São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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CUBA

Para diplomata americano ridicularizado em vinhetas, ataques mostram que o regime vê transição como "inevitável"

Desenho animado é nova arma cubana contra os EUA

MARINA DELLA VALLE
DA REDAÇÃO

Apontado por Fidel Castro como o pivô da onda de repressão em Cuba em 2003 -com saldo de 75 dissidentes condenados a até 28 anos de prisão e o fuzilamento de três homens que seqüestraram uma lancha-, o chefe da Seção de Interesses dos EUA em Havana, James Cason, enfrenta desde fevereiro outro "round" de ataques, desta vez em forma de desenhos animados na TV estatal que o ridicularizam diretamente.
São seis animações abordando assuntos como vacinação, educação e direitos humanos. Neles, "el cabo Cason"- a versão do governo cubano para o diplomata- aparece, por exemplo, como uma fada madrinha que transforma a escola José Martí na Richard Nixon High School, que apresenta um ostensivo detector de metais na entrada. Em todos, Cason termina perseguido e escorraçado.
"Realmente não me importa que o governo cubano me use para aterrorizar o público cubano. Tenho certeza de que eles entendem muito bem o que está por trás disso", diz Cason à Folha. "Os desenhos demonstram que o regime está preocupado com tanta falação entre os cubanos sobre um futuro sem Fidel, democrático. Reconhecem que uma transição é inevitável, queiram ou não."
Cason reconhece que os desenhos animados divertem o público e já está acostumado a respostas do estilo. No Natal de 2004, enfeitou o prédio da Seção de Interesses dos EUA com um luminoso na forma do número 75 -alusão aos dissidentes presos por participarem de atividades na representação americana. Fidel respondeu com um outdoor diante do prédio da representação com fotos dos maus-tratos cometidos por soldados dos EUA contra presos em Abu Ghraib, no Iraque.
O local ainda foi palco de uma marcha contra a política norte-americana em relação a Cuba que reuniu de 1,2 milhão de pessoas, segundo os organizadores. Observadores avaliaram a multidão em "centenas de milhares".
O ato foi visto por alguns analistas como uma das maiores manifestações pró-Fidel nos últimos anos. Cason duvida. "Se fosse possível falar com o povo cubano fora do alcance do governo, acredito que diriam que participam das marchas por serem obrigados", diz. "Somente se um cidadão cubano participa da vida política como o governo pede poderá estudar em uma universidade, ter uma carreira que lhe agrade..."
O estilo combativo de Cason, aliado ao endurecimento da política americana em relação a Cuba, causou reações inflamadas. O ex-diplomata americano Wayne Smith, que chefiou a representação em Havana de 1979 a 1982 antes de deixar a carreira por discordar da política dos EUA sobre a ilha, classifica Cason como "provocador" e diz que as atitudes do diplomata derivam de instruções detalhadas de Washington, tese corroborada por Fidel.
"Fidel considera "provocativa" qualquer ação que não esteja dentro de suas preferências", diz Cason. "É o regime de Fidel que provoca o resto do mundo com suas violações dos direitos humanos de cubanos indefesos."
Ele acabou deflagrando uma escalada de repressão com a prisão de 75 dissidentes, acusados de serem "mercenários" por supostamente aceitar dinheiro dos EUA distribuído pelo diplomata. Catorze foram libertados. Cason distribuiu milhares de rádios e cópias da Declaração Universal dos Direitos Humanos aos cubanos.
Fidel acusa Cason de ser enviado por Washington com o propósito de provocar Cuba e forçar uma invasão americana à ilha, citando uma conjunção entre as atividades da comunidade dissidente e de opositores ao regime na Flórida e a política de imigração facilitada para cubanos nos EUA como o combustível para o incidente do seqüestro da lancha, em abril de 2003, e de supostos ataques a aviões cubanos ao estilo do 11 de Setembro.
"O ditador Fidel insiste em aterrorizar o povo cubano com uma iminente invasão americana. Funcionários de vários níveis do governo dos EUA já disseram e eu repito: os EUA não têm intenção de invadir Cuba. Claro que, para Fidel, não é conveniente acreditar em nossas afirmações", diz. "Se os EUA não existissem, Fidel diria que os marcianos invadiriam Cuba. O fim é claro: encontrar um inimigo externo que justifique controlar e manter oprimidos os cubanos. Fidel está aferrado ao poder no qual se converteu no "grande ditador", não só do continente, mas do mundo."

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