São Paulo, Domingo, 08 de Agosto de 1999
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OUTRA VISÃO
Para o cientista político argentino Rosendo Fraga, esquerda não ampliará influência na região
Analista vê espaço para autoritarismo

LÉO GERCHMANN
da Agência Folha, em Porto Alegre

O cientista político argentino Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos União para a Nova Maioria, disse, em entrevista à Agência Folha, que não acredita no crescimento político da esquerda na América Latina.
Analisando as perspectivas eleitorais nos próximos meses, Fraga diz que há espaço para o autoritarismo, mesmo que com "uma forma democrática". Em todo o continente, o cientista político vê poucas chances para a "esquerda como tal". No Brasil, o PT teria, segundo ele, de se modernizar.

Agência Folha - O sr. acredita que a esquerda esteja crescendo na América Latina com o espaço deixado por um neoliberalismo em crise?
Rosendo Fraga -
Acredito que a esquerda, como tal, não está crescendo na América Latina. Se tomamos as cinco eleições presidenciais que terão lugar na região entre outubro de 1999 e julho de 2000, vemos que não se registra um avanço significativo da esquerda. Na Argentina, está ganhando, segundo pesquisas, De la Rúa (Fernando de la Rúa, candidato da aliança oposicionista UCR-Frepaso), que, apesar de apoiado pela centro-esquerda, é um candidato conservador.
No Uruguai, as pesquisas mostram que, no segundo turno, impõe-se Jorge Battle, que é um candidato liberal-conservador. Acho que a Frente Ampla (de esquerda) pode obter o primeiro lugar no primeiro turno, mas será derrotada no segundo, por uma coalizão entre blancos e colorados.
No Chile, ganha o candidato socialista (Lagos), mas a partir de uma aliança com a democracia cristã. No Peru, onde a eleição ocorrerá em abril, o presidente Alberto Fujimori está em primeiro lugar nas pesquisas.
No México, onde as eleições serão em julho, o PRD, que representa a centro-esquerda, acaba de acertar uma aliança eleitoral com o PAN ( centro-direita).

Agência Folha - O neoliberalismo corre riscos de desgaste em países como Brasil e Argentina, que lideram o Mercosul?
Fraga -
Penso que o neoliberalismo não corre ricos no Brasil e na Argentina no curto e médio prazo. O presidente Fernando Henrique Cardoso dificilmente abandonará o caminho que tomou, apesar das dificuldades.
Na Argentina, nem De la Rúa nem o candidato do peronismo, Eduardo Duhalde, parecem dispostos a abandonar esse caminho, apesar das recentes declarações deste último sobre a dívida externa (falando em suspensão temporária do pagamento).

Agência Folha - O sr. crê que o autoritarismo pode crescer?
Fraga -
Creio que há espaço para isso, ainda que mantendo certa forma democrática. Alberto Fujimori, no Peru, e Hugo Chávez, na Venezuela, são formas semi-autoritárias de exercer o poder dentro da formalidade democrática.

Agência Folha - Hugo Chávez tem algumas atitudes de esquerda ao combater o atual modelo econômico hegemônico na América Latina...
Fraga -
Chávez é um populista nacionalista. Só pode ser definido como de esquerda em termos econômicos, mas não políticos.

Agência Folha - A Aliança UCR-Frepaso (que é de oposição e tem boas chances de vencer a eleição argentina) não seria uma nova forma de esquerda?
Fraga -
A Aliança UCR-Frepaso é uma expressão latino-americana da Terceira Via européia, que, sem modificar o modelo econômico, pretende introduzir leves modificações políticas e sociais.

Agência Folha - "Chacho" Alvarez e Graciela Fernández Meijide (da Frepaso, que integra com a UCR de De la Rúa a aliança oposicionista argentina) se destacarão no futuro?
Fraga -
"Chacho" Alvarez terá importância como vice-presidente (é o candidato a vice de De la Rúa) se a Aliança ganhar. Penso que será um vice-presidente com um poder maior que o habitual. Quanto a Fernández Meijide, se ganha a eleição na Província de Buenos Aires (é a candidata ao governo pela Aliança, depois de ter sido derrotada por De la Rúa nas prévias presidenciais), seu poder será muito relevante. Deixará de ser se ela for derrotada.

Agência Folha - O sr. vê espaço para o PT ter influência nos países da região?
Fraga -
Acho difícil que o PT seja uma alternativa na região com sua atual linha. As duas derrotas eleitorais sofridas contra Cardoso (FHC) o fizeram perder influência regional. Mas, se produzir uma modernização, como a que realizou o trabalhismo inglês, pode ter um peso regional maior.

Agência Folha - A atual crise do Mercosul pode desgastar o modo hoje dominante de conduzir a política no continente?
Fraga -
Acho que uma crise no Mercosul desgasta a idéia da integração regional, mas não necessariamente a forma de fazer política. Acredito que o Mercosul sobrevive à atual crise. Os países da região não têm outra forma eficaz de se inserir na economia globalizada que não seja a da integração.

Agência Folha - Essa crise representa algum tipo de perigo?
Fraga -
O que gera perigo é a ruptura do Mercosul, que seria uma grave frustração regional e deixaria a região sem uma via eficaz para integrar-se ao mundo globalizado. Na Argentina, o consenso a respeito da manutenção do Mercosul é comum a todas as forças políticas. Há apenas enfoques diferentes sobre como resolver os problemas.



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