São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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AMÉRICA LATINA

Grupo representa quase metade da população, mas enfrenta falta de políticas e indefinições econômicas

Indígena vê "dança das cadeiras" no Equador

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A QUITO

Determinantes para a queda dos ex-presidentes Jamil Mahuad e Abdalá Bucaram, as populações indígenas do Equador mantiveram-se à margem do processo que culminou na destituição de Lucio Gutiérrez em 20 de abril. Embora tenham apoiado o protesto, levado às ruas sobretudo pela classe média de Quito, seu suporte foi velado e distante, sem as marchas que caracterizaram os movimentos anteriores.
"A Conaie não quer se envolver com os "politiqueiros", e esse processo começou com eles", disse à Folha Manuel Castro, diretor de comunicação e um dos dirigentes da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador.
Para a confederação, o movimento que tomou corpo nas ruas de Quito, tirou Gutiérrez do palácio de governo e soprou sobre o Congresso -de onde foram destituídos nove deputados e outros seis renunciaram- não foi muito mais do que uma dança das cadeiras, na qual os mesmo grupos e a mesma agenda continuam no comando do país.
"Para os indígenas esse governo de Alfredo Palacio não significa nenhum conserto ideológico para o país. Vamos continuar submetidos a um Estado burguês", diz Castro, que usa os longos cabelos pretos presos numa trança e o chapéu preto típico dos nativos dali. Na Conaie, todos se vestem assim. Nas ruas de Quito, também é comum ver os indígenas envergando os ponchos coloridos típicos da região andina, distinguindo-se da escassa população branca, dos raros negros e da maioria mestiça.
Eles são hoje 5 milhões dos 13 milhões de equatorianos, pelas contas da própria Conaie. Aparecem em todos os setores da sociedade -embora a grande maioria esteja entre os menos favorecidos na escala econômica-, atuam nas mais diferentes áreas, preservam sua cultura e estão organizados. Mas, ainda assim, encontram pouco lugar nas decisões políticas do país.
"O maior problema dos indígenas do Equador hoje é a falta de vontade política dos governantes", diz Castro, afirmando que todas as propostas apresentadas pela Conaie ou não chegam a ser ouvidas ou não são levadas a sério. "A situação econômica das populações indígenas praticamente não está definida, porque não existe uma política econômica específica para nós", afirma.
Como conseqüência dessa falta de políticas, Castro cita a atuação de empresas estrangeiras em terras indígenas. É o caso da brasileira Petrobras, que tem um bloco de exploração e produção de petróleo no Parque Yasuní, uma reserva de biodiversidade em terras indígenas.
"Esse é o nosso problema número dois. Nos lugares que há atuação de empresas estrangeiras em terras indígenas, sobretudo com o petróleo, a biodiversidade e as condições humanas se deterioraram", afirma. Segundo Castro, os moradores dessas áreas quase sempre ficam excluídos do processo de concessão.
Castro acredita que os políticos equatorianos ainda estejam impregnados de uma mentalidade colonialista, que os faz ver com má vontade ou desconfiança as propostas apresentadas pelo grupo. "Eles acham que a proposta indígena não serve, é um retrocesso ou tem de ser mais bem organizada. Só que nós já temos as coisas suficientemente definidas e discutidas", afirma.
Entre os pontos principais, defendem a educação bilíngüe e o conselho nacional de desenvolvimento para os povos indígenas.
Ainda que não exista um contentamento com Palacio, os integrantes da Conaie celebraram a destituição de Gutiérrez, a quem consideram um dos piores presidentes de todos os tempos para com a população indígena.
Aliadas no início -o presidente da Conaie, Luiz Macas, chegou a ser ministro da Agricultura nos seis primeiros meses de governo-, as duas partes se desentenderam depois de o presidente relegar a causa indígena a segundo plano.
"A condição era que sentássemos juntos, Gutiérrez, a Conaie e o Pachakuti [braço político da Conaie], e traçássemos planos para mudar o país. Mas estávamos falando sozinhos, então cortamos a aliança."
A principal crítica é aos acordos assinado por Gutiérrez com governos e empresas estrangeiras -como a autorização para a operação da base de Manta, mantida pelo governo dos EUA em terras indígenas.

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