São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2004

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Abusos russos agravam crise tchetchena, dizem ONGs

Musa Sadulayev - 9.ago.2004/Associated Press
Soldados russos fazem patrulha em Grozni, capital tchetchena


MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Nada justifica a tomada de civis, incluindo centenas de crianças, como reféns, pondo sua vida em perigo. Isso dito, é preciso constatar que a política aplicada por Vladimir Putin na Tchetchênia desde a deflagração do segundo conflito recente na república secessionista agrava bastante o problema.
Diferentemente do que sustenta Moscou, a situação na Tchetchênia não foi "normalizada", e as violações a direitos humanos protagonizadas por militares russos e por forças especiais do Ministério do Interior continuam freqüentes e estão se propagando pela vizinha Inguchétia, segundo disseram à Folha representantes das organizações de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional (AI) e a Human Rights Watch.
"Os abusos estão se tornando cada vez mais corriqueiros. Isso já seria uma constatação alarmante, porém a ausência de interesse por parte do governo russo em julgar os suspeitos é ainda mais grave. Afinal, ela transmite à população local uma descrença total nas autoridades russas e tchetchenas pró-Moscou", analisou Diederik Lohman, especialista em Tchetchênia da Human Rights Watch.
Os guerrilheiros tchetchenos, que, desde o final do primeiro conflito na região (1994-96), vêm sofrendo uma ainda tênue, mas crescente, influência de militantes e terroristas islâmicos, também cometem atrocidades contra as forças russas e contra a população civil, de acordo com as ONGs.
Todavia os métodos empregados pelas forças russas na Tchetchênia reabriram feridas do passado. Afinal, em 1944, sob o regime sangrento de Josef Stálin, centenas de milhares de tchetchenos, acusados de colaborarem com os nazistas, foram deportados para a Sibéria e para o Cazaquistão.
A Anistia Internacional afirmou, em relatório publicado em junho último, que as forças de segurança russas e tchetchenas pró-Moscou "continuam a praticar impunemente violações aos direitos humanos". "Casos de tortura, incluindo estupro, de assassinatos extrajudiciais, de desaparecimentos não explicados e de maus-tratos ainda são comuns", afirmou uma assessora de imprensa da AI.
Em 1996, os soldados russos deixaram a Tchetchênia humilhados. Desde o início da nova ofensiva, ocorrido em setembro de 1999 sob ordem do então premiê russo, Putin, Moscou pôde estabelecer um controle precário sobre a república separatista, contudo suas tropas ainda não conseguiram subjugar a insurgência.
Em cinco anos de combates violentos, cerca de 15 mil soldados russos e de 50 mil tchetchenos (de uma população original de 1,2 milhão), boa parte entre a população civil, morreram. Centenas de milhares foram obrigados a refugiar-se em regiões vizinhas.
A situação preocupa a AI. "Os abusos estão se alastrando pela Inguchétia. Nos primeiros meses de 2004, tudo indica que houve um aumento do número de desaparecimentos e de assassinatos na Inguchétia. Isso afeta os tchetchenos e a população local", apontou a assessora de imprensa da ONG. A Inguchétia abriga cerca de 50 mil refugiados tchetchenos.
Para as organizações de defesa dos direitos humanos, os países mais desenvolvidos têm de agir para pôr fim às atrocidades. Desde o 11 de Setembro, entretanto, isso tornou-se mais complexo, já que Putin busca associar os guerrilheiros tchetchenos à rede Al Qaeda, de Osama bin Laden, o principal alvo de Washington em sua cruzada contra o terrorismo.
Ademais, Moscou dispõe de direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, o que inviabiliza a aprovação de uma condenação do órgão à política de Putin.


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