São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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Milionário descobre que brasileiro o salvou de Hitler

PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

Uma história que envolve um milionário norte-americano, um português que foi mordomo de Jackeline Kennedy Onassis, um historiador e um diplomata brasileiro que lutou para salvar judeus do nazismo juntou todas as suas pontas há poucas semanas em Nova York, mais de 60 anos depois de seu início.
Foi só então que o milionário Felix Rohatyn, 76, descobriu o nome do diplomata que lhe concedeu o visto brasileiro que salvou sua vida em 1940, quando a Alemanha nazista tomava a França e o destino dos judeus eram os campos de concentração.
O nome que Rohatyn só veio a conhecer 65 anos depois é o de Luís Martins de Souza Dantas (1876-1954), embaixador do Brasil na França de 1922 a 1943.
Mesmo contra a orientação do Itamaraty no governo Getúlio Vargas (1930-45) de negar ou limitar vistos aos judeus, o diplomata concedeu ao menos 500 deles para pessoas ameaçadas pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.
A história está contada num livro do historiador brasileiro Fábio Koifman, que estudou desde 1997 arquivos do Itamaraty, do Ministério da Justiça e mais de 10 mil prontuários de passageiros que chegaram ao país para lançar "Quixote nas Trevas - O Embaixador Souza Dantas e os Refugiados do Nazismo".
Rohatyn é conhecido nos EUA por ter arquitetado o plano que tirou Nova York do colapso financeiro no final dos anos 70. De 1997 a 2000, foi embaixador do país na França, durante o segundo mandato de Bill Clinton na Presidência dos EUA.
"Quando fui embaixador na França, fiz um discurso em Marselha reconhecendo outra pessoa, um norte-americano que ajudou judeus a fugir da França. Então essa é uma questão que esteve na minha cabeça por um longo tempo, mas foi totalmente nova para mim a identidade do embaixador brasileiro", disse Rohatyn à Folha, por telefone, de seu escritório na Park Avenue.

Mordomo de Jackie O.
O mistério só foi resolvido porque o português João Crisóstomo, 60, resolveu se lançar "de alma e coração", como gosta de dizer, na empreitada. Engajado no reconhecimento de outro diplomata que ajudou a salvar judeus, o português Aristides de Souza Mendes, conheceu a história de Souza Dantas.
Desde então, trabalhou para que o Consulado do Brasil em Nova York nomeasse uma sala com o nome do diplomata -o que aconteceu no final do ano passado- e fez a ponte entre o historiador Fábio Koifman e Rohatyn. Crisóstomo só conseguiu acesso ao milionário porque, há mais de 30 anos, assim que chegou aos EUA, foi mordomo de Jackeline Onassis, e Rohatyn era um dos freqüentadores assíduos da casa da ex-primeira-dama.
O historiador Fábio Koifman já sabia que Rohatyn era um dos quase 500 nomes que conseguiu localizar, mas não tinha como entrar em contato com o milionário. De posse dos documentos passados pelo historiador, Crisóstomo telefonou para Rohatyn. Quando contou o que tinha em mãos, foi recebido.
No início deste mês, o financista norte-americano participou de uma cerimônia em homenagem ao diplomata no Museu da Herança Judaica, em Manhattan. "O senhor Rohatyn falou suavemente, mas com grande emoção, das já poderosas lembranças que se somaram a um alívio ainda maior quando olhou as fotos dele aos 12 anos, de sua mãe, de seu padrasto e da mãe dele", relatou o "New York Times".
"Foi uma emoção muito grande", contou Rohatyn à Folha. Com aqueles documentos, foi de Marselha para a Argélia, pegou um trem até Casablanca (Marrocos), um barco até Lisboa e depois mais um até o Rio de Janeiro, onde sua família ficou por um ano e meio. Ao Brasil, nunca mais voltou. "Gostaria, mas nunca surgiu uma ocasião."
Apesar de não falar português, leu no livro do historiador brasileiro os nomes daqueles que foram salvos por Souza Dantas. "Quando olhei a lista, foi muito interessante, porque encontrei um amigo da nossa família, um homem chamado Leo Castelli, e sua mulher. Ele se tornou um negociador de arte famoso em todo o mundo depois da guerra. Eram nossos amigos, eles foram para Cuba, nós para o Brasil, mas também tiveram vistos do senhor Souza Dantas", disse Rohatyn à Folha.

Warhol e Ziembinski
Além de Rohatyn e de Castelli -que descobriu, entre outros, o artista pop Andy Warhol (1928-87)-, muitos outros foram salvos pelo diplomata que até hoje segue quase desconhecido no Brasil, como o polonês Zbigniew Ziembinski (1908-78), que dirigiu em 1943 "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues, um marco na história do teatro nacional.
Fábio Koifman diz que parou de procurar quando chegou perto de 500 nomes, mas acredita, "baseado também em declarações do próprio ministro da Justiça interino, Vasco Leitão da Cunha, e do embaixador francês no Brasil da época, que cerca de mil pessoas tenham sido salvas".
Um dos personagens desta história, João Crisóstomo também morou no Brasil. No país, fez hotelaria antes de vir para os EUA, a convite de um de seus professores, Dário Campos, que ainda hoje trabalha no consulado brasileiro. Além da ligação com Jackie O., de quem tinha a chave de casa até o fim de sua vida, é amigo de Xanana Gusmão, o líder da independência do Timor Leste -mais uma causa pela qual lutou. "Meu crédito é que, quando as pessoas são boas, são amizades que mantenho."

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