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Milionário descobre que brasileiro o salvou de Hitler
PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK
Uma história que envolve um
milionário norte-americano, um
português que foi mordomo de
Jackeline Kennedy Onassis, um
historiador e um diplomata brasileiro que lutou para salvar judeus
do nazismo juntou todas as suas
pontas há poucas semanas em
Nova York, mais de 60 anos depois de seu início.
Foi só então que o milionário
Felix Rohatyn, 76, descobriu o nome do diplomata que lhe concedeu o visto brasileiro que salvou
sua vida em 1940, quando a Alemanha nazista tomava a França e
o destino dos judeus eram os
campos de concentração.
O nome que Rohatyn só veio a
conhecer 65 anos depois é o de
Luís Martins de Souza Dantas
(1876-1954), embaixador do Brasil na França de 1922 a 1943.
Mesmo contra a orientação do
Itamaraty no governo Getúlio
Vargas (1930-45) de negar ou limitar vistos aos judeus, o diplomata concedeu ao menos 500 deles para pessoas ameaçadas pelo
nazismo durante a Segunda
Guerra Mundial.
A história está contada num livro do historiador brasileiro Fábio Koifman, que estudou desde
1997 arquivos do Itamaraty, do
Ministério da Justiça e mais de 10
mil prontuários de passageiros
que chegaram ao país para lançar
"Quixote nas Trevas - O Embaixador Souza Dantas e os Refugiados
do Nazismo".
Rohatyn é conhecido nos EUA
por ter arquitetado o plano que tirou Nova York do colapso financeiro no final dos anos 70. De 1997
a 2000, foi embaixador do país na
França, durante o segundo mandato de Bill Clinton na Presidência dos EUA.
"Quando fui embaixador na
França, fiz um discurso em Marselha reconhecendo outra pessoa,
um norte-americano que ajudou
judeus a fugir da França. Então
essa é uma questão que esteve na
minha cabeça por um longo tempo, mas foi totalmente nova para
mim a identidade do embaixador
brasileiro", disse Rohatyn à Folha, por telefone, de seu escritório
na Park Avenue.
Mordomo de Jackie O.
O mistério só foi resolvido porque o português João Crisóstomo,
60, resolveu se lançar "de alma e
coração", como gosta de dizer, na
empreitada. Engajado no reconhecimento de outro diplomata
que ajudou a salvar judeus, o português Aristides de Souza Mendes, conheceu a história de Souza
Dantas.
Desde então, trabalhou para
que o Consulado do Brasil em
Nova York nomeasse uma sala
com o nome do diplomata -o
que aconteceu no final do ano
passado- e fez a ponte entre o
historiador Fábio Koifman e Rohatyn. Crisóstomo só conseguiu
acesso ao milionário porque, há
mais de 30 anos, assim que chegou aos EUA, foi mordomo de
Jackeline Onassis, e Rohatyn era
um dos freqüentadores assíduos
da casa da ex-primeira-dama.
O historiador Fábio Koifman já
sabia que Rohatyn era um dos
quase 500 nomes que conseguiu
localizar, mas não tinha como entrar em contato com o milionário.
De posse dos documentos passados pelo historiador, Crisóstomo
telefonou para Rohatyn. Quando
contou o que tinha em mãos, foi
recebido.
No início deste mês, o financista
norte-americano participou de
uma cerimônia em homenagem
ao diplomata no Museu da Herança Judaica, em Manhattan. "O
senhor Rohatyn falou suavemente, mas com grande emoção, das
já poderosas lembranças que se
somaram a um alívio ainda maior
quando olhou as fotos dele aos 12
anos, de sua mãe, de seu padrasto
e da mãe dele", relatou o "New
York Times".
"Foi uma emoção muito grande", contou Rohatyn à Folha.
Com aqueles documentos, foi de
Marselha para a Argélia, pegou
um trem até Casablanca (Marrocos), um barco até Lisboa e depois
mais um até o Rio de Janeiro, onde sua família ficou por um ano e
meio. Ao Brasil, nunca mais voltou. "Gostaria, mas nunca surgiu
uma ocasião."
Apesar de não falar português,
leu no livro do historiador brasileiro os nomes daqueles que foram salvos por Souza Dantas.
"Quando olhei a lista, foi muito
interessante, porque encontrei
um amigo da nossa família, um
homem chamado Leo Castelli, e
sua mulher. Ele se tornou um negociador de arte famoso em todo
o mundo depois da guerra. Eram
nossos amigos, eles foram para
Cuba, nós para o Brasil, mas também tiveram vistos do senhor
Souza Dantas", disse Rohatyn à
Folha.
Warhol e Ziembinski
Além de Rohatyn e de Castelli
-que descobriu, entre outros, o
artista pop Andy Warhol (1928-87)-, muitos outros foram salvos pelo diplomata que até hoje
segue quase desconhecido no
Brasil, como o polonês Zbigniew
Ziembinski (1908-78), que dirigiu
em 1943 "Vestido de Noiva", de
Nelson Rodrigues, um marco na
história do teatro nacional.
Fábio Koifman diz que parou de
procurar quando chegou perto de
500 nomes, mas acredita, "baseado também em declarações do
próprio ministro da Justiça interino, Vasco Leitão da Cunha, e do
embaixador francês no Brasil da
época, que cerca de mil pessoas
tenham sido salvas".
Um dos personagens desta história, João Crisóstomo também
morou no Brasil. No país, fez hotelaria antes de vir para os EUA, a
convite de um de seus professores, Dário Campos, que ainda hoje trabalha no consulado brasileiro. Além da ligação com Jackie O.,
de quem tinha a chave de casa até
o fim de sua vida, é amigo de Xanana Gusmão, o líder da independência do Timor Leste -mais
uma causa pela qual lutou. "Meu
crédito é que, quando as pessoas
são boas, são amizades que mantenho."
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