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São Paulo, sexta-feira, 08 de agosto de 2003

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SAÚDE

Alertas sobre o Paxil, um dos mais vendidos no mundo, reabrem a discussão sobre os efeitos desses medicamentos

Antidepressivos voltam a ser questionados

GARDINER HARRIS
DO "NEW YORK TIMES"

Alertas de agências reguladoras dos EUA e do Reino Unido sobre a segurança do Paxil, um dos antidepressivos mais utilizados no mundo, estão reabrindo questionamentos em relação a toda uma classe de medicamentos que inclui o Prozac e o Zoloft.
No Brasil, o equivalente do Paxil é o Aropax, também produzido pelo laboratório GlaxoSmithKline. Seu correspondente genérico é o Cloridrato de paroxetina.
Médicos especializados no tratamento de doenças afetivas começam a reagir ao alerta, divulgado em junho último por autoridades britânicas da área de controle de medicamentos, sobre a existência de estudos não publicados que mostrariam que o Paxil conteria um risco substancial de levar adolescentes e crianças a considerarem o suicídio.
O alerta foi endossado alguns dias depois pela Food and Drug Administration (FDA, agência de controle de alimentos e medicamentos dos EUA), que estuda impor novas restrições ao uso de antidepressivos. A FDA enfatizou, no entanto, que pacientes jovens "não devem interromper o uso de Paxil sem consultar seu médico".
Autoridades britânicas prometem examinar "urgentemente" as implicações dos estudos, realizados pelos próprios fabricantes, mas não divulgados inteiramente.
Já os defensores desses antidepressivos sustentam que a uso deles por milhões de pessoas em todo o mundo, inclusive crianças e adolescentes, desde o início dos anos 90, preveniu muito mais suicídios do que os novos estudos sugerem que possam ter causado.

Serotonina
O Paxil integra uma classe de medicamentos antidepressivos conhecida como inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), substância química que ajuda na transmissão de sinais elétricos de uma célula nervosa (neurônio) para outra.
No processo de comunicação nervosa, a serotonina é liberada de um neurônio e "viaja" até o próximo, onde é absorvida pela membrana, desencadeando reações no interior da célula, ou retorna ao neurônio original.
A depressão e outros transtornos de ansiedade podem ser causados por uma disfunção química no cérebro, que pode afetar, entre outras coisas, a oferta de serotonina entre as células nervosas.
O Paxil impede que a serotonina seja reabsorvida pela célula nervosa original e, ao elevar a oferta da substância entre os neurônios, ajuda a normalizar a comunicação no sistema nervoso.
Há 12 anos, houve intensa discussão sobre a possibilidade de os medicamentos ISRS estimularem o suicídio, mas ela acabou sendo descartada pela FDA. Entretanto, dos dez especialistas americanos que, como membros da FDA, descartaram essa possibilidade em 1991 sete agora afirmam que pretendem reavaliar sua posição.
"Em 1991, dissemos que não havia indícios suficientes para sustentar a existência de qualquer ligação entre essas drogas e o suicídio", diz Jeffrey Lieberman, professor de psiquiatria e farmacologia da Universidade da Carolina do Norte (EUA). "Agora, há indícios de que essa relação exista pelo menos em crianças, e não descartaria a possibilidade de ocorrer também em adultos." Cerca de 5% das receitas de ISRS são destinadas a menores de idade.
Embora as dúvidas atuais refiram-se especificamente ao Paxil, os outros medicamentos ISRS atuam de forma semelhante e, portanto, a preocupação se estenderia a todos eles.
Até mesmo médicos que não acreditam existir uma ligação entre os ISRS e um aumento da tendência de suicídio enfatizam que os pacientes precisam ser cuidadosamente monitorados nas primeiras semanas de tratamento.
É o que sugere Philip Perera, da GlaxoSmithKline. "Veja os pacientes todos os dias, se preciso."

Empresas reagem
As empresas farmacêuticas, que faturam bilhões de dólares com os ISRS, reagem com cautela.
"Estamos discutindo a questão com a FDA para chegar a um entendimento comum", diz Perera. A Pfizer, fabricante do Zoloft, afirma que o medicamento é diferente do Paxil e passou por todas as avaliações da FDA, a última em junho passado. Já a Eli Lilly & Company, do Prozac, diz que a droga não provoca suicídio.
Os responsáveis britânicos dizem que análises de estudos feitos sobre o Paxil mostram que os pensamentos e as tentativas de suicídio entre jovens e crianças que usavam o produto foram 3,2 vezes maiores do que entre pacientes da mesma faixa etária que consumiram placebo.

"Abismo suicida"
Alguns especialistas suspeitam que, nas primeiras semanas de terapia, drogas como o Paxil poderiam empurrar alguns pacientes a um "abismo suicida". Há duas explicações. A primeira é que haveria uma "desinibição da depressão". No início, o paciente continuaria a sentir os efeitos da depressão -como desamparo, desesperança e até mesmo tendências autodestrutivas-, mas já estariam menos apáticos.
Assim, poderiam estar mais suscetíveis a agir destrutivamente até que se chegasse a uma melhora significativa do quadro.
Em segundo lugar, a maior oferta de serotonina pode acarretar ansiedade, irritabilidade e desconforto. Segundo Mark Riddle, diretor da divisão de psiquiatria de crianças e adolescentes da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, as crianças parecem particularmente vulneráveis.
"Crianças tendem a ficar bastante ativadas, especialmente quando tomam doses de ISRS equivalentes às de adultos. Tivemos vários casos de crianças que ficaram tão desinibidas que tiveram atitudes imprudentes", diz.

Droga "revolucionária"
Já David Schaffer, pesquisador da Universidade Columbia, sustenta que o número de suicídios de adolescentes caiu significativamente em países onde remédios antidepressivos são receitados com maior frequência.
"Essa queda é provavelmente o resultado de um tratamento mais disseminado de jovens com os ISRS, e sugere que essas drogas sejam responsáveis por salvar muitas vidas", diz. "A introdução dos ISRS foi uma revolução."


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