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REINO UNIDO
Maioria dos analistas considera certo que o ministro das Finanças, identificado com a esquerda trabalhista, será premiê
Brilho de Brown ofusca a vitória de Blair
JAMES BLITZ
DO "FINANCIAL TIMES"
Tony Blair conquistou sua terceira vitória numa eleição geral.
Entretanto é ao ministro das Finanças, Gordon Brown, que a
maioria dos analistas políticos
britânicos vem prestando atenção
cada vez maior. Neste fim de semana o primeiro-ministro pode
estar curtindo a glória de sua terceira vitória sucessiva, apesar de
ela ter sido acompanhada de uma
redução marcante na maioria
parlamentar de seu partido. Mas
o mundo político está com os
olhos voltados a Brown.
A maioria dos analistas políticos
britânicos considera praticamente certo que, em algum momento
dos próximos dois ou três anos,
Brown tome o lugar de Blair como líder do Partido Trabalhista e
primeiro-ministro.
Em 2004, o premiê prometeu
que, se vencesse a eleição, não
continuaria em seu cargo para
disputar a próxima, prevista para
2009. E Brown, saudado por muitos como o arquiteto do sucesso
econômico do Partido Trabalhista em seus oito anos no governo, é
sem dúvida a figura mais bem
qualificada para suceder a Blair.
As esperanças de Brown de realizar esse sonho foram consideravelmente fortalecidas durante a
campanha eleitoral britânica. Enquanto percorreu o país incansavelmente, Blair foi assediado por
eleitores indignados com sua decisão de apoiar a Guerra do Iraque e convencidos de que o premiê mentiu para fortalecer seus
argumentos. Brown veio socorrer
o premiê em mais de uma ocasião, recorrendo a sua própria
credibilidade forte junto ao público para salvar a situação. Em uma
entrevista coletiva à imprensa,
um jornalista perguntou ao ministro se ele teria feito exatamente
o que Blair fez em relação à invasão do Iraque. Brown respondeu
com uma palavra apenas: "Sim".
As chances de uma sucessão
que não demore muito a acontecer foram intensificadas com os
resultados da eleição de quinta-feira. A maioria de Blair no Parlamento foi reduzida de 161 para 66.
Será um golpe psicológico para alguns setores do Partido Trabalhista. E o partido tem um grande
número de deputados rebeldes
em suas fileiras. Blair pode acabar
tendo dificuldade em exercer seu
mandato com eficácia.
Apesar disso, não está claro
quando o premiê pretende deixar
o poder. Nesta semana Blair afirmou inequivocamente sua intenção de cumprir até o final seu terceiro mandato. A mensagem é
que Blair quer permanecer no
cargo até 2008.
A relação entre Blair e Brown é a
mais complexa entre um premiê e
um ministro das Finanças já vista
na política britânica moderna. Os
dois se conhecem há mais de 20
anos. São co-fundadores do Novo
Trabalhismo e, durante a década
de 90, desviaram o partido da esquerda para o centro do espectro
político britânico. Em muitos momentos, porém, sua relação tem
sido marcada pela acrimônia. Os
aliados do ministro das Finanças
freqüentemente dão a entender
que Blair deu para trás em relação
a um acordo pelo qual ele deveria
renunciar no ano passado. Os
aliados de Blair, por sua vez, afirmam que Brown é um tradicionalista à moda antiga que nunca
aceitou o sucesso de seu parceiro.
Boa parte dessas críticas não
passa de bobagem. As diferenças
políticas entre eles não são tão
grandes quanto muitas vezes se
quer fazer crer. Brown com certeza possui uma imagem mais de
esquerda e mais mal-humorada
que o premiê. E, embora Blair
muitas vezes dê a impressão de
ser alguém que se sentiria à vontade no Partido Conservador, de
centro-direita, Brown é visto como um político que sente prazer
em andar na companhia de sindicalistas e militantes trabalhistas.
Embora seja certo que Brown, à
frente da pasta das Finanças, tenha implementado muitas políticas de redistribuição de renda, ele
também é fortemente engajado
com o setor empresarial, a geração de riqueza e a necessidade de
uma economia estável. Nas últimas semanas ele vem começando
a falar de maneira mais efusiva sobre a necessidade de reformas de
mercado nos serviços britânicos
de saúde e educação pública, mudanças que dariam às pessoas um
poder de escolha maior em relação aos hospitais que usam e às
escolas onde seus filhos estudam.
A grande diferença entre os dois
é mais uma questão de estilo.
Uma figura bem posicionada no
governo comenta: "Tony é advogado, alguém que convence, uma
pessoa que adota uma atitude
muito intransigente -por exemplo, sobre o Iraque- e então sai
para tentar convencer as pessoas
de sua posição. Já Gordon, pelo
contrário, é filho de um pregador.
Ele se esforça muito para decidir
qual é sua visão de alguma coisa;
então, anuncia essa visão de cima
para baixo e supõe que você vá
aderir a ela".
Será que Brown daria um bom
premiê? Uma coisa é certa: ele começaria desfrutando de confiança
pública maior do que a dada a
Blair. Mas ele não agradaria diretamente à classe média inglesa como Blair, que estudou em escolas
particulares. Brown ainda é tradicional demais, "velho trabalhismo" demais para muita gente. O
fato de, nos últimos anos, ele não
ter corrigido sua imagem pública,
sob muitos aspectos falsa, talvez
tenha sido seu maior equívoco.
Nada disso, porém, preocupa a
Brown e seus assessores. O que
eles querem saber é se Blair pretende renunciar. No momento, as
perspectivas do ministro parecem
ótimas. Ele foi crucial para a vitória trabalhista. E se, no próximo
ano, o Reino Unido promover um
referendo sobre a Constituição
européia, o premiê desacreditado
se tornará ainda mais dependente
da credibilidade de Brown para
garantir a vitória do "sim".
Mas pode ser preciso esperar
outros dois anos até que Blair deixe o governo. Quem sabe o que
pode acontecer nesse período? A
economia britânica pode dar um
mergulho de cabeça, prejudicando a reputação de Brown. Um
candidato alternativo jovem e
atraente pode surgir para enfrentar Brown na disputa pela liderança trabalhista. Para Brown, seria
muito mais fácil se Blair renunciasse ao cargo já. Mas ele provavelmente será obrigado a esperar.
Tradução de Clara Allain
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