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Leste europeu reluta em abrir mão da saúde gratuita
Eslováquia lidera reformas, polêmicas entre seus antigos compatriotas tchecos
República Tcheca impõe preços simbólicos para o atendimento; na Hungria, referendo rejeita cobrança e derruba ministro da Saúde
NICHOLAS KULISH
DO NEW YORK TIMES, EM PRAGA
Uma consulta médica na República Tcheca custa cerca de
R$ 3. Mas isso não é visto como
motivo para festejar. Para os
tchecos, que vão ao médico
com mais freqüência que os habitantes de qualquer outro país
da Europa, esse valor provoca
ultraje. Aqui e em outros países
centro-europeus, a idéia de que
seja cobrado qualquer valor
que seja pelo atendimento médico gera grande polêmica.
Na Hungria, a cobrança pelo
atendimento médico foi rejeitada com estardalhaço num referendo nacional realizado em
março e que resultou na demissão do ministro da Saúde. Na
República Tcheca, que começou a impor a cobrança de honorários modestos no início do
ano, o próprio premiê foi obrigado a depor diante da Corte
Constitucional em Brno.
Laboratório
Países ricos e pobres enfrentam o problema de como oferecer atendimento médico a preços viáveis sem que isso os leve
a quebrar. Em países como a
República Tcheca, a população
se sente traída porque durante
anos o Estado cuidou dela, e
também há um sentimento de
temor entre os que ficaram para trás nos últimos anos, marcados pelo crescimento.
"Preciso poupar para poder
comprar comida", disse a viúva
e estatística aposentada Kveta
Lachoutova, 78. Na sala de espera do consultório de seu médico, em Praga, ela contou que
vive com aposentadoria mensal
de R$ 975, dos quais gasta quase R$ 730 com o aluguel, água e
luz. "Não compro mais nada."
Para pessoas saudáveis e empregadas, os honorários médicos cobrados não passam de
troco, normalmente pagos com
as mesmas moedas de 10 ou 20
coroas usadas no pagamento
dos bilhetes do transporte público em Praga. Falando reservadamente, alguns tchecos
abastados admitem que gastam
muito mais com veterinário para seus cães e gatos do que com
a própria saúde.
Nos últimos anos, a região
vem funcionando como laboratório de reformas do sistema de
saúde. A iniciativa é liderada
por defensores do livre mercado na Eslováquia. "O que queremos conquistar no sistema
de saúde é uma responsabilidade individual maior: tornar os
consumidores mais responsáveis por aquilo que consomem", disse Peter Pazitny, diretor do Instituto de Política de
Saúde em Bratislava.
O governo tcheco mostrou-se receptivo às sugestões do
Instituto de Política de Saúde,
chegando a empregar um dos
parceiros de Pazitny. Mas a
oposição preferiria que seus ex-compatriotas os deixassem em
paz -e que fizessem o mesmo
com seu sistema de saúde.
"Entenderia se esses rapazes
fizessem isso como tese para
seus seminários universitários,
mas aqui estão introduzindo
[as propostas] na vida real", disse Michael Hasek, líder do Partido Social-Democrático, a
maior legenda oposicionista.
Ceticismo
Especialistas discordam
quanto a se a cobrança de honorários para desencorajar as
idas ao médico são uma boa
idéia do ponto de vista da saúde
pública, e questionam até mesmo se ela de fato representa
economia para o sistema. Na
República Tcheca, está claro
que a cobrança de honorários
médicos -R$ 3 para uma consulta médica e o dobro desse
valor por dia de internação hospitalar- está tendo um efeito
sobre o comportamento das
pessoas.
O número de receitas dadas
por médicos teve uma queda de
40% no primeiro trimestre,
embora parte disso possa ter sido resultante do aumento preventivo no final do ano passado. O governo estimou que as
seguradoras públicas pouparam mais de R$ 160 milhões no
primeiro trimestre em comparação com o ano anterior.
"Procuramos desonerar o
sistema público de saúde", disse o ministro da Saúde tcheco,
Tomas Julinek. Mas existe um
teto anual de R$ 480 para os
gastos anuais de cada pessoa,
que, segundo Julinek, representa uma proteção para os
doentes graves.
Pessoas que sofrem de doenças crônicas disseram que não
sabem ao certo como o teto irá
funcionar. "Até agora, estou
sentindo os aspectos negativos", contou Lenka Vondrackova, que sofre de esclerose múltipla. "Creio que no futuro haverá mais dinheiro para melhores equipamentos e remédios...
se é que isso poderia dar certo",
acrescentou.
Tradução de CLARA ALLAIN
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