São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

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Leste europeu reluta em abrir mão da saúde gratuita

Eslováquia lidera reformas, polêmicas entre seus antigos compatriotas tchecos

República Tcheca impõe preços simbólicos para o atendimento; na Hungria, referendo rejeita cobrança e derruba ministro da Saúde


NICHOLAS KULISH
DO NEW YORK TIMES, EM PRAGA

Uma consulta médica na República Tcheca custa cerca de R$ 3. Mas isso não é visto como motivo para festejar. Para os tchecos, que vão ao médico com mais freqüência que os habitantes de qualquer outro país da Europa, esse valor provoca ultraje. Aqui e em outros países centro-europeus, a idéia de que seja cobrado qualquer valor que seja pelo atendimento médico gera grande polêmica.
Na Hungria, a cobrança pelo atendimento médico foi rejeitada com estardalhaço num referendo nacional realizado em março e que resultou na demissão do ministro da Saúde. Na República Tcheca, que começou a impor a cobrança de honorários modestos no início do ano, o próprio premiê foi obrigado a depor diante da Corte Constitucional em Brno.

Laboratório
Países ricos e pobres enfrentam o problema de como oferecer atendimento médico a preços viáveis sem que isso os leve a quebrar. Em países como a República Tcheca, a população se sente traída porque durante anos o Estado cuidou dela, e também há um sentimento de temor entre os que ficaram para trás nos últimos anos, marcados pelo crescimento.
"Preciso poupar para poder comprar comida", disse a viúva e estatística aposentada Kveta Lachoutova, 78. Na sala de espera do consultório de seu médico, em Praga, ela contou que vive com aposentadoria mensal de R$ 975, dos quais gasta quase R$ 730 com o aluguel, água e luz. "Não compro mais nada."
Para pessoas saudáveis e empregadas, os honorários médicos cobrados não passam de troco, normalmente pagos com as mesmas moedas de 10 ou 20 coroas usadas no pagamento dos bilhetes do transporte público em Praga. Falando reservadamente, alguns tchecos abastados admitem que gastam muito mais com veterinário para seus cães e gatos do que com a própria saúde.
Nos últimos anos, a região vem funcionando como laboratório de reformas do sistema de saúde. A iniciativa é liderada por defensores do livre mercado na Eslováquia. "O que queremos conquistar no sistema de saúde é uma responsabilidade individual maior: tornar os consumidores mais responsáveis por aquilo que consomem", disse Peter Pazitny, diretor do Instituto de Política de Saúde em Bratislava.
O governo tcheco mostrou-se receptivo às sugestões do Instituto de Política de Saúde, chegando a empregar um dos parceiros de Pazitny. Mas a oposição preferiria que seus ex-compatriotas os deixassem em paz -e que fizessem o mesmo com seu sistema de saúde.
"Entenderia se esses rapazes fizessem isso como tese para seus seminários universitários, mas aqui estão introduzindo [as propostas] na vida real", disse Michael Hasek, líder do Partido Social-Democrático, a maior legenda oposicionista.

Ceticismo
Especialistas discordam quanto a se a cobrança de honorários para desencorajar as idas ao médico são uma boa idéia do ponto de vista da saúde pública, e questionam até mesmo se ela de fato representa economia para o sistema. Na República Tcheca, está claro que a cobrança de honorários médicos -R$ 3 para uma consulta médica e o dobro desse valor por dia de internação hospitalar- está tendo um efeito sobre o comportamento das pessoas.
O número de receitas dadas por médicos teve uma queda de 40% no primeiro trimestre, embora parte disso possa ter sido resultante do aumento preventivo no final do ano passado. O governo estimou que as seguradoras públicas pouparam mais de R$ 160 milhões no primeiro trimestre em comparação com o ano anterior.
"Procuramos desonerar o sistema público de saúde", disse o ministro da Saúde tcheco, Tomas Julinek. Mas existe um teto anual de R$ 480 para os gastos anuais de cada pessoa, que, segundo Julinek, representa uma proteção para os doentes graves.
Pessoas que sofrem de doenças crônicas disseram que não sabem ao certo como o teto irá funcionar. "Até agora, estou sentindo os aspectos negativos", contou Lenka Vondrackova, que sofre de esclerose múltipla. "Creio que no futuro haverá mais dinheiro para melhores equipamentos e remédios... se é que isso poderia dar certo", acrescentou.


Tradução de CLARA ALLAIN


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