São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

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Brasiguaios se armam para reforma de Lugo

Produtores rurais com origem brasileira contratam milícias para protegerem suas propriedades em território paraguaio

Promessa do presidente eleito de promover reforma agrária causa ebulição no campo do país que é quarto produtor mundial de soja


Fernando Donasci/Folha Imagem
Vigilantes armados fazem segurança em fazenda de brasiguaio na cidade de Santa Rosa de Monday, departamento de Alto Paraná

JOSÉ MASCHIO
ENVIADO ESPECIAL AO PARAGUAI

A vitória do esquerdista Fernando Lugo na eleição presidencial do Paraguai e suas promessas de reformulação da estrutura fundiária criaram um clima de permanente tensão nos departamentos (Estados) agrícolas do país vizinho.
O cenário opõe entidades camponesas que aceleram o processo de arregimentação de sem-terra, com montagem de acampamentos e mobilização de 150 mil pessoas pelo país, e fazendeiros, muitos deles brasileiros, que montam milícias para defender suas terras.
A concentração de terras no Paraguai -quarto produtor mundial de soja, atrás dos EUA, Brasil e Argentina- é uma das maiores do continente.
Pesquisadores ligados à MCNOC (Mesa Coordenadora Nacional das Organizações Camponesas) apontam que 77% das terras agricultáveis estão nas mãos de 1% dos proprietários rurais e que 351 fazendeiros são donos de 9,7 milhões de hectares (área superior à de Santa Catarina).
Na outra ponta, 25% da população paraguaia, ou 1,5 milhão de pessoas, vive em situação de pobreza, entre as quais 400 mil agricultores sem-terra.
Nesse estado de ebulição que antecede a posse do ex-bispo, em agosto, as terras férteis do departamento de Alto Paraná aparecem como objeto de desejo dos camponeses pobres. Eles deixam suas áreas de origem e se concentram na região à espera de um lote da reforma agrária prometida por Lugo.

"Brasiguaios"
Em Alto Paraná está a maior concentração de "brasiguaios" (produtores brasileiros ou paraguaios de origem brasileira), grupo que responde por quase 60% da produção paraguaia de soja, estimada em 7 milhões de toneladas na última safra.
A maioria dos "brasiguaios" é de pequenos e médios produtores, com áreas de 50 a 200 hectares (o parque Ibirapuera, em São Paulo, tem 160 hectares). São filhos e remanescentes da colonização brasileira no leste paraguaio nos anos 1970, após o acordo para a construção da usina de Itaipu. Vêem a promessa de reforma agrária de Lugo com crescente apreensão.
Já os brasileiros com grandes extensões de terra no Paraguai resolveram se prevenir e se armar. A Folha visitou áreas nos municípios de Colonia Yguazu, Santa Rita, Naranjal, Santa Tereza del Monday e Santa Rosa del Monday. Em todos os locais foi possível ver guardas armados com escopetas e revólveres nas plantações de milho e trigo.
Aparecido Donizeti da Silva, 50, dono de 6.000 hectares entre Yguazu e Santa Rosa del Monday, é um dos que optaram pelas milícias armadas. Emprega ao menos 15 homens na defesa de sua terra. A tarefa é coordenada por Alfonso Roman Acosta, ex-sargento que já trabalhou na segurança do general Lino Oviedo, candidato derrotado na última eleição presidencial.
""Não sou contra a reforma agrária, só não quero invasão da minha propriedade", afirma Silva. Suas terras, onde diz produzir soja, milho e trigo, são visadas pela OLT (Organização Luta pela Terra), para a qual Silva é só "laranja" de Oviedo.
"O dono daquela área é o general Oviedo, e são terras fiscais", disse Francisco Rescaldi, 45, coordenador de um acampamento de 650 famílias da OLT em Colonia Yguazu. Terras fiscais são áreas federais, mas que foram distribuídas a amigos do ditador Alfredo Stroessner (1954-1989).
Silva nega. ""Comprei as terras há 13 anos, nem conhecia o general [Oviedo], de quem hoje sou amigo. As terras foram fiscalizadas três vezes, não existe problema documental." Silva tem mais 13,3 mil hectares na região do Chaco paraguaio, onde cria gado de corte.
Outro ponto de tensão entre os brasileiros é a possível aplicação de uma lei aprovada em 2005 e que proibiu brasileiros, argentinos e bolivianos de comprar terras em uma faixa de até 50 km da fronteira. O atual e o próximo governo paraguaio dizem, porém, que a regra não será retroativa.

"Garroteiros"
Para lideranças sem-terra, os fazendeiros estão ressuscitando uma criação da ditadura. ""Foi a época dos garroteiros, a polícia paramilitar de Stroessner, que hoje os fazendeiros estão revivendo", disse Miguel Angel Colman, 50, secretário de organização da OLT.
Segundo Colman, há 11 milhões de hectares de terras fiscais do Paraguai com a iniciativa privada. Ele disse que essa terra bastaria para assentar os 400 mil sem-terra paraguaios.
Dono de 50 mil hectares de terra em solo paraguaio, o empresário Bruno Boff, 51, disse estar tranqüilo com a posse de Lugo. ""Isso parece a época em que o Lula ia assumir pela primeira vez no Brasil. Se falava em reforma agrária, desapropriações, confisco, e nada disso ocorreu. Quem deve temer é quem tem terra com documentação irregular."


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