São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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HISTÓRIA

Segundo Robert Jervis, novos documentos contradizem versão de que país temia "efeito dominó" comunista na Ásia

Arrogância causou Vietnã, diz analista

DE NOVA YORK

Professor de relações internacionais da Universidade Columbia, Robert Jervis afirma que novos documentos contradizem a versão mais aceita de que os EUA entraram na Guerra do Vietnã para conter um efeito dominó comunista na Ásia, mesmo sabendo que podiam perder.
De acordo com Jervis, que fez doutorado em Berkeley e dava aula em Harvard, o país "tinha um sentimento de domínio militar".
Ele cita o livro "Perils of Dominance: Imbalance of Power and the Road to War in Vietnam", de Gareth Porter, a ser publicado em junho, para fundamentar seus argumentos. "Segundo esse livro, os EUA não tinham medo do efeito dominó, mas das impressões que isso iria causar. No final, era com as avaliações dos outros, chineses, russos, europeus, que os EUA estavam mais preocupados", diz.
Para o professor, uma diferença importante entre o Iraque e o Vietnã é o número de americanos mortos. Foram 1.600 em mais de dois anos no Oriente Médio. Em dois meses, morria mais gente no confronto da década de 70.
Entre as diferenças está a "cegueira" do presidente George W. Bush no manejo de informações. "Bush não recebeu menos informação, ele simplesmente ignorou o que tinha. A inteligência estava errada nas armas de destruição em massa, mas alertou que haveria problemas de insurgência armada e caos", diz. Leia a entrevista abaixo. (PEDRO DIAS LEITE)

Folha - Trinta anos depois de uma guerra tão estudada, há algo novo sobre o Vietnã?
Robert Jervis -
Novos documentos mostram que os EUA entraram na guerra porque tinham um sentimento de domínio militar. Em outras palavras, é o contrário do que se pensa sobre a guerra, de que os EUA entraram não tanto porque esperavam vencer, mas porque sentiam que simplesmente tinham de evitar um efeito dominó. Um novo livro ("Perils of Dominance: Imbalance of Power and the Road to War in Vietnam", de Gareth Porter, a ser publicado em junho) argumenta que o efeito dominó até era real, mas limitado. Nem mesmo nós esperávamos um efeito de maior alcance.

Folha - Então o país nunca pensou que pudesse perder, mas era uma intervenção necessária?
Jervis -
Segundo esse livro, os EUA não tinham medo do efeito dominó, mas das impressões que isso iria causar. Acho que, no final, era com as avaliações dos outros, chineses, russos, europeus, que os EUA estavam mais preocupados. Os EUA superestimaram suas chances de vencer, e Lyndon Johnson [1963-69] achava que o fato de os EUA serem muito mais fortes que os norte-vietnamitas, e de fato eram, levaria a vencer a guerra. E isso simplesmente estava errado. Embora os EUA fossem muito mais fortes em termos materiais, para os vietnamitas era uma questão de vida ou morte. Os EUA nunca realmente entenderam o quanto eles estavam dispostos a sofrer para não perder aquela guerra.

Folha - Hoje o país está em outra guerra, no Iraque, em que muitos vêem semelhanças com o Vietnã. É possível traçar paralelos entre esses dois conflitos?
Jervis -
Alguns. Mas há realmente muitas diferenças. Começando pelas similaridades, as duas guerras se mostraram muito mais difíceis do que seus líderes pensavam. No caso vietnamita, os líderes dos EUA tiveram um bom serviço de inteligência e ouviram suas fontes. John F. Kennedy [1961-63] e Johnson receberam muita informação sobre a guerra, sabiam que seria difícil, mas esperavam vencer e entraram com seus olhos abertos.
Mas a atual administração não. Bush e seu pessoal pensaram que a vitória seria fácil, como foi, mas que a reconstrução política seria também, sem resistência. E eles acreditaram nisso apesar do fato de que a inteligência estava dizendo a eles algo diferente. Então eles estavam cegos. Na questão da luta, a diferença na escala é enorme. E faz muita diferença ter perdido até agora 1.600 vidas de americanos, o que é terrível. Mas, lembre-se, no Vietnã, no auge da luta, você ouvia em perdas de 1.600 vidas em dois meses, em vez da guerra inteira. [Morreram 58 mil norte-americanos, no total].

Folha - O sr. disse que os EUA sabiam das dificuldades do Vietnã, apesar de acharem que venceriam. No caso de Bush, qual era o grau de conhecimento?
Jervis -
Bush não recebeu menos informação, ele simplesmente ignorou o que tinha. A inteligência estava errada nas armas de destruição em massa, mas alertou que haveria problemas de insurgência armada e caos. A Casa Branca e os civis no Pentágono ignoraram isso. E nesse caso, os relatórios de inteligência disseram que seria difícil.

Folha - Então os EUA não só não aprenderam com o Vietnã como agiram pior do que no passado?
Jervis -
A principal lição do Vietnã foi que você não deve lutar contra nacionalistas em selvas de países que não entendemos. Temos de ver se agora estamos enfrentando isso ou não.

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