São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ataques aéreos não intimidam Taleban, diz analista

MÁRCIA DETONI
DA REPORTAGEM LOCAL

O bombardeio americano é apenas uma demonstração de força e determinação dos EUA e não intimida o Taleban, afirma o coronel da reserva Geraldo Cavagnari, 67, coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. Segundo ele, as milícias Taleban já enfrentaram, no passado, todo o tipo de bombardeio possível e só podem ser derrotadas por terra.
Cavagnari acha que a guerra contra o Taleban, um inimigo resistente, com soldados dedicados, será bem mais longa e terá muito mais baixas para os EUA que a Guerra do Golfo, cujos combates duraram um mês e meio.
 

Folha - Ataques aéreos contra centros de treinamento e bases militares do Taleban podem, por si só, enfraquecer o grupo?
Geraldo Cavagnari -
Não. O Taleban, para ser derrotado, precisa ter sua milícia destruída, e isso requer ação terrestre. Esta operação que está sendo realizada, agora, tem mais um significado de demonstração de força. Mostra a determinação dos EUA e do Reino Unido de desestabilizar o governo do Taleban se ele não entregar Osama bin Laden. Ela intimida, de certo modo, a população e leva a um aumento do número de refugiados, o que cria problemas na fronteira com o Paquistão. Agora, intimidar a milícia Taleban, esses ataques aéreos não intimidam.

Folha - Por quê?
Cavagnari -
Porque as milícias do Taleban já estão há 20 anos em guerra. Elas já sofreram todo o tipo de bombardeio possível, inclusive os lançados pela antiga União Soviética, e não cederam, resistiram ao máximo. Obviamente elas vão resistir novamente até não ter mais fôlego.

Folha - Tratando-se de um país muito montanhoso e inóspito, pode-se esperar sucesso numa campanha por terra ou os americanos podem enfrentar as mesmas dificuldades das forças soviéticas durante a ocupação, nos anos 80?
Cavagnari -
Os EUA podem ter sucesso. No caso da União Soviética, não havia uma resistência interna à guerrilha que lutava contra a ocupação, como existe agora em relação ao Taleban. Além disso, durante a ocupação, os soviéticos não foram capazes de realizar um cerco, no sentido literal, que impedisse ou dificultasse um apoio externo significativo aos guerrilheiros. Esse apoio externo ocorreu e foi sustentado pelos EUA. Foi isso que permitiu que a guerrilha, de modo geral, tivesse fôlego suficiente para sustentar uma resistência continuada contra a ocupação soviética e vir a ser bem-sucedida.
No caso atual, os EUA estão sendo bem-sucedidos no isolamento diplomático do Afeganistão, e isso é importante. Os EUA também estão sendo bem-sucedidos no cerco do território afegão, de maneira a impedir ou dificultar um apoio tão significativo quanto aquele que ele próprio prestou aos guerrilheiros que combatiam os soviéticos. Isso quer dizer que a milícia Taleban não terá fôlego suficiente para resistir às ações desencadeadas pelos EUA e, posteriormente, a uma ocupação do território afegão por forças americanas e britânicas.

Folha - Uma aliança com os oponentes afegãos do Taleban que lutam no norte do país é importante para a vitória americana?
Cavagnari -
Os EUA vão precisar do apoio da Aliança do Norte, porque, à medida em que aliança avança, ela vai retirando território que era dominado pelo Taleban e diminuindo o espaço de manobra do grupo. Mas, se os americanos vão desestabilizar o Taleban, eles têm de criar uma alternativa de poder. Só que essa alternativa de poder não é necessariamente oriunda da Aliança do Norte, apoiada pelas minorias étnicas. Terão de ser consideradas todas as etnias, inclusive a Pashtu (do Taleban), que é a etnia dominante e que, obviamente, terá de ter uma presença mais significativa que as etnias da Aliança do Norte.

Folha - O Taleban é um inimigo perigoso para os EUA?
Cavagnari -
Ele é perigoso não só para os EUA, mas também para a Rússia e as ex-Repúblicas soviéticas, porque esses países têm territórios de maioria muçulmana, e o Taleban leva a bandeira do extremismo muçulmano. Ele é altamente subversivo e desestabilizador.

Folha - O sr. espera que este conflito seja resolvido rapidamente?
Cavagnari -
É difícil prever se será uma guerra prolongada ou não. Mas uma coisa se pode dizer de imediato: será uma guerra de duração maior que a do Golfo e, com certeza, terá um maior número de vítimas do lado americano do que na Guerra do Golfo.



Texto Anterior: A ofensiva: Ação visa "amaciar" terreno afegão
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.