São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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LIGAÇÕES PERIGOSAS

Para Craig Unger, que escreveu "As Famílias do Petróleo", proximidade põe segurança em xeque

Elo Bush-sauditas ameaça EUA, diz autor

LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO

George W. Bush está evitando as "perguntas difíceis" e, com isso, colocando em xeque a segurança nacional americana.
Para o jornalista Craig Unger, autor do recém-lançado "As Famílias do Petróleo" ("House of Saud, House of Bush", editora Record), as "perguntas difíceis" são aquelas que Bush deveria fazer a seus aliados sauditas, com quem o presidente estaria sendo leniente demais por conta das relações próximas que sua família mantém há anos com a casa real.
Nas 420 páginas do livro, o repórter da "New Yorker" e consultor das redes de TV CNN e ABC esmiúça essas relações e suas supostas implicações na segurança americana a partir da permissão do governo Bush para 140 sauditas (inclusive 23 membros da família Bin Laden) deixarem o país nos dias seguintes ao 11 de Setembro, quando aviões comerciais estavam proibidos de voar, sem serem formalmente interrogados.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Unger concedeu à Folha por telefone.

 

Folha - Há uma história de boas relações entre os EUA e a Arábia Saudita que não começou com os Bushes. O que mudou?
Craig Unger -
Os Bushes têm uma relação sem precedentes: eu rastreei US$ 1,4 bilhão em investimentos sauditas em empresas nas quais os Bushes têm grande participação, como o grupo Carlyle e a Halliburton. Além disso, Bush pai é muito próximo do príncipe Bandar bin Sultan [embaixador saudita nos EUA]. Os Bushes são tão próximos dos sauditas que deixaram de fazer as perguntas difíceis. Essa relação compromete uma questão desesperadamente importante para os EUA: a segurança nacional. O 11 de Setembro não teria acontecido sem os sauditas. Quinze dos seqüestradores [dos aviões usados nos ataques] eram sauditas. A Al Qaeda é saudita. Bin Laden é saudita.

Folha - A Arábia Saudita retirou a cidadania de Bin Laden.
Unger -
É verdade, mas os sauditas estão jogando nos dois times. Trata-se de uma monarquia teocrática onde a religião do Estado é uma vertente extremista, fundamentalista do islã, que em sua forma mais extrema gera um Osama bin Laden. Metade das pessoas na Arábia Saudita apóia Bin Laden.

Folha - Quais seriam as perguntas difíceis a serem feitas?
Unger -
"Queremos transparência no modo como os bancos sauditas estão financiando o terrorismo", "queremos transparência no modo como algumas entidades assistenciais sauditas financiam o terrorismo". Veja os sauditas que deixaram os EUA naquela semana [do 11 de Setembro]. A Casa Branca lhes deu uma permissão para não cumprir regras.

Folha - Bin Laden tem 53 irmãos. O sr. acha possível presumir que eles tenham relações próximas?
Unger -
Numa investigação criminal séria você entrevista gente inocente. Sabemos se algum membro da família continua a financiá-lo? Há poucas semanas, Yeslam bin Laden foi indagado em uma entrevista se entregaria o irmão se tivesse contato com ele. Ele disse que não. É provável que descobríssemos coisas interessantes sobre essas pessoas se elas fossem interrogadas oficialmente.

Folha - Qual seria a política adequada quanto à Arábia Saudita?
Unger -
Temos de manter uma boa relação, porque precisamos do petróleo deles. Mas não que devamos lhes dar passe livre. Creio que se você analisar os países que mais permitiram a proliferação de terroristas, a Arábia Saudita provavelmente é o primeiro.

Folha - Seu livro serviu de base para uma parte do documentário "Farenheit 11 de Setembro", que algumas pessoas afirmam satanizar os sauditas. O sr. concorda?
Unger -
O filme, de fato, é muito crítico aos sauditas, e eu, de certa forma, também sou. Os sauditas, por muitos anos, foram apresentados de forma completamente acrítica na mídia americana. É verdade que os EUA dependem do petróleo saudita. Mas é meio como um pacto com o demônio.

Folha - E como pressionar, considerando tantos laços econômicos?
Unger -
É uma boa pergunta, mas acho que o governo Clinton em 1998 conseguiu isso após os atentados contra as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia. Precisou que o presidente dos EUA fosse até o príncipe Abdullah dizer "precisamos da sua ajuda". Ele teve algum sucesso.

Folha - O sr. acredita que o governo Bush não tenha feito tal pedido?
Unger -
Sim. Dois dias após o ataque, o príncipe Bandar visitou a Casa Branca. Bush deveria ter dito que isso tinha que parar, pedido transparência. Em vez disso, ele deixa os aviões partirem.

Folha - O que o sr. espera da política externa se Bush for reeleito?
Unger -
Estou assustado. Eu vejo na Guerra do Iraque um erro, um desastre. Mas esse governo não a vê assim. Eles acham que é só a primeira de várias empreitadas.


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