São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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REINO UNIDO

Maioria dos analistas considera certo que o ministro das Finanças, identificado com a esquerda trabalhista, será premiê

Brilho de Brown ofusca a vitória de Blair

JAMES BLITZ
DO "FINANCIAL TIMES"

Tony Blair conquistou sua terceira vitória numa eleição geral. Entretanto é ao ministro das Finanças, Gordon Brown, que a maioria dos analistas políticos britânicos vem prestando atenção cada vez maior. Neste fim de semana o primeiro-ministro pode estar curtindo a glória de sua terceira vitória sucessiva, apesar de ela ter sido acompanhada de uma redução marcante na maioria parlamentar de seu partido. Mas o mundo político está com os olhos voltados a Brown.
A maioria dos analistas políticos britânicos considera praticamente certo que, em algum momento dos próximos dois ou três anos, Brown tome o lugar de Blair como líder do Partido Trabalhista e primeiro-ministro.
Em 2004, o premiê prometeu que, se vencesse a eleição, não continuaria em seu cargo para disputar a próxima, prevista para 2009. E Brown, saudado por muitos como o arquiteto do sucesso econômico do Partido Trabalhista em seus oito anos no governo, é sem dúvida a figura mais bem qualificada para suceder a Blair.
As esperanças de Brown de realizar esse sonho foram consideravelmente fortalecidas durante a campanha eleitoral britânica. Enquanto percorreu o país incansavelmente, Blair foi assediado por eleitores indignados com sua decisão de apoiar a Guerra do Iraque e convencidos de que o premiê mentiu para fortalecer seus argumentos. Brown veio socorrer o premiê em mais de uma ocasião, recorrendo a sua própria credibilidade forte junto ao público para salvar a situação. Em uma entrevista coletiva à imprensa, um jornalista perguntou ao ministro se ele teria feito exatamente o que Blair fez em relação à invasão do Iraque. Brown respondeu com uma palavra apenas: "Sim".
As chances de uma sucessão que não demore muito a acontecer foram intensificadas com os resultados da eleição de quinta-feira. A maioria de Blair no Parlamento foi reduzida de 161 para 66. Será um golpe psicológico para alguns setores do Partido Trabalhista. E o partido tem um grande número de deputados rebeldes em suas fileiras. Blair pode acabar tendo dificuldade em exercer seu mandato com eficácia.
Apesar disso, não está claro quando o premiê pretende deixar o poder. Nesta semana Blair afirmou inequivocamente sua intenção de cumprir até o final seu terceiro mandato. A mensagem é que Blair quer permanecer no cargo até 2008.
A relação entre Blair e Brown é a mais complexa entre um premiê e um ministro das Finanças já vista na política britânica moderna. Os dois se conhecem há mais de 20 anos. São co-fundadores do Novo Trabalhismo e, durante a década de 90, desviaram o partido da esquerda para o centro do espectro político britânico. Em muitos momentos, porém, sua relação tem sido marcada pela acrimônia. Os aliados do ministro das Finanças freqüentemente dão a entender que Blair deu para trás em relação a um acordo pelo qual ele deveria renunciar no ano passado. Os aliados de Blair, por sua vez, afirmam que Brown é um tradicionalista à moda antiga que nunca aceitou o sucesso de seu parceiro.
Boa parte dessas críticas não passa de bobagem. As diferenças políticas entre eles não são tão grandes quanto muitas vezes se quer fazer crer. Brown com certeza possui uma imagem mais de esquerda e mais mal-humorada que o premiê. E, embora Blair muitas vezes dê a impressão de ser alguém que se sentiria à vontade no Partido Conservador, de centro-direita, Brown é visto como um político que sente prazer em andar na companhia de sindicalistas e militantes trabalhistas.
Embora seja certo que Brown, à frente da pasta das Finanças, tenha implementado muitas políticas de redistribuição de renda, ele também é fortemente engajado com o setor empresarial, a geração de riqueza e a necessidade de uma economia estável. Nas últimas semanas ele vem começando a falar de maneira mais efusiva sobre a necessidade de reformas de mercado nos serviços britânicos de saúde e educação pública, mudanças que dariam às pessoas um poder de escolha maior em relação aos hospitais que usam e às escolas onde seus filhos estudam.
A grande diferença entre os dois é mais uma questão de estilo. Uma figura bem posicionada no governo comenta: "Tony é advogado, alguém que convence, uma pessoa que adota uma atitude muito intransigente -por exemplo, sobre o Iraque- e então sai para tentar convencer as pessoas de sua posição. Já Gordon, pelo contrário, é filho de um pregador. Ele se esforça muito para decidir qual é sua visão de alguma coisa; então, anuncia essa visão de cima para baixo e supõe que você vá aderir a ela".
Será que Brown daria um bom premiê? Uma coisa é certa: ele começaria desfrutando de confiança pública maior do que a dada a Blair. Mas ele não agradaria diretamente à classe média inglesa como Blair, que estudou em escolas particulares. Brown ainda é tradicional demais, "velho trabalhismo" demais para muita gente. O fato de, nos últimos anos, ele não ter corrigido sua imagem pública, sob muitos aspectos falsa, talvez tenha sido seu maior equívoco.
Nada disso, porém, preocupa a Brown e seus assessores. O que eles querem saber é se Blair pretende renunciar. No momento, as perspectivas do ministro parecem ótimas. Ele foi crucial para a vitória trabalhista. E se, no próximo ano, o Reino Unido promover um referendo sobre a Constituição européia, o premiê desacreditado se tornará ainda mais dependente da credibilidade de Brown para garantir a vitória do "sim".
Mas pode ser preciso esperar outros dois anos até que Blair deixe o governo. Quem sabe o que pode acontecer nesse período? A economia britânica pode dar um mergulho de cabeça, prejudicando a reputação de Brown. Um candidato alternativo jovem e atraente pode surgir para enfrentar Brown na disputa pela liderança trabalhista. Para Brown, seria muito mais fácil se Blair renunciasse ao cargo já. Mas ele provavelmente será obrigado a esperar.


Tradução de Clara Allain

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