iugoslávia o problema que ajudou a causar a Primeira Guerra surge de novo -e como de praxe, acompanhado por mais guerra, na década de 90, da qual o último capítulo foi a crise de Kosovo em 1999.

Barbárie
Já na Primeira Guerra houve em grande escala muito da barbárie que caracterizaria o resto do século e teria o seu auge na Segunda Guerra: massacres, ódio racial, uso de avanços técnicos para matar mais gente com maior rapidez. Aviação, submarinos, caminhões, tanques, rádio, artilharia em massa, administração e suprimento de milhões de combatentes.
Nenhum dos beligerantes hesitou em bombardear populações civis. Bombas incendiárias lançadas pelos americanos causaram enorme estrago nas cidades japonesas repletas de casas de madeira. E duas delas, Hiroshima e Nagasaki, foram pulverizadas pelas duas únicas bombas atômicas até hoje usadas em uma guerra.
O ditador Adolf Hitler bem que tentou construir sua bomba atômica, mas não foi bem-sucedido. Apesar desse fracasso, o esforço alemão produziu os ancestrais de várias armas que aparecem nos noticiários hoje.
Por exemplo, o ancestral dos mísseis "cruise" (de cruzeiro), com os quais os americanos bombardeiam seus desafetos, foram as bombas voadoras V-1, pequenos aviões sem piloto que os alemães usaram para atacar Londres.
A capital britânica também foi o destino preferencial do avô dos mísseis balísticos, o V-2. São hoje esses mísseis os principais meios de transportar até o alvo uma bomba nuclear. Tanto faz se os mísseis são baseados em terra ou em submarinos -os alemães foram pioneiros nas duas coisas.
Quem se indignou com os tutsis e hutus se massacrando aos milhares em Ruanda (África), em 1994, pode se lembrar que esse tipo de coisa foi moda na civilizada Europa na primeira metade do século 20. A mesma Alemanha que adora Bach e Goethe criou câmaras de gás para apressar o extermínio dos judeus.
A guerra foi causada por regimes políticos que cometeram genocídio, escravizaram populações vencidas, fizeram experimentos pseudocientíficos com seres humanos e não respeitavam direitos de prisioneiros de guerra. Tal comportamento fez escola. O século 21 ainda ouve, e muito, o eco da maior guerra do século 20.

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