São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2001

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A OFENSIVA

Ataques foram planejados para conseguir também um grande impacto psicológico

Ação visa "amaciar" terreno afegão

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

As primeiras ondas de ataques anglo-americanos a alvos no Afeganistão ontem tiveram vários objetivos: castigar a milícia Taleban que governa o país e a organização terrorista liderada por Osama bin Laden, atingindo os alvos militares possíveis em um país onde eles são poucos. E também "amaciar" o terreno para uma ofensiva da rival Aliança do Norte em direção à capital, Cabul, e para eventuais operações de forças terrestres destinadas a caçar o homem mais procurado do mundo.
Como existem poucos alvos "apetitosos" no Afeganistão para mísseis que custam US$ 1 milhão cada -e foram lançados ontem só na primeira leva 50 mísseis Tomahawk-, as operações foram planejadas para obter também um grande impacto psicológico não só no inimigo, como no resto do mundo.
Além de bombas e mísseis, os americanos disseram que também estavam jogando comida no Afeganistão, e que os ataques visavam preparar o terreno para chegada de ajuda humanitária. A guerra não seria contra a população afegã, mas sim contra a milícia Taleban, que governa a maior parte do país.

"Amaciar"
"Amaciar", no jargão dos militares americanos, significa destruir a capacidade de reação do inimigo. Por isso os primeiros alvos foram -e são sempre- baterias antiaéreas, radares e pistas de pouso de onde poderiam decolar caças inimigos.
Dois aviões não tripulados tinham sido avistados sobre Cabul no dia anterior. Estavam cumprindo uma função fundamental: reconhecer os alvos, especialmente as defesas antiaéreas.
Forçando o Taleban a disparar contra eles, aviões não tripulados como o Predator ("Predador") americano captam com suas câmeras os disparos e transmitem a informação em tempo real para a equipe que planeja os ataques.
Os primeiros ataques têm a vantagem inestimável da surpresa, por isso também foram atacados centros de comando e bases de treinamento dos terroristas.
Os ataques, realizados de noite -começando às 21h27, hora local-, ajudam teoricamente a evitar ou minimizar danos à população civil, que está em casa devido ao toque de recolher. E a capacidade de reação das forças tecnologicamente pouco sofisticadas do Taleban é menor de noite.
Só com muita sorte ou com informação muito precisa seria possível acertar o próprio Bin Laden. Por isso o secretário da Defesa americano, Donald Rumsfeld, fez questão de afirmar em uma coletiva televisionada que as operações militares iniciadas ontem não eram apenas contra um indivíduo, mas contra toda uma rede de organizações terroristas.

Arsenal utilizado
Os EUA não entraram em detalhe sobre quais foram as forças empregadas. O general Richard Myers, chefe do Estado Maior Conjunto -que comanda todas as Forças Armadas dos EUA-, revelou na mesma entrevista com Rumsfeld que foram usados 15 bombardeiros dos modelos B-1, B-2 e B-52, 25 caça-bombardeiros -provavelmente lançados dos porta-aviões Carl Vinson e Enterprise no oceano Índico- e um total de 50 mísseis de cruzeiro, boa parte deles Tomahawks lançados de cruzadores, destróieres e submarinos.
Submarinos da Marinha Real britânica também participaram lançando mísseis de cruzeiro Tomahwak, e os B-52 e B-1 foram lançados da base britânica de Diego Garcia, no Índico. Já os B-2 -cada um custando perto de US$ 500 milhões- voaram cerca de 24 horas desde a base aérea Whiteman, no Estado de Missouri, centro-sul dos EUA.
Rumsfeld fez suas declarações antes de novas ondas de ataque terem sido anunciadas pelas milícias do Taleban.
Os mísseis de cruzeiro têm a grande vantagem de poderem ser lançados de aviões, navios e submarinos e atingirem alvos a mais de 2.000 km de distância com precisão de dezenas de metros.
São guiados tanto por dados de satélites como por informações do terreno a seguir registradas no computador de bordo.
Como esses mísseis são verdadeiros aviões não tripulados que viajam a altitudes baixas, de centenas de metros, com velocidades semelhantes a aviões comerciais -em torno de 800 ou 900 km/ h-, podem ser teoricamente abatidos por canhões ou mesmo metralhadoras pesadas.
Armas desse tipo não faltam no Afeganistão, ou mesmo mísseis antiaéreos portáteis como os Stinger, que os próprios americanos forneceram aos afegãos quando eles combatiam os invasores soviéticos nos anos 80.
O Stinger é um míssil do tipo "fire and forget" ("dispare e esqueça"), guiado ao alvo por um detector de calor (radiação infravermelha), e tem alcance de 5.000 metros. Ataques aéreos americanos também podem destruir as armas pesadas do Taleban -tanques e canhões- para ajudar a Aliança do Norte.

Imagens noturnas
As imagens noturnas de televisão que mostram rastros luminosos no céu são resultado dos disparos de metralhadoras pesadas (calibres 12,7 mm e 14,5 mm) e de canhões antiaéreos de tiro rápido, em geral o também ex-russo ZU-23, de calibre 23 mm, que com seu alcance de até 5.000 metros constitui um dos maiores riscos a helicópteros atacantes.
O efeito luminoso é resultado do uso de, a cada cinco balas, um projétil, chamado "traçante", que explode como se fosse um fogo de artifício. A luz é necessária para facilitar a pontaria.
Esse é justamente o maior problema com a defesa antiaérea do Taleban: a quantidade pequena de armas cujo tiro é guiado por radar. Ou seja, a maior parte só é de fato eficaz de dia.
De qualquer modo, um primeiro ataque tende a usar menos aviões tripulados, para evitar risco de perdas humanas logo no início, que afetariam o moral americano.
Depois de eliminadas as armas antiaéreas potencialmente mais perigosas -como mísseis de fabricação soviética, também possivelmente presentes no arsenal do Taleban-, os anglo-americanos podem devotar aviões e helicópteros para missões variadas, desde ataques apoiando diretamente as tropas da Aliança do Norte, até na caça a Bin Laden.
O Taleban informou que está enviando tropas pra as fronteiras ao norte, com o Uzbequistão e Tadjiquistão, de onde poderiam vir novos ataques.
Do ponto de vista norte-americano, isso é altamente positivo: são novos alvos em potencial sendo criados, e politicamente perfeito, pois os EUA estariam ajudando os países vizinhos a se defenderem do Taleban.


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