São Paulo, quarta, 8 de outubro de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASSADO REVISTO
Pappon foi preso ontem
França julga colaborador dos nazistas

MARIANE COMPARATO
de Paris

Maurice Papon, 87, ex-funcionário de Vichy, governo francês que colaborou com a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), começa a ser julgado hoje em Bordeaux, no departamento da Gironde (leste da França). O julgamento está previsto para durar dois meses e meio.
Papon vai ser julgado por "crimes contra a humanidade". Secretário-geral da Prefeitura de Gironde de março de 1941 a agosto de 1944, está sendo acusado de ter ordenado a prisão de 1.560 judeus pela polícia, que depois seriam quase todos executados no campo de extermínio de Auschwitz.
"Não me sinto de forma alguma culpado nem responsável pelas horríveis desgraças que foram cometidas. Esforcei-me para atenuá-las e até para salvar gente", disse Papon, ontem, antes de ser levado para a prisão. Ele aguardou o julgamento em liberdade, mas a lei francesa requer que réus enfrentando acusações graves fiquem detidos durante seu julgamento.
Papon foi encarcerado no final da tarde na prisão de Gradignan, perto de Bordeaux. Foi levado a uma célula individual, isolado dos outros presos, que gritaram insultos contra ele.
Papon protestou contra o processo: "Fui promovido na época da libertação (da França) pelo general De Gaulle e, anos depois, me transformo em colaborador."
O diretor-executivo do Crij (Conselho Representativo das Instituições Judaicas), Haim Musicant, espera que o julgamento sirva para mostrar às novas gerações os erros do passado.
"A Justiça foi feita. Desde o final da guerra, nenhum alto funcionário de Vichy foi julgado. Está sendo muito importante para a comunidade judaica colocar em evidência esse passado negro da história da França", disse ele à Folha.
Durante a guerra, Papon se valeu da demissão sumária dos judeus que ocupavam cargos no governo para ser promovido rapidamente a cargos importantes. Assim, chegou a secretário-geral em Gironde.
No final da guerra, foi nomeado comissário do gabinete de Gaston Cusin, comissário da República nomeado pelo governo provisório do general Charles de Gaulle. Foi chefe da polícia de Paris de 1958 a 1967 e ministro das Finanças no governo de Raymond Barre. Recebeu a condecoração de "légion d'Honneur" (honra ao mérito) e foi proclamado "resistente" contra os alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
Foi preciso que Michel Slitinsky, cujo pai foi deportado para os campos de extermínio nazistas por ser judeu, denunciasse Papon, em 1981, para que a reputação do ex-funcionário de Vichy fosse abalada. Mesmo assim, a instrução do processo durou 16 anos.
Segundo pesquisa encomendada pelo jornal "Le Parisien", 75% dos franceses estimam que o julgamento permitirá sensibilizar as novas gerações sobre os perigos do racismo e do anti-semitismo.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.